Entenda como Cuca transformou o elenco do Santos em ‘uma grande família’

Apontado como candidato ao rebaixamento em agosto, o Peixe está a uma vitória da final da Copa Libertadores graças ao sentimento de união entre os jogadores

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Quarta-feira, 6 de janeiro de 2021, 19 horas. Os jogadores do Santos estão no vestiário do mítico estádio La Bombonera, na Argentina, pouco antes de entrarem em campo para a primeira partida das semifinais da Copa Libertadores da América diante do Boca Juniors. Capitão e um dos jogadores mais experientes do elenco, o volante Alison comanda o papo, em um discurso que viralizou entre os torcedores.

- Não importa onde a gente está e contra quem a gente vai jogar, o que importa é quem a gente é. A gente só está onde a gente está porque a gente não ligou quando quiseram colocar a gente embaixo da tabela, quando falaram que a gente não ia classificar. A gente não ligou pra isso. A gente só foi o que a gente é, e o que a gente é? Vencedor! Somos é família. Somos é humilde. Porque quando precisa correr, a gente corre. Quando precisa brigar, a gente briga. E não pipoca para ninguém", disparou o jogador.

"Somos é família". A frase pode soar piegas e um lugar comum em clubes de futebol, mas o Santos só superou todas as inúmeras dificuldades na temporada e está a dois jogos do título da Copa Libertadores porque formou um grande família. E isso aconteceu graças ao trabalho do técnico Cuca.

O treinador foi apresentado no dia 7 de agosto de 2020, pouco mais de uma semana após o Santos ser eliminado pela Ponte Preta nas quartas de final do Campeonato Paulista. O cenário era o pior possível. Jogadores estavam sem confiança, com salários atrasados, o clube sem dinheiro e proibido de contratar por dívidas na Fifa.

Cuca, então, começou a aproximar os atletas e a deixar o ambiente mais leve. O DIÁRIO ouviu relatos de que a comissão técnica de Jesualdo Ferreira tinha uma linha de trabalho muito séria. Não se via no CT Rei Pelé muitas brincadeiras, sorrisos nos rostos dos jogadores, não tinha muita conversa entre eles após as atividades e... não tinha Serginho Chulapa. O irreverente ex-atacante e auxiliar fixo estava afastado do CT desde a chegada da comissão técnica portuguesa, mas voltou no primeiro dia de trabalho de Cuca.

 - Chulapa é um ídolo. Se a gente não cuidar desses caras aí... Pelo amor de Deus. Não só o Santos. É um pedido que eu faço para todos os clubes. Eu chego a arrepiar. A gente vai ficando velho e vai ficando mais sensível. Hoje apresentei o Chulapa para o grupo e todo mundo morreu de rir. Ele vai nos ajudar muito aqui - afirmou Cuca, em sua primeira coletiva virtual.

Desde o primeiro treino, Cuca deixou claro que o ambiente seria diferente. As atividades começavam com a "ciranda, cirandinha", com os jogadores em círculo com as mãos dadas. Mas essa é apenas uma das brincadeiras do técnico com o elenco. Cuca está sempre próximo dos jogadores. Não são raras as vezes em que ele é visto conversando reservadamente com algum atleta. O tom quase sempre é o mesmo, uma conversa de pai para filho.

- O Cuca é um pai para mim. Depois que ele chegou no Santos, virou praticamente nosso presidente. Ele entrou, mudou tudo, ajeitou a casa. Temos tanta dificuldade. O clube sem dinheiro, sem contratar. A gente sem receber. O Cuca mudou muita coisa. Eu não gosto de me meter muito em política, não seria a pessoa certa para falar, mas é como falei: ele (Cuca) é o nosso presidente. Tinha muita coisa errada que não conseguíamos resolver. Todo mundo esperava pelo menos alguém vir falar para a gente", afirmou Marinho, em entrevista ao programa Bem Amigos.

