Figurar no top4 do ranking mundial parecia, até pouco tempo atrás, missão improvável para um ciclista brasileiro. Até Henrique Avancini conseguir, neste mês, a façanha no Cross-Country Olímpico, do mountain bike.
Aos 29 anos, o fluminense de Petrópolis, que largou o Direito e a vida no Brasil para se juntar aos melhores do mundo na Europa, vive o auge da carreira nas pistas. No último domingo, obteve a melhor marca de um atleta do país na Copa do Mundo, ao terminar em sexto, a 48 segundos do pódio. No ano passado, foi quarto colocado no Campeonato Mundial, em Cairns (AUS).
O ranking mostra o tamanho do feito de Avancini. Dos oito melhores, ele é o único não-europeu. Ao LANCE!, o atleta falou sobre metas e perspectivas olímpicas, e disse não se preocupar com o rótulo de melhor brasileiro do esporte na história.
Você já é considerado o maior ciclista profissional da história do país. O que pensa sobre isso?
Muita gente fala isso. E, o fato de falarem contemporaneamente à carreira do atleta, acho que é um bom sinal, já que, geralmente, os brasileiros são saudosistas. Mas não me julgo o melhor ciclista. Quebrei muitas barreiras e espero quebrar outras, mas esse rótulo não é o meu objetivo. Quero que outros atletas venham, em breve, e me superem. Quero mostrar que é viável, sim, construir uma carreira, sair de um nível intermediário e ir para o nível top, e se aproximar dos melhores do mundo. É o maior legado que eu posso deixar como atleta nas pistas.
Hoje, você é o quarto colocado no ranking. Quando percebeu que brigaria com os melhores? A liderança é uma meta?
O ranking mundial tem um valor simbólico muito profundo para mim, principalmente de onde eu vim e como foi a minha trajetória. Eu venho crescendo muito, ano a ano. Sou um dos poucos caras, talvez o único na atualidade, que esteja andando junto com os grandes nomes da modalidade, e que não era um grande nome na categoria júnior ou na 23. A minha curva de ascensão foi muito mais íngreme do que a de qualquer um. Quando você vê os top 10 da Copa do Mundo ou do ranking mundial, são atletas que já demonstraram que seriam bons na elite desde que eram mais jovens. E isso não aconteceu comigo. Chegar ao top 5 do mundo é algo muito especial para mim, como atleta, pois representa muitas coisas que eu fiz nos bastidores. Muitas vezes, isso estava distante. Mas eu trabalhava e seguia acreditando.
O mountain bike parece viver um momento de maior brilho, justamente numa época em que o esporte olímpico no país está em baixa, com menos investimento. Como explica esse cenário?
Mountain Bike é uma das poucas modalidades que não dependem do movimento olímpico exclusivamente. Apesar de o esporte sofrer uma baixa no Brasil, temos uma boa indústria, uma mídia especializada e fazemos um bom trabalho. Isso é reflexo do quanto nós, atletas, organizadores e montadoras trabalhamos. Criamos no Brasil um ambiente profissional, que vai além do esporte. Apesar de eu e a Raíza (Gulão, principal nome do país no feminino) não competirmos em equipes brasileiras, nós acabamos impactando as possibilidades dos atletas do país. Isso influenciou muito no investimento das marcas. É o efeito positivo maior. Quando você consegue sair de uma modalidade simplesmente esportiva para se tornar também um estilo de vida. Por isso, não dependemos exclusivamente de investimentos externos. O esporte consegue se autossustentar. Ainda estamos engatinhando no processo, mas o vejo com bons olhos e fico feliz de termos alcançado esse nível.
Como tem sido a sua preparação neste ano? Na Rio-2016, você ficou em 23. Você foca na busca pela classificação olímpica?
