Marco Aurélio Cunha não acredita na queda do São Paulo para a Série B, até já se irritou com perguntas sobre o assunto, mas quer ser o responsável se acontecer o pior: o rebaixamento. Foi isso o que ele disse em entrevista exclusiva ao LANCE! concedida no CT da Barra Funda, de onde tenta tirar o clube de uma situação difícil. No bate-papo de mais de uma hora, o dirigente que completou ontem um mês de trabalho revelou a mensagem de Lugano que o fez voltar, criticou a formação do elenco atual, admitiu que o grupo ainda falha em termos de ambiente e bateu forte nos rumos que a instituição tomou nos últimos anos.
– O São Paulo ficou impessoal, distante, arrogante!
Por que voltou?
Porque entendi que era o momento de ajudar o clube. Não podia virar as costas para quem confia em mim. Se eu fosse covarde, não viria. Vim sabendo do risco, da responsabilidade, do compromisso que tenho com o clube. Tenho obrigações de estar no clube. Mesmo nos momentos piores, é muito melhor eu estar aqui do que outro. Porque talvez eu tenha o lastro de mudar isso ou na pior das hipóteses, segurar isso.
O que pode fazer para mudar?
Temos de analisar muito bem os jogadores, o grupo feito para esse ano. E a partir daí começar os planos para 2017. Isso não significa que não estamos planejando. Mas como o momento é de buscar pontos, vitórias, isso tem a prioridade. Óbvio que o clube tem dificuldades de contratações caras, mas hoje tem crédito, credibilidade com o mercado. Com boa observação, podemos trazer jogadores bons. Ao mesmo tempo temos uma base excepcional, basta que se dê oportunidades ao seu tempo.
Por que ainda não dá para garantir o Ricardo Gomes para o ano que vem?
O futebol é absolutamente dependente de uma avaliação final, dos resultados. Vale para qualquer setor. É bobagem, porque tudo que vocês da mídia querem é uma colocação definitiva, porque se amanhã mudar de ideia, vão bater dizendo que voltou atrás, ou que dirigente não tem firmeza. Eu mesmo não sei se estarei aqui. Torço para que ele possa ficar, porque é muito bom treinador, corretíssimo, mas precisamos que os resultados o ajudem, porque cria um clima favorável para que fique. Essa coisa de bancar é hipócrita.
Qual avaliação do trabalho dele até o momento?
Está fazendo o máximo que pode. Já vi a equipe tendo dificuldades. Estatisticamente está numa média abaixo do que o time precisa, mas as circunstâncias que ele pegou o time foram ruins, não é fácil melhorar isso a curto prazo. Paulo Autuori é mau técnico? Está fazendo um ótimo trabalho no Atlético-PR. Chegou aqui em 2013, pegou um grupo com problemas, uma viagem para o exterior, cansativa, e foi demitido. Mudou alguma coisa para o São Paulo a demissão? Nada.
O fato de o Ricardo Gomes e até você terem chegado com a situação em andamento denota falha de planejamento?
A saída de jogadores como Calleri, Ganso, Alan Kardec, Rogério, Centurión.. E tem circunstâncias. O Ganso queria ir embora. As coisas não deram muito certo. Não é erro de planejamento. E não dando certo, o comprometimento do planejamento é notório. Esse caminho não é bom, mas foi o que aconteceu. Ao mesmo tempo a defesa ficou boa. Conseguiram consertar algo que o São Paulo não tinha há muito tempo. Só que aí cobriu o pé e a cabeça ficou de fora.
São Paulo então vai focar em jogadores de frente.
Sim, mas tenho Luiz Araújo, David Neres, Pedro, Lucas Fernandes. Mas todos vão dar certo? Não. Está planejando isso? Não. Estou pensando para que dois deem certo e dois fiquem no banco para que possam jogar. É uma linha de aposta.
Depois desse período, já sabe o que aconteceu para o clube está nessa situação ruim?
Erros sucessivos de análise de desempenho de jogadores. Primeiro contratou muito sujeito famoso, midiático, se preocupando com a parte ofensiva. Em 2014 foi assim. Antes, em 2010 até 2014, também contratou sem muito eficiência. E aí vai pagando acumulativo. Chega uma hora que os títulos não vêm, a intolerância passa a ser frequente. E aí acumula, acontece nos outros clubes. É do futebol. Você não pode aceitar passivamente.
E sobre o ambiente, tem feito o quê para melhorar?
A presença dos estrangeiros é boa pela troca de experiência. Eles vêm com muitas coisas boas. Por outro lado, há uma dissociação, óbvio. Porque eles têm uma cultura diferente. Isso eu vivi no Japão. Muita gente tem seu jeito de ser. Tem o pessoal da base. O mais antigo e o que tem mais afinidade. Tem de pegar tudo isso e fazer um corpo. Não é fácil. Nem sempre você consegue. Mas é obrigação tentar fazê-lo. Ambiente primeiro depende de vitória. E sociabilidade. Os meninos serem bem instruídos para que, ao invés de serem pretensiosos, sejam colaboradores. E os daqui são.
Está buscando um grupo mais homogêneo, é isso?
Isso. Em 2005 tivemos, em 2006, em 2007 já não era tanto. Tivemos mudanças do time campeão. Aí já não era tão coeso como foi. Todo time que vence perde jogadores. O Corinthians perdeu todo mundo porque ganhou. A renovação nem sempre é do mesmo nível do que você possuía. Aí vem crise, é igual para todo mundo.
O fato de o grupo ainda não ter corpo pode comprometer o Campeonato Brasileiro?
