Treinador da seleção brasileira de Boxe detalha campanha histórica em Tóquio 2020 e projeta Paris 2024
Treinador principal da seleção brasileira de Boxe, Mateus Alves fala sobre campanha histórica da equipe nos Jogos Olímpicos de Tóquio, comenta trabalho envolvendo novos talentos e já projeta as Olimpíadas de 2024, em Paris; veja a entrevista completa:
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Por Mateus Machado
A seleção brasileira de Boxe teve um desempenho histórico nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Com o ouro de Hebert Conceição, a prata de Beatriz Ferreira e o bronze de Abner Teixeira, o Boxe foi a modalidade mais vencedora do Brasil na Olimpíada de 2020, que foi realizada este ano por conta da pandemia da Covid-19. As três medalhas conquistadas superaram a marca dos Jogos de Londres, em 2012, e mostraram que o país, de fato, atravessa uma grande fase na nobre arte. O grande nome por trás dos ótimos resultados e do trabalho realizado ao longo dos últimos anos é Mateus Alves, treinador principal da Confederação Brasileira de Boxe.
Nascido em Porto Alegre, Mateus foi o responsável por organizar toda a rotina de treinos e competições da seleção durante todo o ciclo até os Jogos de Tóquio. A experiência na CBBoxe, porém, já vem de outros tempos, tendo em vista que o gaúcho foi assistente técnico em Londres 2012 e também no Rio 2016, até assumir como treinador principal da equipe em 2017. Após as experiências vividas como assistente, Mateus Alves falou sobre o desempenho acima do esperado nas Olimpíadas de Tóquio, destacando todo o trabalho que foi realizado durante os anos que antecederam os Jogos. O treinador também revelou que muitos atletas, inicialmente, estavam sendo “preparados” para as Olimpíadas de 2024, que vai ser realizada em Paris, na França.
- Quando eu assumi a equipe, em 2017, ainda tinham alguns atletas do ciclo passado (Rio 2016). Foi um ano ruim, onde eu, como treinador principal, fiz uma proposta à diretoria para renovar totalmente o grupo, de não trabalhar mais com nenhum atleta que tinha ido aos Jogos de 2016 e investir nos novos talentos que a gente vinha observando. A Confederação me apoiou e iniciamos um projeto com intuito inicial de ir bem em Paris 2024, atingir três medalhas nesses Jogos, e ter a Beatriz Ferreira como ‘carro-chefe’ para Tóquio 2020, pois enxergamos nela uma possibilidade de medalha olímpica. Fizemos um 2018 excelente com esse grupo jovem, com várias viagens internacionais, um 2019 perfeito com a disputa dos Jogos Pan-Americanos, onde conquistamos seis medalhas, e medalhas mundiais do Hebert Conceição e da Beatriz.
Em 2020, mesmo com a pandemia, a gente conseguiu, graças a muito apoio do COB, do NAR e da Prefeitura de Santo Amaro, não perder nosso dia a dia de treinamentos. De junho de 2020 até os Jogos Olímpicos este ano, não paramos em nenhum momento. Fizemos viagens internacionais quando foi possível, conseguimos manter nosso treinamento, disputar campeonatos internacionais e internos, mesmo com um protocolo de saúde muito rígido. Foi uma logística bem difícil, chegamos a ir para a Europa mais de três vezes, em viagens de mais de 30 dias, para a gente se afastar da gravidade pandêmica no Brasil. Isso que fez a diferença para chegar aos Jogos de Tóquio na forma esportiva que chegamos. Cumprimos 100% o plano de atividades, ao contrário de outras equipes. Para Tóquio 2020, tínhamos a meta de conquistar duas medalhas (Keno Machado ou Hebert, e a Bia). O Abner (Teixeira), realmente, supreendeu, porque estávamos trabalhando ele para Paris 2024, mas ele brilhou em Tóquio e nos encheu de orgulho - contou o treinador.
Ao longo do bate-papo, Mateus Alves relembrou seu início nas artes marciais até o período em que se dedicou totalmente ao Boxe. Além disso, o treinador falou sobre o trabalho que realizou em Porto Alegre até surgir o convite para integrar a Confederação Brasileira de Boxe, as especializações que fez em seu currículo nos últimos anos, o crescimento do Boxe no Brasil e os planos para os Jogos Olímpicos de 2024.