Eu acredito que 2018 tem tudo para ser a minha melhor temporada na carreira, pela maneira como eu venho me preparando. Acredito que ainda tenho uma margem de melhora e consiga ir melhor no segundo semestre, que é o meu objetivo. Eu busco, em 2018, alcançar a consistência. Terminar 2017 no top 5 no ranking geral e ser quarto no Mundial, principal prova do ano, foi muito positivo, mas eu quero ter condições de ser mais consistente. Sempre ficar em torno do top 10, eventualmente, encaixando bons resultados nos tops 5 e 3. Tenho projetos paralelos, uma equipe de alto rendimento no Brasil, uns projetos sociais e um programa no “Canal OFF”. São algumas ocupações paralelas. Algo que me deixa bastante realizado profissionalmente, porque venho fazendo coisas boas para a cultura da bike no país. O contrato com a minha equipe é até 2020. Isso me dá uma garantia e uma tranquilidade muito boa para trabalhar. Ter três temporadas com a mesma equipe, para um atleta desta modalidade, é realmente raro. Eu tenho como grande objetivo os Jogos Olímpicos, mas não coloco como único. Sempre ficamos presos às questões do esporte no país. Se for feito um trabalho razoável, se eu tiver uma meta que deva ser alcançada e os critérios forem claros, com certeza vou trabalhar muito. Estou mostrando o que posso fazer pela modalidade, não só dentro das pistas, e se isso for valorizado e reconhecido, colocarei todas as minhas fichas em Tóquio-2020.
Atualmente, como está a sua carreira em termos de investimento e estrutura?
Corro pela Cannondale Factory Racing, ao lado de outros dois atletas na elite. É uma equipe bem estruturada, de uma grande marca. Hoje, não tenho as preocupações que tive no passado. Foi muito difícil a jornada para integrar uma equipe desse porte, sobretudo quanto ao conhecimento. Exige mais do que ser um atleta de alto rendimento. Você precisa ser um bom atleta profissional. Tudo o que envolve as atividades fora das competições requer muito do piloto. Foi um processo desgastante e longo. Hoje, consigo ter boas condições e estabilidade, pelo meno,s até 2020. Isso é uma das maiores realizações.
Quais são suas maiores metas na carreira e que competições ainda gostaria de disputar?
Ainda espero consolidar meu nível no top 5 do ranking mundial. Ainda não estive presente no pódio da Copa do Mundo Já fiz a maioria das provas muito bem, mas ainda estou jovem e quero competir grandes eventos. Não foco em eventos específicos, mas tenho uma meta clara do que quero conquistar nas pistas, de como quero competir até o fim da carreira e hoje me vejo muito bem neste caminho.
Você chegou a cursar Direito, não foi? Ainda tem interesse pelo assunto? Pensa em voltar um dia?
Eu tranquei a faculdade de Direito para morar no exterior em 2009, quando passei três anos na Itália. Foi uma experiência difícil, pois arrisquei muita coisa para tentar aprender sobre o mountain bike profissional. Tenho muito interesse em direito ambiental e o que conseguiria fazer como formado, talvez, eu consiga fazer por meio do esporte, com minha exposição. Tenho as mesmas paixões e princípios de antes, mas em caminhos diferentes. Mas não me vejo voltando à sala de aula em um futuro breve para dar continuidade a um curso.
Quem são suas inspirações no esporte, seja no ciclismo ou em outras modalidades?
Tive e tenho muitas pessoas que me inspiraram e auxiliaram, em diferentes áreas e momentos. O que valorizo são as pessoas que se colocam fora do egocentrismo, trabalham por um propósito maior. É o tipo de atitude que sempre me motiva. Hoje, é saber que o pouco que faço pode impactar a vida das pessoas.
QUEM É ELE
Nome
Henrique da Silva Avancini
Nascimento
30/3/1989, em Petrópolis (RJ)
Altura e peso
1,77m/67kg
Na carreira
Quarto colocado no Mundial de Cairns (AUS), em 2017; campeão Pan-Americano de MTB em 2015, ouro nos Jogos Sul-Americanos de Santiago, em 2015, campeão da etapa de Munsingen da Bundesliga, em 2013, tricampeão brasileiro na elite (2016, 2015 e 2013).