Por que os campeonatos de motovelocidade são um pesadelo para os patrocinadores?

O problema está nas condições de desenvolvimento, treinamento e execução dos praticantes

imagem cameraJoe Hirakuri é colunista do Lance! Biz (Arte Lance!)
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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 28/08/2023
14:50
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Com o mais sincero respeito e discernimento à situação, às pessoas e principalmente à família e amigos dos pilotos, não há motivos para detalhar as informações ao redor da fatalidade ocorrida durante a etapa de Cascavel num importante campeonato de motovelocidade, mas precisamos analisar o cenário que circunda a modalidade.

Para contextualizar minha visão sobre o assunto, durante um bonito período de cinco anos trabalhei dedicado e focado intrinsecamente no esporte a motor. Corri o mundo ao lado de carros, caminhões, barro, pista, drift, rally, tudo que tinha motor eu acompanhava e amava, mas nada me chamava mais atenção ou me dava mais alegria do que trabalhar com motos. Vivia e respirava disso noite e dia, aprendi muito com grandes craques do mercado e hoje posso opinar com o mínimo de propriedade.

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Economias de terceiro mundo compartilham um mesmo padrão: abrigam uma frota de motos imensa. Com o preço dos carros sempre muito mais elevado, as motos automaticamente se tornam a primeira opção para locomoção urbana motorizada, seja para trabalhar ou simplesmente como um transporte mais conveniente do que o coletivo.

O Brasil faz parte do ranking de maiores frotas de motocicletas no mundo e isso automaticamente eleva o número de fãs e praticantes das competições de motovelocidade. A pureza nesse esporte remete à conquista em aprender a andar de bicicleta ou comprar a primeira magrela financiada em infindáveis parcelas e sair por aí tomando o vento na cara com aquele singular sentimento de liberdade. 

Entre campeonatos locais e duas competições com calendário nacional, o motociclismo no Brasil é repleto de competitividade e pegas de qualidade. As equipes são compostas pelos guerreiros mecânicos e chefes de equipe que se desdobram e sacrificam as vidas pessoais em prol do esporte.

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Majoritariamente aos finais de semana, os poucos autódromos que temos - outra debilidade da modalidade, mas não é a pauta de hoje - recebem os potentes motores entre treinos e corridas. No certame brasileiro são poucos os pilotos que são 100% profissionais e possuem as condições financeiras e aporte de marcas para se manter treinando e competindo em alto nível:

"Comprar equipamento e moto é tranquilo pra qualquer um com um bom dinheiro sobrando, mas e treinar 4 vezes por semana, rola? Estudar a pista com tempo e dias de antecedência, rola pra todo mundo? É claro que não! Os pilotos não são profissionais do ramo, todos têm família pra cuidar, têm ponto pra bater na carteira de segunda a sexta.”

Campeonatos de motovelocidade são pesadelo para patrocinadores (Foto: MotoGP)


Sob a condição de não ter o nome aberto, a Coluna ouviu informalmente a opinião de um dos mais relevantes nomes do motociclismo brasileiro, tanto em experiência nas pistas quanto em gestão de competições:

- Os campeonatos são cheios de categorias, o nível é bom, mas dá pra contar na mão o número de pilotos que têm o nível de um profissional que pode viver da moto e dos riscos que ela traz. Pra quem entende do ramo, nossos campeonatos são taxados de “track day gourmet!”.

Que fique claro a todos os desavisados julgadores da mídia não especializada que óbitos em competições de moto não são uma exclusividade dos campeonatos brasileiros. Em competições do Reino Unido e no Rally Dakar, por exemplo, infelizmente há registros recentes de fatalidades esporádicas, assim como no sudeste asiático, onde o segmento é muito bem desenvolvido.

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O erro absurdo está em taxar como “fatalidade” duas mortes dentro de uma mesma data, assim como é injusto e vago buscar culpados e crucificar pessoas e empresas, quando o verdadeiro erro está enraizado processualmente na modalidade

Dirigentes e organizadores inegavelmente se dedicam com todo afinco do planejamento à execução, mas a valia passa a ser cega quando o problema está de fato nas condições de desenvolvimento, treinamento e execução que os praticantes possuem à disposição.

Empresas do segmento, patrocinadores e confederações deveriam montar uma comissão fixa para o desenvolvimento do esporte, com discussões abertas e participação de vozes internacionais que possam dividir estudos de caso.

Relutei em escrever e publicar sobre essa pauta, mas é difícil ver a imagem de um esporte definhando injustamente, pessoas sendo crucificadas e grandes marcas fazendo comunicados de que abandonarão o apoio à modalidade. Cabe debate entre os envolvidos!

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