Todo torcedor do Santos já se perguntou, pelo menos uma vez, como seria o destino do clube caso o árbitro Márcio Rezende de Freitas não anulasse erroneamente o segundo gol do Peixe na final do Campeonato Brasileiro de 1995, contra o Botafogo, no estádio do Pacaembu. Porém, nenhum deles deve fazer tanto essa pergunta do que Marcelo Fernando Domingues Rezende, o Camanducaia, autor do feito.
A partida que concedeu o título nacional daquele ano ao time de General Severiano será reexibida para boa parte do Brasil neste domingo, às 16h, pela TV Globo. E quase 20 anos depois, o LANCE! conversou exclusivamente que o personagem que teve o seu destino mais modificado com o ocorrido.
Sua visão no gol
Após a derrota por 2 a 1 no jogo de ida, no estádio do Maracanã, três dias antes do confronto decisivo, o Peixe entrou em campo precisando reverter o resultado, o que não era problema, vide que nas semifinais o Alvinegro Praiano alterou um quadro adverso de 3 a 0 contra o Fluminense, no jogo de ida, e aplicou 5 a 2 no Tricolor Carioca no confronto de volta
O time paulista tinha a vantagem do empate no placar agregado, por ter firmado melhor campanha nas fases iniciais, mas saiu atrás do marcador, com gol de Túlio, para o Botafogo, aos 24 minutos do primeiro tempo, obrigando a equipe santista fazer dois gols, em vez de um, no segundo tempo para ser campeã. O atacante botafoguense, no entanto, estava em posição irregular e o gol foi mal validado, sendo o primeiro dos três grandes erros capitais do árbitro mineiro, Márcio Rezende de Freitas, naquele jogo.
O Peixe foi ao vestiário atrás do marcador, mas empatou a decisão logo aos dois minutos da etapa final, com Marcelo Passos, em uma jogada que iniciou com o lateral-direito do Santos, Marquinhos Capixaba, ter ajeitado a bola com a mão, após dividida com Gonçalves, do Botafogo. Segundo grande erro daquela arbitragem.
Mas, o momento que realmente poderia ter mudado toda a história, não só daquela final, mas dos clubes e atletas envolvidos, foi aos 34 minutos do segundo tempo, quando Marcelo Passos cobrou falta e Camanducaia, o amuleto santista daquele Campeonato Brasileiro, mas que atuou como titular naquela decisão, completou, em posição legal, para o fundo do gol. O bandeira Evaristo de Souza confirmou o gol, mas Márcio Rezende assumiu para o si o impedimento inexistente.
– Foi uma falta do lado esquerdo, mais ou menos no bico da área, e quem cobrava essa falta era o Marcelo Passos. Era uma falta até treinada, porque o Marcelo Passos era um jogador que bate bem na bola e eu sabia que ele bateria entre a pequena área e o primeiro pau. Então, quando ele saiu para batida da bola eu acabei antecipando o Leandro, que era o volante do Botafogo, e fazendo o gol. Eu vi que tinha saído de trás, porque o Marcelo Passos tinha batido rápido aquela bola – disse.
– Saí para comemorar, infelizmente escutei o apito, aí fomos para cima do Márcio Rezende, para saber o que ele deu, ele disse que deu impedimento e nós falamos para ele olhar para o bandeira, porque ele tinha dado o gol, estava com a bandeira abaixada. Mas ele disse que a responsabilidade do impedimento era dele e ele acabou anulando o gol – completou
E se…
Para Camanducaia, embora feliz com a sua carreira como jogador, que se encerrou em 2011, e reconhecido como um grande nome da história santista, a sua trajetória poderia ter ido muito além, caso o seu gol em 95 fosse confirmado.
– Eu comparo com o Viola, no Corinthians, que estava subindo da base para o profissional e acabou fazendo aquele gol na final contra o Guarani e depois foi para a Seleção Brasileira, Europa. Eu creio que talvez a minha trajetória poderia ter sido essa, porque eu tinha 20 anos na época, estava voando, muito bem, decidindo partidas, ajudando o Santos, como foi contra o Fluminense, naquela virada por 5 a 2, ainda mais fazendo o gol do título, que era o principal – afirmou.
A geração de 1995 do Peixe fez com que o torcedor santista, ressabiado com o clube pelos 11 anos sem títulos à época, voltasse a acreditar no time. Sete anos depois, em 2002, o Santos finalmente conquistou o Brasileirão. Mas, para Camanducaia, uma eventual conquista em 95 não diminuiria a importância das gerações posteriores de Meninos da Vila, como as de Robinho e Neymar.
– O elenco iria se fortalecer com o título, porque iria ali ajudou a regatar os torcedores santistas. O Santos não foi campeão, mas, com certeza, marcou o ano de 95. E depois foi campeão do Rio-SP, Conmebol e depois veio uma geração de Robinho e Diego, que deu muitas alegrias ao Santos, depois Neymar. Então, pode ter certeza, que o Santos, independentemente de ser campeão ou não continuará realizando um excelente trabalho na base e revelando jogadores – pontuou.
Reencontro com o “vilão”
Após o apito final de Márcio Rezende de Freitas, naquele 17 de dezembro de 1995, que sagrou o Botafogo campeão brasileiro sobre o Santos, Camanducaia lembrou de um papo com o árbitro antes do início do jogo.
– A saída (de bola) foi nossa, eu estava no centro para ir pro jogo e ele veio até mim perguntar se eu era parente dele, porque eu tenho Rezende no meu nome também, é Marcelo Fernando Domingues Rezende. Aí eu dei risada e nós demos a saída de bola para começar o jogo. A vontade minha depois era ter chegado nele e falado que belo parente ele é meu – disse.
Em 2007 veio o reencontro no Aeroporto de Confins, em Minas Gerais, quando Camanducaia jogava pelo Ipatinga e viajaria para a Pernambuco, onde o time enfrentaria o Náutico pelo Campeonato Brasileiro daquele ano.
A caminho do embarque, o ex-atacante, avistou Márcio Rezende de Freitas, já aposentado do apito e atuando como comentarista da TV Globo de Minas Gerais, ao lado do comentarista da emissora, Bob Faria.
– Tava vindo eu, o Ney Franco, que era o técnico do Ipatinga, e o Itair Machado, que era o presidente do Ipatinga e quando eu já o vi meio de longe, ele me viu e estalou o olho. Chegando próximo dele, ele falou pro Bob Faria que dois caras nesse mundo que odiavam ele era o Milton Neves e eu. Eu só olhei pra ele e disse pra ficar em paz, porque que ódio, raiva, mágoa não são de Deus – disse
Contudo, o ex-atacante do Peixe incrementaria o seu discurso, caso o encontro com ex-árbitro acontecesse nos dias atuais.
– Eu falaria que se tivesse a tecnologia que está entrando no futebol, que é o VAR, com certeza não teria como ele errar tanto como errou naquela final. Tendo o VAR, com certeza o Santos seria campeão – acrescentou.
Camanducaia foi emprestado pelo Santos em 1996 para Portuguesa Santista e, posteriormente para Bahia e Guarani. Também defendeu Bahia, Guarani, Santa Cruz, Paulista de Jundiaí, Marília, Ceará, 15 de Campo Bom, Ipatinga, Uberaba, Grêmio Osasco, Baniyas, dos Emirados Árabes e Santo André, onde encerrou a carreira com 36 anos. Aos 45 anos é proprietário de uma pousada em Monte Verde e uma quadra de futebol society em Camanducaia, ambas as cidades localizadas no Estado de Minas Gerais.
* Sob supervisão de Vinícius Perazzini