A regulamentação das apostas esportivas está próxima de sair do papel. A expectativa é que uma medida provisória seja editada até o fim do mês com as novas regras de regularização e taxação das empresas do setor. Enquanto o Ministério da Fazenda finaliza o texto, membros do governo federal detalharam os principais pontos da MP em audiência pública na Câmara dos Deputados - leia mais aqui.
Cabe destacar que os sites de apostas estão autorizados a funcionar no Brasil pela Lei 13.756/2018, sancionada pelo então presidente Michel Temer. Desde então, o governo federal calcula ter deixado de faturar R$ 6 bilhões pela ausência de taxação. Com a regulamentação, o Ministério da Fazenda estima conseguir uma arrecadação anual de até R$ 15 bilhões. Além disso, a medida será importante, do ponto de vista jurídico, para empresas e consumidores.
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- A regulamentação das apostas esportivas é, sem nenhuma dúvida, benéfica não apenas para o Estado, que poderá captar recursos, mas também para as empresas e para os consumidores. Com relação às empresas, a regulamentação traz transparência e credibilidade, afastando o mercado de apostas de atividades ilegais. No tocante aos consumidores, a regulamentação traz segurança jurídica, uma vez que, as empresas legalizadas estarão sujeitas à legislação nacional, o que inclui, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor. Assim, em caso de eventual problema, os consumidores estarão resguardados pela lei brasileira, como em qualquer outra relação de consumo - disse Mariana Chamelette, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, ao L!.
Mas, afinal, como as empresas do setor enxergam os números apresentados pelo governo? Os valores propostos estão de acordo com os praticados por outros países? O LANCE! procurou especialistas da área para descobrir.
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OUTORGA DE R$ 30 MILHÕES
Um dos pontos da MP já definidos pelo Ministério da Fazenda é a cobrança de R$ 30 milhões aos sites de apostas pela licença de cinco anos. As empresas que quiserem operar no Brasil terão de pagar este valor para serem credenciadas pelo governo federal. A taxa é similar ao valor cobrado no Reino Unido e não é visto como problema pelas empresas do setor.
- Nós, do GaleraBet, vemos a inclusão da obrigatoriedade de pagamento de outorga como algo positivo, a fim de atestar capacidade financeira dessas empresas que vão estar gerindo recursos tangíveis e intangíveis dos jogadores. As empresas precisam demonstrar a sua integridade e capacidade financeira para administrar e gerir esses prêmios e esses depósitos - disse Marcos Sabiá, CEO da GaleraBet, ao LANCE!.
Além do pagamento da outorga, as empresas terão de seguir outras regras para estarem licenciadas no mercado brasileiro. Entre os requisitos, estão: (1) ter sede no país; (2) ter capital mínimo de R$ 100 mil; e (3) ter uma série de certificados, como dos meios de pagamentos utilizados e de sistemas para evitar manipulação de resultados.
- A percepção é de que a regulamentação vai trazer uma redução no número de empresas porque exigirá uma série de contrapartidas e de requisitos para operação que entendo como extremamente saudáveis. Precisamos ter casas de apostas e empresas que possam demonstrar capacidade de gestão administrativa e financeira, que possam ter estruturas robustas, condizentes com o tamanho do desafio e o volume de recursos que será gerido por estas empresas - explicou Sabiá.
ALÍQUOTA DE 15% DO GGR
Em relação à tributação das empresas, o Ministério da Fazenda prevê cobrança de 15% sobre o GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês), ou seja, a receita obtida com todos os jogos feitos, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores.
O modelo percentual foi inspirado em um dos mercados pioneiros neste assunto, o do Reino Unido. A diferença é que a MP preparada pelo governo brasileiro inclui o pagamento de outros impostos, como Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), PIS/Cofins e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, que incidem sobre a receita bruta das empresas. Este ponto causa preocupação nas casas de apostas.
