Poucas vezes uma Libertadores reuniu tantos campeões da Libertadores. Dos 47 participantes, 17 já conquistaram a América ao menos uma vez. Juntos, ganharam a taça 47 vezes. Como há tempos não se via, os três maiores papa-títulos estarão em campo: o Independiente (heptacampeão), o Boca Juniors (hexa) e o Penãrol (penta). Clássicos como Flamengo x River Plate, Boca x Palmeiras ou Corinthians x Independiente logo no início, na fase de grupos, são apenas uma amostra do que pode vir por ai em emoção e rivalidade.
Mas não é apenas em títulos que a edição 2018 será especial. Dos cinco times de maior torcida do Brasil, quatro estarão na disputa. Assim como as quatro maiores torcidas argentinas, as duas uruguaias, as chilenas, colombianas e peruanas. Da lista dos 24 clubes que integraram o último ranking de maiores torcidas do continente divulgado pela Conmebol, os 10 primeiros estão classificados – apenas seis não conseguiram vaga.
Fora de campo também há boas mudanças. A premiação da competição será a maior da história no futebol sul-americano. O campeão vai receber 6 milhões de dólares (R$ 20 milhões), o dobro do valor recebido este ano pelo Grêmio. Ao vice caberá 3 milhões de dólares. Está longe de ser uma Champions League, onde apenas o vencedor da final arrecada 15,5 milhões de euros (pouco mais de R$ 61 milhões) e o vencido fica com 11 milhões de euros (R$ 43,5 milhões). Mas é um avanço significativo, anda mais quando se considera que os novos contratos de transmissão de TV só estarão em vigor em 2019, aumentando ainda mais a capacidade financeira da confederação. E abrindo perspectivas para premiações ainda mais polpudas.
Desde que assumiu o comando da entidade, depois dos escândalos da Fifa que levaram à cadeia quase toda a cartolagem das gestões anteriores, a atual direção da Conmebol assumiu o discurso de moralizar e valorizar a Libertadores, aproximando o torneio da Champions. Sob muitos aspectos tem cumprido com esse objetivo. O aumento do número de participantes com a consolidação da Pré-Libertadores, mudanças no cruzamento pós fase de grupos, com a realização de sorteios que dão mais emoção à disputa, a ampliação do tempo de duração do torneio por todo o ano, a queda para a Sul-Americana de alguns eliminados da primeira fase foram medidas bem-sucedidas, inspiradas no modelo europeu.
Mas tudo isso pode não ser nada, virar apenas perfumaria se o principal problema daqui não for atacado de frente. É preciso mudar a mentalidade, a cultura do vale-tudo. Episódios como os do gás de pimenta em Boca x River em 2015, os tumultos de Peñarol x Palmeiras este ano, que poderiam terá acabado em uma tragédia, ou a selvageria de Flamengo x Independiente – que era Sul-Americana mas poderia ser Libertadores – não podem mais ter espaço no futebol do continente. Não dá para se achar normal ter a polícia protegendo com escudos um jogador que vai bater escanteio, torcedores imitando macaco em manifestações racistas nas arquibancadas, foguetório de madrugada na porta do hotel dos rivais ou armadilhas às vezes mortais armadas antes e depois de jogos nas ruas ou nos estádios.
A tão comum comparação entre a Libertadores e a Champions é cruel. Os parâmetros nem de longe se aproximam. E não apenas pelo poder econômico dos clubes que provoca a diferença técnica entre os times dos dois lados do Atlântico. Há, antes disso, diferenças estruturais na qualidade dos estádios – alguns são verdadeiros campos de pelada – na logística de transportes para lugares longínquos, coisas que vão muito além do futebol, são consequências do ambiente em que a Libertadores está inserida.
Mas, se não pode resolver questões estruturais – ou vai precisar de décadas para conseguir mudar esses patamares – a Conmebol pode, sim, fazer a sua parte. Tem obrigação de fazê-la. E impor civilidade na disputa – com rigor na punição e um trabalho de conscientização para que os clubes e confederações trabalhem nessa direção - já é um bom caminho.
Feliz Natal, leitores. Paz e luz nesta noite são os votos da coluna.