O "presidente'' Cuca foi fundamental ainda em agosto, quando ele entrou em ação para ajudar nas disputas do clube com o goleiro Everson e o atacante Eduardo Sasha. Ambos foram negociados com o Atlético-MG e o valor recebido pelo Santos foi usado para pagar parte dos atrasados ao elenco.

Sério para resolver os problemas fora de campo, brincalhão dentro dele. Após a estreia do zagueiro Derick na vitória por 3 a 1 sobre o Atlético-MG, o técnico teve uma conversa com os Meninos da Vila antes do treino, brincou com o defensor sobre o frio na barriga pelo primeiro jogo e com o zagueiro Wagner Leonardo, que também entrou na partida e teve a atenção chamada pelos companheiros.

- Teve uma (bola) que eu antecipei, toquei no Marinho e fui para a área, mas alguém gritou - Volta, Palha - contou Wagner Leonardo, aos risos.

 - Ah, você queria ir para o ataque? Tava facinho o jogo, né?", brincou Cuca, arrancando gargalhadas dos garotos (veja a conversa no vídeo abaixo).

As críticas ao elenco do Santos também serviram de combustível para o trabalho de Cuca no Santos e para reforçar o sentimento familiar entre os jogadores.

 - Eu vim de carro para cá, não dirigindo, e vi uma pesquisa que teve em relação aos elencos. Onde cada elenco pode chegar de acordo com a avaliação de alguns especialistas. E o Santos está em 12º lugar. Então, para mim é desafio. Imagina chegar em primeiro? Eu vou trabalhar para isso. Isso é uma análise feita em cima de números. Essas coisas têm de servir como motivação. Não ficar bravo - afirmou o treinador ainda em sua apresentação.

Antes do primeiro jogo contra o Grêmio, nas quartas de final da Libertadores, Cuca espalhou pelo vestiário do Estádio Olímpico diversos recortes de jornais e sites com avaliação de que o Santos era a zebra no confronto. O Peixe foi melhor que o time gaúcho nos dois jogos e coroou a classificação com um vitória maiúscula por 4 a 1 na Vila Belmiro. Após o jogo, o uruguaio Carlos Sánchez, que está fora da competição por estar em recuperação de uma cirurgia no joelho, publicou nos stories do Instagram supostas frases de comentaristas menosprezando a equipe do Santos no duelo contra o Grêmio e pediu respeito ao clube.

Contra o Boca, a história se repetiu:

- Deram 4% de chance da gente passar, 4% é muito pra gente. Quando a gente saiu de casa e deixou nossa família lá para correr atrás do nosso sonho, a gente não tinha 4% de chegar aqui, tínhamos bem menos e hoje vocês estão dando a oportunidade na nossa mão, para os cara tirar eles vão ter que suar sangue. Vamos chegar lá e ser família - gritou Alison no já citado discurso no vestiário da Bombonera.

Depois da vitória no clássico contra o São Paulo no último domingo, tanto o técnico Cuca quanto o volante Jobson  lembraram dessa família Santos.

- Estão de parabéns pela partida. Hoje, a gente ganha opções para o elenco. Tem que falar de Jean Mota, Alex, Balieiro, Laércio, Madson. Viram opções. O banco hoje, repleto de titulares, incentivando, mostra a união desse grupo - comentou Cuca.

- Quem fala que não temos elenco é imprensa e programas de futebol. Aqui não temos muitos consagrados. Alguns jogadores com história como Pará e Sánchez, outros muitos novos que buscam espaço no mundo da bola. Às vezes é melhor ter um elenco onde todo mundo corre junto, se ajuda, do que cheio de estrelas e às vezes não dá liga. Quando nos juntamos, podemos bater de frente com qualquer time - destacou Jobson.

A família Santos busca uma vaga na final da Copa Libertadores da América nesta quarta-feira, 19h15, na Vila Belmiro. O Peixe precisa vencer o Boca Juniors para avançar. Os argentinos passam com vitória, ou empate com gols. Outro 0 a 0 leva a decisão para os pênaltis.

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