Esporte que se tornará olímpico a partir dos Jogos de Paris-2024, o kitesurfe atrai cada vez mais praticantes e inspira diversos países, como o Brasil, a buscarem seu espaço no cenário internacional. A pequena Cabo Verde, nação localizada em um arquipélago vulcânico próximo à costa noroeste da África, tem lições valiosas a passar aos interessados na modalidade.
Foi lá que nasceram os dois melhores kitesurfistas do ranking da categoria strapless freestyle do Circuito Mundial de 2019. A última etapa será na Praia do Preá, em Cruz, no Ceará, entre os dias 12 e 16 de novembro.
Líder, Airton Cozzolino, de 25 anos, defenderá o título de campeão do mundo e do evento em solo brasileiro. Ídolo em seu país e pioneiro ao levar a nação ao topo, Mitu Monteiro, de 36, é o segundo colocado e promete esquentar a briga.
– Cabo Verde é uma meca do kitesurfe, pois tem condições muito boas todos os dias e é impossível não aprender. Mas é claro, tem de fazer com paixão para ter resultados – disse Airton, tricampeão mundial (2011, na modalidade waves, e 2017 e 2018, no strapless freestyle), ao LANCE!.
A explicação para o sucesso do país, que se tornou independente de Portugal em 1975, está, em partes, nas condições favoráveis para a prática de esportes náuticos em qualquer período do ano, com ventos que permitem o surfe de alto nível. O crescimento da economia por meio do turismo também ajuda a nação, que sofre com a escassez de recursos naturais, como a água, e tenta alterativas para gerar receitas. A popularidade do kite contribui para o cenário.
– Ainda é pouco, mas hoje nós temos uma associação de kite e esportes náuticos. Antes, quando íamos ao mar surfar, os pescadores não gostavam. Mandavam a gente pescar. Agora, o governo já apoia, pois temos três campeões do mundo de kite e um do windsurf. Eles olham como um potencial de trazer benefícios ao país. Quem vai disputar competições, também consume e movimenta a economia local – explicou Mitu.
Airton surfava desde os seis anos, mas foi adotado pelo empresário italiano Libero Cozzolino em 2010, aos 16, com quem aprendeu kite e tem hoje duas escolas de esportes náuticos. Ele trabalha em Cabo Verde no inverno e em Chia, na Sardenha (ITA), durante o verão.
Mitu também contou com a ajuda de um empresário para alavancar a carreira em nível mundial e viver de um esporte caro. O conjunto dos equipamentos, como a pipa e a barra, chega a custar mil euros (R$ 4,5 mil).
– Desde pequeno, sempre fui muito curioso. Via os barcos a vela e queria entender como funcionavam. Só que era difícil, pois aqui não tinha material. Ninguém queria emprestar. Quando tive essa possibilidade com um amigo estrangeiro, foi uma sorte. Depois, comprei o meu – contou Mitu, que projeta tempos melhores em Cabo Verde, com a diversificação das atividades:
– Na minha ilha, vejo que há um progresso. Cada ilha é diferente da outra e oferece um produto diferente. A minha é deserta. Praias são bonitas e para o esporte náutico é perfeito. O vento entra de um lado e sai do outro. Em Santo Antão, há muitas montanhas, muito verde e cascatas de água. É um turismo diferente. A Ilha do Fogo tem um vulcão ativo. Metade dela é quase deserto, queimada pelo vulcão. A outra metade é verde. Fazem vinho e café – explicou o kitesurfista.
O melhor brasileiro no Circuito Mundial é Pedro Matos, irmão da pentacampeã mundial de Jiu-Jits Kyra Gracie, em quinto lugar.
O KITESURFE
O que é
Chancelado pela World Sailing, a federação internacional de vela, o esporte usa uma pipa e uma prancha com suporte para os pés. O objetivo é “voar” e deslizar sobre a água, puxado pela pipa, presa à cintura. Com a ajuda de uma barra, o atleta consegue direcionar a prancha, pegar ondas ou fazer manobras.
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Quem vence?
Na modalidade strapless freestyle, que está no Mundial, o desafio é o equilíbrio para fazer a manobra mais radical, mantendo o domínio sobre a prancha, solta sob os pés. Na Olimpíada, a disputa será em formato de regata (corrida).
BATE-BOLA
Airton Cozzolino, kitesurfista, ao LANCE!
‘Dedico minha vida ao kite. Estar na água é o mais importante para mim’
A que atribui a sua consolidação como grande nome do kitesurfe mundial na atualidade?
Atribuo meu nome no esporte à história que escrevi. Eu dedico toda minha vida ao kite. Ele entrou na minha rotina porque meu pai me ensinou, mas sempre fui um admirador. Também pratico surfe, windsurfe e standup paddle. O importante para mim é estar na água. Fico muito feliz de ver outras pessoas aprendendo o que amo.
Enfrentou dificuldades para se destacar em um esporte caro?
Sim. A vela é um esporte muito caro, mas isso não significa nada para uma pessoa que quer chegar ao alto nível e obter patrocínio. Não era fácil conseguir apoio tempos atrás. Mas com a sorte do meu pai ao meu lado, eu consegui me desenvolver, pois ele me deu as velas que utlizava.
O que achou do Brasil?
O Brasil é o paraíso para a prática deste esporte. Quero voltar sempre. Minhas expectativas são grandes para ganhar mais um ano aqui.
BATE-BOLA
Mitu Monteiro, kitesurfista, ao L!
‘Lá em Cabo Verde, o kitesurfe é como religião. O nível é muito alto’
Como começou a de destacar no kitesurfe até levar o país ao topo?
Não tinha prancha, então usava a de surfe para velejar com o kite. Comecei a pegar ondas e saltar. Vi que era possível deixar a prancha grudada nos pés. Tem diversos atletas de várias partes do mundo que vão para lá treinar conosco. O nível por lá é muito alto. O kitesurfe é como uma religião.
Há apoio suficiente no país para se destacar como você fez?
As empresas deveriam investir mais nos atletas. Muitos são bons e querem representar o país fora, mas não conseguem, por ser caro. Trabalhei por seis meses para financiar minha primeira viagem.
Como é a vida em Cabo Verde?
Está se desenvolvendo muito. Quem veio há cinco anos e volta agora, fica com a boca aberta. Houve um tempo em que era difícil encontrar muitos produtos. Por serem ilhas, a conexão é complicada. Temos de importar comida. Somos um país pobre, mas rico ao mesmo tempo. A tranquilidade e a paz que temos lá são algo único. É muito bom de viver.