Veja outros trechos da entrevista com Mateus Alves:
– Trajetória nas artes marciais até se dedicar ao Boxe
Comecei nas artes marciais com 14 anos, no Taekwondo, mas não me identifiquei muito bem com a modalidade na época. Depois, entre 15 e 16 anos, comecei no Muay Thai, muito influenciado pelos filmes do Jean-Claude Van Damme e me identifiquei bastante com esse esporte. Pratiquei até os 19 anos, aliando Muay Thai e Kickboxing, e fui até a penúltima graduação, na faixa-marrom. Disputei torneios de Muay Thai e Kickboxing, e depois entrei na faculdade para cursar Educação Física. Nessa época, conheci um pessoal do Boxe, um deles o Edson Drago. Comecei a conhecer a galera da equipe Cafuringa, e desde esse momento, por volta de 2000/2001, comecei a treinar Boxe e deixei de lado as outras modalidades. Como eu já tinha experiência com Kickboxing e Muay Thai, adaptei esse jogo para o Boxe e passei a treinar com essa equipe, que era muito vitoriosa em Porto Alegre. Entre 2000 e 2004, foi onde treinei muito, a nível de querer ser atleta, e entre 2001 e 2002, montei uma primeira turma de Boxe em uma academia de Porto Alegre, e com isso, passei a conciliar a faculdade, aula de Boxe para praticantes e disputar campeonatos.
Até 2007, foi um percurso grande de aulas de Boxe, onde montei algumas equipes, que contavam com professores e instrutores, e com isso foi possível disputar diversos torneios. No ano de 2007, montei minha própria academia, o Clube do Boxe Porto Alegre, e também montei um projeto social no Sport Club Internacional, que durou quase quatro anos, onde atendemos, em média, quase 150 alunos por ano. Nesse meio tempo, começamos a nos envolver com o trabalho da Federação Gaúcha, onde desenvolvemos um trabalho de base. Em 2008, o Rio Grande do Sul ficou em terceiro lugar no campeonato de base do Boxe, feito que não era atingido há muito tempo, e repetimos isso em 2009.
– Como surgiu o convite para fazer parte da Confederação Brasileira de Boxe?
Com o trabalho que foi sendo realizado ao longo dos anos, principalmente em 2008 e 2009, a Confederação Brasileira de Boxe começou a verificar nosso trabalho. Nesse meio tempo, eu já tinha me formado na faculdade, estava terminando minha pós-graduação e vinha fazendo artigos informativos sobre Boxe. Comecei a ter contato com o diretor técnico da CBBoxe, apresentei alguns artigos que escrevia e fui ganhando contatos, já que alguns atletas medalhistas na época eram da minha academia. Em 2010, organizei no Internacional um curso de treinadores para certificação nacional da CBBoxe para 55 técnicos do Rio Grande do Sul, onde tivemos a presença do presidente da CBBoxe, Mauro Silva, e eles conheceram a estrutura que tínhamos no Inter e nosso trabalho, e isso serviu para estreitar nossa relação. No ano seguinte, a CBBoxe teve a entrada de um novo patrocinador e eles precisavam de um treinador jovem e que tivesse certificado. Com isso, me chamaram e me convidaram para uma viagem à República Dominicana. Eu fui às pressas e, lá, surgiu o convite para integrar a equipe olímpica como assistente para o ciclo olímpico de Londres 2012.
– Antes de ser headcoach da CBBoxe, você foi assistente durante dois ciclos olímpicos. Durante esse período, como era seu trabalho e, ao mesmo tempo, quais cursos você procurou fazer para ganhar ainda mais conhecimento?
Durante meus dois ciclos como assistente, eu já era formado em Educação Física, já tinha o curso da Federação de Pugilismo do Rio Grande do Sul, uma pós-graduação em Avaliação Física e Prescrição de Exercícios, além do curso nacional de treinadores da CBBoxe. Nesse período de assistente técnico (Londres 2012 e Rio 2016), eu ainda fiz o curso internacional, em 2013, no Chile, da Federação Internacional de Boxe, que é certificação para trabalhar nos eventos mundiais e olímpicos como treinador principal, treinador do centro do ringue ou treinador da esquina. Em 2014, fui a Cuba estudar para uma outra certificação internacional, que eram de duas ligas que a AIBA tinha, a World Series Boxing e a AIBA Pro Boxing. Com essas duas certificações internacionais, tudo foi envolvido e pago pela Confederação Brasileira de Boxe. Ainda estive presente em bases de treinamento no Cazaquistão e em Cuba, no Mundial de 2011, 2013, 2015 e 2017, e Jogos Olímpicos de 2012 e 2016. Isso tudo foi formando minha experiência prática internacional e desenvolvendo minha questão de aprendizado.
