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‘O foco era sobreviver’, conta ciclista brasileira que atravessou os EUA

Brasileira celebra o bicampeonato da RAAM, a ultramaratona de ciclismo mais dura do mundo, lembra dificuldades que enfrentou na prova e conta como se vira sem patrocínio

Daniela Genovesi
imagem cameraDaniela Genovesi celebra a conquista da Race Across America (Foto: VIVIAN CAMHI/Divulgação)
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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 29/06/2019
19:23
Atualizado em 30/06/2019
16:13

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Bicampeã da Race Across America (RAAM), considerada a ultramaratona de ciclismo mais desafiadora do mundo, a brasileira Daniela Genovesi ainda tenta entender o tamanho do feito que obteve no último domingo.

Além de se sagrar campeã na disputa solo feminina de uma prova que atravessa os Estados Unidos de Oeste a Leste (San Diego a Annapolis), após 10 dias, 17 horas e 59 minutos, com 4.861km de extensão e 53.000m acumulados de subida, ela bateu o recorde tanto da categoria geral das mulheres como na competição entre atletas entre 50 e 59 anos, e chegou em quinto geral (homens e mulheres). Feitos que nenhum brasileiro ou brasileira jamais conquistou.

Com a marca conquistada, Daniela superou o seu próprio tempo em 2009, quando conquistou a Race Across America pela primeira vez. Na ocasião, a brasileira cruzou a linha de chegada em 11 dias e 17 horas.

Ela também bateu o recorde de velocidade média de sua categoria, com 19,1 km/h; superando a americana Seana Hogan, que estabeleceu o tempo de 16,6 km/h em 2018.

Ao LANCE!, a ciclista, que também é empresária e professora de Educação Física, falou sobre os desafios que enfrentou, como as dores de estômago, calor e frio extremos, cansaço e lesões, e as estratégias que utilizou para chegar ao resultado mesmo sem patrocínio.

O que essa conquista da RAAM teve de diferente da de 2009? Qual foi a mais marcante e por que?
Essa conquista foi muito especial. A de 2009 foi mágica, por ter sido minha primeira participação em uma ultra importante e consegui não só completar no tempo oficial (desde 2005 que nenhuma mulher completava a prova), mas vencer. Foi meu melhor momento da carreira. Mas agora em 2019 foi toda em oção, alegria de 10 anos atrás super temperada. Consegui melhorar meu tempo em quase 24 horas e venci uma edição considerada a mais disputada de todas as edições. Eram oito competidoras, sendo que quatro campeãs e apenas três estreantes. Esta edição foi como uma Copa do Mundo para o futebol. Ela ficará mais marcada pela disputa e pelos resultados que obtive. A ficha ainda não caiu. Só sei que estou muito muito feliz com meus resultados. E fiquei tão feliz que, pela primeira vez na minha vida, fui para um exame anti doping.

Quais foram os momentos mais delicados desta prova?
O mais delicado foi na primeira madrugada, com menos de 24 horas de prova. Eu passei mal do estômago e vomitei horrores! Isso é a morte em uma ultramaratona. Abandonei provas passadas justamente por vomitar e não conseguir me hidratar e comer. Fiquei em pânico! Precisei de muita concentração, foco e respiração para acalmar estômago, voltar a me hidratar e conseguir comer novamente. Isso demorou umas 30 horas. Neste momento, eu devia estar em último lugar. Na colocação eu nem pensava. O foco era sobreviver, fortalecer o que conseguisse para vencer o Colorado e suas grandes montanhas. Neste ano tivemos de tudo: calor infernal no Arizona (as marcações apontaram 56,7ºC) , frio com temperaturas negativas no Colorado , tempestades e rios transbordando. Imprevistos são normais em ultramaratonas. O que foi atípico mesmo foi a disputa acirrada pela liderança no feminino.

O que pretende fazer agora, quais os próximos objetivos?
Colocar a vida em ordem. Trabalho, família... tudo ficou meio de lado nestes últimos meses de preparação. Quanto à competição, é analisar o Circuito Mundial e ver quais chances tenho e qual caminho seguir. O momento é de recuperação e planejamento para o segundo semestre. A prioridade é minha plena recuperação. No meio da RAAM, senti dor aguda na minha coxa esquerda, o que me impedia de pedalar forte muitas vezes. Segui até o final na base de analgésicos. O resultado final foi uma ruptura parcial da porção distal do quadríceps. Agora, terei alguns dias de repouso e fisioterapia daqui a duas semanas. Mas estou no lucro! Tirando o sono incontrolável destes dias, estou ótima (risos).

O que essa conquista resultou na temporada? Está confiante do título do Circuito Mundial de ultramaratonas?
Na temporada, esta foi a etapa mais importante do Circuito. Do quarto título mundial devo estar bem perto. Eu não estava prestando muito atenção nisso até passar a RAAM. Mas acredito que esteja bem posicionada pois venci Sebring e venci esta agora. Ainda falta uma prova de 12 horas para estar mais competitiva.

Como tem sido disputar provas deste nível num esporte que não é tão divulgado no Brasil, embora muito praticado? Você tem consigo patrocínios?
Uma ginástica eterna! Não tenho patrocínio. Quem me patrocina e viabiliza minhas participações são meus amigos e meus alunos. Criei ações para arrecadar dinheiro que precisava. Lancei meu livro e não tive custo com a produção, pois meu primo tem editora e gráfica e me presenteou. Toda venda foi revertida para os custos da RAAM. E assim foi. Um livro vendido aqui, uma camisa da equipe vendida ali, os alunos se cotizando e meu cartão de crédito estourando. Larguei. Não me faltou nada. Sofria e pensava na ajuda de cada amigo, cada aluno. Isso me fazia a ir mais e mais. Venci. Mas é muito triste a falta de apoio que temos . Sou muito foçada com meus objetivos. Quando pego algum desafio, sou 100% ele. Não temos estradas seguras para treinar, não temos ajuda de nenhuma federação e muito menos de governo. Treino no risco. Treinei muito indoor, que não era ideal, por conta da segurança. Procuro reverter todas essas dificuldades em algo positivo lá na frente para mim. Toda essa dificuldade me fortalece. Espero que com minhas vitórias esse esporte seja difundido, nem que em ritmo de tartaruga, mas que toque em uma criança ou em uma dona de casa a vontade de subir numa bike e sair por aí pedalando.

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