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Confusão na final da Libertadores deu luz ao lado obscuro dos barras bravas da Argentina e o apoio político

Organizada do River Plate pode estar ligada ao ataque sofrido pelo ônibus do Boca Juniors, no último sábado. Historiador fala da antiga relação entre torcedores e autoridades

Torcida do River Plate
JAVIER GONZALEZ TOLEDO / AFP

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A Justiça investiga a ligação entre a barra brava do River Plate e o ataque que o ônibus do Boca Juniors sofreu ao chegar no Monumental, fato que desencadeou a suspensão da partida de volta da final da Libertadores. A investigação foi confirmada pelo Secretário de Segurança da Cidade de Buenos Aires, Marcelo D'Alessandro. Na sexta-feira passada, a polícia fez duas intervenções em casas ligadas à barra do River, onde apreendeu uma grande quantidade de dinheiro que pode vir da revenda de ingressos e 250 entradas que ainda estavam para ser vendidas.

Os barrabravas se tornaram um poder desafiador na Argentina. Conduzem parte do grande espetáculo do futebol sul-americano, mas por trás de suas canções, bandeiras e tambores, há aspectos ocultos como violência, territorialidade e apoio político em atos brutais. A pressão que exercem sobre os clube também é esmagadora, pedem dinheiro e ingressos para revender em troca de proteção e trabalhos ilegais. Outra fonte de renda para os grupos é a venda de drogas, de tours ao estádio e uniformes oficiais. Ser barrabrava se tornou praticamente um emprego. Alguns especialistas acreditam que isso é um reflexo de problemas comuns no país, como o desemprego, a corrupção ou a impunidade, mas também o crescimento do futebol como um dos principais fenômenos comerciais e populares.

Em 2017, Cristian Alvarez, líder da barra do Independiente, foi detido ao extorquir o atual treinador Ariel Holan, mas antes, conseguiu a saída de outro técnico, Antonio Mohamed, e até mesmo do presidente Javier Cantero, que iniciou uma luta contra os barras e não obteve sucesso. Hoje, o clube é dirigido pelo sindicalista Hugo Moyano, considerado por muitos "um barra do lado de fora".

- Quando um dirigente decide dar um basta, sempre acabava sendo expulso pelo sistema - disse Mariano Bergés, chefe da organização Salvemos al Futbol.

Em resposta a essa crise e devido à inúmeros confrontos entre barras rivais, desde 2013 o governo e a Associação Argentina de Futebol (AFA), tentam resolver o problema com medidas como a proibição do público visitante. No entanto, o fato continua a ser um problema no país. Alberto García, membro fundador da FAVIFA (Família das Vítimas da Violência no Futebol), acredita que a cumplicidade da polícia existe onde zonas são frequentemente liberadas, como a zona do incidente envolvendo o ônibus do Boca Juniors neste último sábado.

Além dos clubes e da milícia, os grupos estão diretamente envolvidos com líderes políticos. Uma das maneiras pelas quais os políticos os utilizam é durante eventos de campanha, os "capos" recebem dinheiro em troca de participação. Em 2014, o diário El Confidencial, informou sobre as relações dos barras com Cristina Fernández de Kirchner. A ex-presidenta seria responsável por dar um conjunto de radicais diretrizes para uma série de ações do governo: colocação de banners em seu nome e ataque aos grupos opositores, em troca da permissividade policial. No livro "Barrabrava para todos", Juan Manuel Lugones, diretor da Agência para Prevenção da Violência, entidade governamental da província de Buenos Aires, conta que quando trabalhou no Ministério do Interior, sob o comando de Nestor Kirchner, vários membros dos Borrachos del Tablón, barra do River, ocupavam cargos políticos.

A história se inicia em 1978, no Mundial sediado pelo país. A realização da Copa do Mundo estava ameaçada, o governo se reuniu com os barras e pediu para que não houvesse violência nos estádios, para que a imagem do futebol nacional não fosse manchada. Em troca, eles receberiam passe livre em todos os estádios onde o campeonato fosse disputado. O acordo foi selado e é mantido até hoje. Todo Mundial realizado, o governo argentino envia uma barra brava para apoiar a seleção nacional e banca todos os custos. Na Copa da Russia, a torcida escolhida foi a La Doce, do Boca Juniors.

Em 1982, no Mundial da Espanha, começou o chamado "silêncio operativo" com a participação de várias barras e do presidente da AFA, Julio Humberto Grondona. Embora alguns hinchas permanecessem fiéis à ideologia peronista, a grande maioria estava alienada pela repressão ilegal que a ditadura havia iniciado em 1976. A Argentina jogaria como uma das seleções mais prestigiadas, tendo Maradona como uma das estrelas. O risco para a ditadura era que em cada jogo da seleção houvesse manifestações de exilados denunciando a situação do país e pedindo o retorno à democracia. Os barras seriam enviados para dissuadir os manifestantes pacifistas ou anti-ditaduras com total repressão. Porém, no mesmo ano, a Argentina iniciou a reconquista das Ilha Malvinas, o que gerou guerra contra a Inglaterra e impediu a viagem. "Tudo estava pronto para viajar, tivemos até nossos passaportes sem ter que ir ao Departamento Central de Polícia, mas por causa da guerra não poderíamos viajar", reconheceu na revista Huella de San Martín, Alberto Apollonio, um dos líderes da barra do Chacarita.

Já em 1986, na Copa do México, Carlos Bilardo reconheceu ter investido e apoiado a ida das barras ao campeonato. O treinador considerou como fundamental o apoio da torcida. Além dele, a barra do Boca recebeu aval do presidente do clube, Julio Alegre. Eles não imaginavam o que viria pela frente. Uma das cenas que marcou o torneio é uma bandeira da Inglaterra sendo queimada atrás do gol de Pumpido, goleiro da Argentina. Os barras armaram uma emboscada contra os hooligans ingleses, que perderam bandeiras, equipamentos e muitos foram hospitalizados. Foi o primeiro confronto com a Inglaterra após a Guerra das Malvinas, e os grupos viveram como se fosse a segunda parte daquela batalha, assim como atualmente, usando o futebol como reação à violencia.

Na Copa da África, em 2010, trinta e sete representantes das barras foram deportados devido a distúrbios nos dois primeiros jogos da seleção argentina. Além disso, outros trinta pertencentes ao grupo viajaram no mesmo avião que Julio Grondona, presidente da AFA. Quatro anos antes, o presidente do River Plate, José María Aguilar, designou vários membros da barra Los Borrachos del Tablón como supostos funcionários do clube, o que permitiu que eles lavassem o dinheiro que recebiam.

Hoje, a história recebeu mais um capítulo. O que era para ser o maior evento do futebol sul-americano, se tornou um palco de revanche para uma barra brava denunciada. A segurança pública perdeu o controle e o máximo que fazem nesses casos, é punir ao clube com partidas de portão fechado. O espetáculo está em crise?

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