– Desde Londres 2012, onde você começou a atuar como assistente, até os dias atuais, como foi e tem sido o trabalho para descobrir novos talentos no Boxe? Quais são os principais desafios e como você avalia esse tipo de trabalho?
O trabalho para descobrir novos talentos é muito padrão na CBBoxe. Temos campeonatos de base, e nesses eventos a gente já identifica possíveis talentos, temos bancos de dados e começamos a acompanhar os atletas. Por volta dos 17/18 anos, nós começamos a trazer os atletas para fazer base de treinamentos na equipe adulta, onde ficam um período e voltam para suas casas, e assim vamos identificando os melhores talentos, visando integrá-los cada vez mais cedo à equipe permanente. O Keno, que foi para Tóquio, o Luiz Oliveira, que é nossa promessa para Paris 2024, são atletas que vieram morar na equipe com 17 anos, foi possível identificá-los com muita antecedência. O desafio em encontrar novos talentos é fazer com que eles continuem na modalidade enquanto são jovens, porque não temos projeto de ter jovens de 15 anos morando com a seleção brasileira, é algo muito complexo, então optamos por não ter uma divisão de base permanente, mas sim categorias de base que acompanhamos por períodos. A gente traz os atletas, avaliamos por um tempo, e depois eles retornam para suas rotinas, e esperamos eles terminarem seus estudos no ensino médio, por exemplo. Depois, sim, a tendência é se incorporar à equipe.
– A partir de Londres 2012, o Boxe brasileiro voltou a figurar com destaque, com conquista de medalhas e campanhas cada vez melhores em torneios. Na sua opinião, quais foram e são os principais méritos para atingir esse patamar?
A mudança de Londres 2012 para cá é muito clara, não há dúvidas. O Boxe brasileiro, até 2009, não tinha um modelo de gestão com equipe permanente, existiam treinadores que utilizavam a estrutura da Confederação para benefício pessoal, então as últimas gerações não haviam conquistado medalha mundial. Teve um bronze na década de 80 e um bronze feminino no início dos anos 2000, quando o Boxe feminino nem era olímpico. Em 2009, o presidente Mauro Silva entrou com um choque de gestão na CBBoxe, mudou totalmente o modelo de gestão política e esportiva, e criou a equipe olímpica permanente, em São Paulo. A Confederação convocava atletas, eles assinavam contrato com a CBBoxe e vinham treinar exclusivamente na equipe permanente. A CBBoxe passou a ter um método de trabalho contínuo e bem estabelecido, com viagens internacionais e atletas sob supervisão da Confederação. Isso, aliado à sequência do trabalho, foi determinante para os resultados de 2012, 2016, 2021 e de todos os Mundiais. São 15 medalhas mundiais nesse período, de 2009 pra cá, entre categorias de base e adulto, sete medalhas olímpicas no adulto e três medalhas nos Jogos Olímpicos da Juventude. A equipe permanente, que tem sede em Santo Amaro desde 2009, é o divisor de águas para esse trabalho vitorioso.
– Com o fim da Olimpíada de Tóquio, o plano agora se volta ao ciclo olímpico para os Jogos de Paris. Como a CBBoxe já vem se planejando e quais são os objetivos para a Olimpíada de 2024? A meta é igualar os resultados de Tóquio 2020 ou conseguir até mesmo superar a marca?
Já começamos a preparação para os Jogos de Paris. Ainda não fizemos projeções, porque precisamos avaliar como vai ser a estrutura da equipe, quem fica ou não, avaliar os próprios adversários. A partir de 2022, a gente começa a criar o corpo desse grupo e fazer avaliações. Quando nós fazemos projeções, é de acordo com o ciclo. Por exemplo, quando a gente chega no ano de 2024, a gente já vai ter passado pelo Mundial de 2023 e os Jogos Pan-Americanos. Dentro desses eventos grandiosos, a gente consegue fazer projeção se esse grupo tem chance de medalha ou não. Óbvio que temos a pressão de, ao menos, ganhar duas a três medalhas para igualar o que fizemos em Tóquio. Superar a marca de Tóquio é algo bem complexo, nesse momento ainda não estamos criando essas expectativas. Precisamos analisar muitas coisas, mas estamos bem focados em fazer o planejamento de 2022, visando cumprir 100% nosso planejamento esportivo e aí, sim, começar a fazer projeções para Paris 2024.
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