A pouco mais de um ano da abertura dos Jogos de Tóquio um novo escândalo abala o mundo olímpico. Dessa vez, o jornal francês "Le Monde" denuncia que o comitê organizador está sendo investigado pelo Ministério Público da França por ter pago mais de dois milhões de dólares em propinas para garantir a escolha da capital japonesa com o sede da Olimpíada de 2020.
Denúncias desse tipo estão longe se ser uma novidade. Ainda no final da década de 1990, depois da questionada indicação de Atlanta, nos EUA, para os Jogos de 1996, o Comitê Olímpico Internacional estabeleceu novos critérios, criou normas de conduta na tentativa de moralizar de vez processo de escolha e resgatar os valores atropelados por cidades candidatas e pelos países eleitores.
Foi em vão. O que se vê agora em relação aos jogos de Tóquio foi o mesmo que se viu em relação aos Jogos do Rio: uma investigação do mesmo MP francês, em parceria com autoridades brasileiras, apontou a prática de suborno e compra de votos para viabilizar a realização de Rio-2016. O caso chegou a levar à prisão o ex-presidente do COB, Carlos Arthur Nuzmam, e transformou-se em mais um das dezenas de processos a que respondem o ex-governador do Rio, Sergio Cabral e sua trupe.
Como se vê, nem a ética e os princípios de idoneidade sempre atrelados à postura dos japoneses na trato da coisa pública resistiram à tentação olímpica. A denúncia do "Le Monde" aliás não é a primeira a manchar os jogos de Tóquio antes que a tocha seja acesa. O comitê organizador enfrenta pressões internas por já ter estourado o orçamento dos jogos. Uma situação pela qual passaram Pequim, Londres – que até se gaba de ter devolvido dinheiro, mas após um expressivo reforço de verbas – e Rio. Sem falar que Atenas, na Grécia, até hoje se debate em dividas e sofre as consequências da gastança com os jogos de 2004.
Ainda que se considere verdadeiros os esforços do COI para impedir falcatruas – não foram poucos ao longo do tempo os dirigentes banidos do esporte pelo envolvimento em suborno e outros delitos – o problema não está na eleição das sedes. Mas, antes disso, nos motivos que movem as candidaturas e nos interesses financeiros – os legítimos e os escusos – que eventos gigantescos como uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo carregam embutidos muito além dos ideias esportivos, da festa que representam e do orgulho que despertam nos países organizadores.
Esse gigantismo, que faz a farra de governantes e cartolas corruptos, empreiteiros e empresários inescrupulosos e financistas aproveitadores é o que alimenta a roda da corrupção e deve ser combatido pelo COI – assim como pela Fifa. Este será o único jeito de por ordem na casa. Boa parte das instalações olímpicas, por exemplo, deveria funcionar como um circo, com estruturas desmontáveis que garantissem as melhores condições de competição e o conforto do público, mas, bancadas pelo próprio COI, pudessem passar de país a país economizando custos e estancando o vazadouro de verbas que são as construções faraônicas de hoje em dia, quase sempre inúteis após 15 dias de uso.
O espírito olímpico , mais uma vez, sai abalado de um processo eleitoral. O Barão de Coubertin certamente rola no túmulo de quatro em quatro anos ao ver de onde estiver, o mar de lama que afoga sua criação. É provável que as investigações francesas sobre Tóquio levem ao afastamento de mais um número de cartolas, acabe na prisão de membros do comitê organizador japonês. É possível até que depois de mais esse escândalo o COI faça mais uma tentativa de mudança de regras em suas eleições. Será como enxugar o gelo se toda a estrutura e as exigências para quem quer sediar uma olimpíada não forem antes disso revistas.