COB mantém chefias sem formação científica no Laboratório Olímpico
Projeto, que recebeu R$ 13 milhões em convênio de fomento à ciência e inovação, foi alvo de divergências entre pesquisadores e administradores. Salários estão acima do mercado
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A política de contratação e remuneração do Comitê Olímpico do Brasil (COB) é alvo de críticas de diversos cientistas que passaram pelo Laboratório Olímpico nos últimos anos, desde a origem do projeto.
Gerente da área, a ex-jogadora de basquete Jacqueline Godoy recebe R$ 19.904,00 por mês. Graduada em administração esportiva e educação física, com mestrado profissionalizante em Negócios no currículo e reconhecida pela competência em sua área de atuação, ela não tem nenhuma formação científica.
Os salários de todos os funcionários do setor são pagos com verbas provenientes da Lei Agnelo/Piva, que destina cerca de 1,7% da arrecadação bruta das loterias federais ao esporte.
Como comparação, o provento de professores com doutorado em universidades federais do país varia entre cerca de R$ 9 mil para adjuntos (com até oito anos de experiência); R$ 16,5 mil para associados (até 16 anos de experiência) e R$ 22 mil para titulares (que estão no topo da carreira, com mínimo de 16 anos em pesquisa).
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Há outros casos controversos de salários acima do mercado em áreas do Laboratório Olímpico. Formada em educação física, Carolina Bastos ganha R$ 12.697,00 como coordenadora de Esportes.
Ela entrou na entidade em abril de 2011, em funções administrativas, como planejamento e produção de eventos. Segundo informa em seu LinkedIn, a profissional passou para o cargo de analista, em 2015, e para o de coordenadora, em 2017.
Carolina também chefia atualmente o setor de tecnologia esportiva e é responsável por uma área chave na avaliação de desempenho e prevenção de lesões: a biomecânica. Mas, assim como Godoy, não tem especialização científica nem currículo na plataforma Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao qual o Laboratório se vinculou no momento da aprovação do projeto. Parte do financiamento da Finep, inclusive, foi destinada a bolsas de estudos.
Tanto Jacqueline quanto o diretor de Esportes do COB, Jorge Bichara, admitem que a relação com cientistas sofreu atritos no decorrer do tempo, em razão de divergências sobre a condução das atividades e as prioridades do Laboratório. Os episódios causaram mudanças no modo de gerenciar a estrutura.
– Uma das dificuldades que encontramos no ambiente científico, e eu acredito de fato na ciência do esporte, é lidarmos com um grupo que, muitas vezes, carrega um ego grande. Eu queria que ninguém se sobressaísse. Tive de baixar a bola de pesquisadores e demitir pessoas – afirmou Bichara.
Jacqueline avalia que o COB saiu de uma ciência “feita só na academia, para outra aplicada ao atleta de alto rendimento”, e defende os resultados de sua gestão, marcada pelo afastamento de cientistas especializados em suas áreas de conhecimento. Se antes cada uma tinha um próprio coordenador, hoje todas estão sob o comando da ex-armadora.
– A equipe é boa. Temos desafios, pois trabalhamos com doutores e mestres, pessoas extremamente acadêmicas, mas que, aos poucos, entenderam a importância de vestir tênis, bermuda e camiseta, e ir para o sol ficar junto com o atleta, porque é lá que teremos a informação precisa. Temos treinadores que utilizam demais a ciência do esporte e conseguem obter o dado necessário para mudar um gestual, uma planilha de treinos ou simplesmente tirar dúvidas – disse Godoy, durante uma visita do LANCE! ao Laboratório Olímpico, em outubro.
Apesar dos desentendimentos com idealizadores do projeto, os atuais gestores elogiam o modelo projetado para o Brasil.
– A grande sacada do pessoal lá atrás foi fazer deste Laboratório um equipamento que pudesse ser colocado ao lado da piscina, da quadra ou da pista de atletismo – completou Jacqueline.
Ex-funcionário fala em 'corporativismo brasileiro'
O LANCE! ouviu profissionais que tiveram ligação com o Laboratório ao longo da história para entender os rumos do projeto. Ex-supervisor de Esportes da área de performance esportiva do COB, Julio Noronha vê relação entre os problemas atuais e o que chamou de "corporativismo brasileiro". Ele foi desligado em 2016.
– O motivo alegado à época (para a demissão) foi redução de RH, mas o hábito no corporativismo brasileiro demonstra que, quando um CEO é desligado e assume um novo diretor, este realoca seus seguidores, no caso aqueles oriundos da massa falida da Rio-2016 – afirmou Noronha.
Ele trabalhou no COB entre outubro de 2008 até novembro de 2016, e participou da implementação do empreendimento, desde a aprovação junto à empresa financiadora até a entrega final do relatório à Coppetec. Foi demitido após mudanças na diretoria de Esportes, com a ascensão de Bichara no lugar de Marcus Vinícius Freire, prata em Los Angeles-1984 no vôlei.
Atualmente, Carlos Alberto Cavalheiro, que chefia o atletismo brasileiro, e o gerente Marcelo Freitas são os encarregados das funções que já foram de Julio.
– A ideia era ser o 'link' na demanda dos técnicos ou atletas, e acompanhar todas as etapas das avaliações das outras áreas. Na saída do laudo integrado, continuaria sendo a ponte desta entrega, realizando a aproximação com alguma área específica que o treinador desejasse se aprofundar – explicou Julio.
Biomecânico diz que houve subutilização de aparelhos
Pós-doutorando em Engenharia Biomédica pelo Programa de Engenharia Biomédica da COPPE, professor de pós-graduação e consultor de empresas de inovação tecnológica na área de Biomecânica de Esporte e Saúde, Pedro Sarmet trabalhou no Laboratório Olímpico entre março e junho de 2018, como autônomo. E confirma que a subutilização de equipamentos, assim como ocorre na bioquímica, era um problema na sua área.
Sarmet conta que foi encarregado de dar uso aos produtos adquiridos e de ensinar “o básico” da área para Carolina, que supervisionava os relatórios produzidos por ele. Ambos os assinavam.
– A subutilização dos equipamentos que estavam encaixotados havia três anos foi o principal motivo de minha contratação. Alguns dos meus deveres eram diagnosticar o que funcionava, fazer o que não funcionava ser utilizado, escrever um projeto para a produtividade acontecer e ensinar o básico da biomecânica para quem, remanejada do setor de eventos do COB, era provisoriamente responsável pelas avaliações na área – disse Sarmet.
O cientista recebeu três pagamentos por seus serviços, que totalizaram R$ 10.971,50, menos de um salário atual de Carolina. Durante a passagem do biomecânico, ela foi promovida a coordenadora e passou a ditar as ordens.
Um dos trabalhos de Pedro no COB foi a programação de um algoritmo que processa os dados coletados, como a força e a potência de um atleta, medidos em uma plataforma, e gerar as curvas e valores que fazem sentido para o mundo real, com objetivo de definir o melhor treinamento.
Insatisfeito com as condições de trabalho, a falta de perspectivas e o fato de ser subordinado a alguém que não tinha especialização em biomecânica, ele deixou o Laboratório.
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