- Falou-se inicialmente sobre o modelo do Reino Unido, citando-o como ideal. Os operadores britânicos pagam apenas 15% do GGR e mais nenhum imposto adicional, nem mesmo os apostadores. (Se somar as alíquotas de IRPJ, PIS, COFINS e contribuição social), Ficaríamos com carga tributária de quase 27%, ou seja, quase o dobro do Reino Unido e de algumas outras jurisdições que tiveram sucesso na regulamentação, como é o caso da italiana. Desta maneira, dificilmente atrairemos uma quantidade relevante de empresas para participar deste mercado - comentou Darwin Filho, CEO da Esportes da Sorte.
- Se pensarmos em 15% do GGR, seria um percentual que estaria em linha com as práticas no mundo desenvolvido em relação aos sites de apostas. Mas o que traz preocupação para as casas de aposta no Brasil é de que eventualmente, além destes impostos, tenhamos outras incidências, tais como imposto de renda, contribuição social e outras incidências ainda sobre a atividade econômica - confirmou Marcos Sabiá, da GaleraBet.
TAXAÇÃO DOS APOSTADORES
De acordo com o Ministério da Fazenda, a medida provisória do governo não mudará a tributação sobre o apostador, ou seja, a pessoa física que obtém ganho com as apostas. A taxação será de 30% dos ganhos em cada aposta, excluída a faixa de isenção do imposto de renda de R$ 1,9 mil. Este é outro ponto que levanta debate entre os operadores do mercado, que temem um maior estímulo à informalidade.
- É importante salientarmos que uma tributação justa sobre jogadores, que possa compartilhar com a sociedade parte da riqueza gerada sobre os seus prêmios, é algo salutar desde que não seja um estímulo à informalidade. É imprescindível que nós possamos construir esse ambiente onde essa tributação seja justa e que possa estar alinhada ao que nós temos de melhores práticas no mundo. É importante discutirmos esse percentual para que possa estar dentro de um um range que nós entendemos alinhado com práticas de países nos quais essas alíquotas de fato demonstram que não houve um estímulo à informalidade por parte dos jogadores - disse Marcos Sabiá.
De acordo com Darwin Filho, faria mais sentido cobrar o imposto sobre o ganho de capital dos apostadores em um determinado período de tempo, em vez de cobrar em bilhetes unitários.
- Sabe-se que no Brasil grande parte dos apostadores são adeptos as apostas múltiplas, que pagam grandes multiplicadores. Ao exemplo de você jogar R$ 5 reais para ganhar R$ 4.800 reais. Isso é comum. Ao taxar 30%, qualquer ganho superior a 1.903,00, você inibe todo esse mercado, além de inibir também o mercado high-roller, como chamamos na indústria o mercado dos apostadores mais caros, os vulgos VIPS. O jogo é um ato contínuo, não faz sentido haver imposto sobre cada aposta vencida. O imposto tem de ser sobre o ganho de capital daquele determinado indivíduo em um período de tempo pré-estipulado - comentou Darwin Filho.
RESTRIÇÃO DE PUBLICIDADE
Outro ponto que será incluído na medida provisória diz respeito às políticas de publicidade do segmento. O governo federal, por exemplo, vai restringir as propagandas apenas às empresas que estiverem credenciadas e obrigar o estímulo ao "jogo responsável" em campanhas publicitárias.
A preocupação é o aumento do número de "jogadores compulsivos", especialmente entre os jovens brasileiros. Bruno Pascale Cammarota, médico psiquiatra da Secretaria Municipal de Saúde, defende a imposição de regras ainda mais restritas na medida provisória do governo.
- Sou a favor que haja uma limitação, assim como foi feito com propagandas de cigarros. A legislação tem de regulamentar as propagandas. Uma alternativa que pode ser interessante para reduzir a compulsão por jogo é que as casas de apostas imponham dispositivos de segurança. Por exemplo, estabelecer um limite de apostas ou do valor de aposta de acordo com o CPF. É importante criar dispositivos de segurança para tentar evitar que uma pessoa manifeste uma doença. Assim como após o comercial de uma bebida alcoólica há a expressão "aprecie com moderação", é essencial colocar este alerta em anúncios de casas de apostas, seja em textos nas placas publicitárias ou em propagandas - explicou o médico ao L!.