Pode. Estamos tentando fazer com que isso não se comprometa. Já percebi nesses jogos muito mais empenho. Contra o Flamengo, Juventude. Pode não ter a qualidade que a gente deseja, mas ninguém pode dizer que a gente não correu. O único jogo que perdemos mesmo no segundo tempo foi contra o Vitória, em que o time tomou um gol no segundo tempo e desabou. Foi o único jogo em que me decepcionei mesmo com o São Paulo. Está difícil confirmar que jogou bem e ganhar.
Concorda que o São Paulo não tem o jogador que pega a bola e decide? Não falta esse cara?
Falta. Porque o São Paulo perdeu esses jogadores. Perdeu o Ganso e os outros. Falta, sim, mas o que vamos fazer? Temos de superar essa adversidade e produzir o que precisamos. É um time que não tem uma liderança muito clara. Tem o Lugano, que ajuda muito, que tem feito o seu papel, tem o Maicon, que também tem essa característica, o Hudson, que pode fazer também, o Buffarini, que também mostrou liderança. Vai descobrindo o corpo que estou falando. Mas se não tem o pai da bola, temos de viver sem ele.
Esse jogador vai chegar para o ano que vem?
Estamos pensando em jogadores bons. Não é fácil encontrar. As pessoas reclamam do Dátolo. Mas poxa vida! Tenho de ter responsabilidade com o São Paulo. É um ótimo jogador. Porém até no Atlético-MG ele tem jogado nos minutos finais. Precisamos de jogador que possa jogar mais. Aí falam: “O Jean Carlos veio e ainda não jogou”. Mas ele veio com um custo desse tamanho (faz gesto de pequeno com os dedos). É diferente. E ele é bom jogador, já está podendo jogar. Não posso contar com um jogador supercaro para jogar alguns minutos, embora reconheça o talento.
Tem a possibilidade de o Rogério Ceni voltar ano que vem como técnico?
Tem de perguntar para ele, com um contexto enorme. Tudo é possível no futebol. Tenho planos para o Rogério, claro que tenho. E ele tem também. De um dia voltar ao São Paulo. Tenho um amigo que sempre dizia: “Tenho planos para você”. Você ficava muito feliz com aquilo. Só que não tem data, prazo, nem promessa. Ele era genial nessa frase. Mas, sem dúvida alguma, é uma pessoa que não pode ficar fora do radar do São Paulo nunca.
Sua postagem para o Calleri no Instagram (perguntou “que tal conversarmos?”) foi um “tenho planos para você?”
Claro que tenho planos para ele. E falamos mesmo, sem nenhum constrangimento. Ele me respondeu, pelo próprio Instagram. As pessoas têm de entender que falo com todo mundo e com ele também. Olha aqui ele respondendo (começa a mexer no celular e mostra a mensagem de Calleri). Daí a ter outra coisa é uma grande bobagem. Quem não quer ter planos para o Calleri?
Ele já tem sonho de voltar.
Ué, se ele quiser voltar, é só me ligar. Podemos conversar. Ele me agradeceu. Disse: ”Muito obrigado, você sempre falando de mim. Um dia volto para o São Paulo”.
Mas você já perguntou algo de concreto sobre volta?
Não, ainda não. Na hora certa. O importante é saber que um cara como ele tem porta aberta. Hoje o futebol está tão profissional que as pessoas esquecem de ser afetuosas. Quando tínhamos o Reffis aqui, que abrigava todo mundo, as pessoas retribuíam isso e ficavam conosco. Foi com Ricardo Oliveira, Luizão, Adriano. Essa relação humana o São Paulo perdeu. O São Paulo ficou impessoal, distante, arrogante. Deixou de ser o São Paulo do meu estilo, afetuoso, que trata bem o adversário, mas brinca, goza com o adversário. Tem que ter a relação próxima, generosa. Só não pode ter desrespeito. A gente perdeu um pouco isso. E isso facilita retorno, conversa fácil, sem intermediários abusivos. É isso que a gente quer, que retorne essa relação. Um tonto aí me gozou: “São Paulo está bem, hein, fazendo negócio pelo Instagram?!”. Não sabe das minhas relações pessoais. Essa alma que a gente tinha aqui de proximidade que afastou o São Paulo dos rumos das vitórias, é isso também que quero devolver ao São Paulo.
"O excesso de vitórias sempre traz isso. Alguns grandes personagens não se envolvem assim. O Djokovic (tenista sérvio) é um exemplo que nunca deixa de se humanizar. Talvez por ter sofrido tanto na guerra. Quem sente a fragilidade humana nunca se sente soberbo"
Mas não foi esse tipo de relação que motivou críticas de que o São Paulo aliciava jogadores? Na base, a Dona Vilma.
Dona Vilma era por conta de menores. Nunca fiz isso, nunca fui na base. Cansam de me pedir para fazer teste, encaminho e pronto, quando é razoável. Nossa missão aqui era ajudar jogadores profissionais. Era a relação interpessoal. Eu fui nos Emirados Árabes cuidar do Ricardo Oliveira. Fiquei dez dias tratando dele, conversando. Aí não tem aliciamento. Estou acompanhando. Vendo tudo. Porque quando precisam de mim sou o primeiro a chegar. Isso é relação humana. Gosto dos meus amigos e eles gostam de mim. É isso que tento trazer para cá para o São Paulo. Humanizar o São Paulo, o futebol, que ficou perdido em negócios. Ainda dá tempo de recuperar o futebol.
O São Paulo se perdeu no conceito de soberano, quando era exemplo?
Acho que sim. Quando você coloca que a instituição resolve todas as coisas e não as pessoas... Quando você começa a personalizar demais a forma e não ter lá o personagem que dirige, passa por esse tipo de erro. Achando que as coisas vão funcionar porque o estádio é o melhor, o CT é o melhor, e falta quem faça a gestão de pessoas, o mais importante. O excesso de vitórias sempre traz isso. Alguns grandes personagens não se envolvem assim. O Djokovic (tenista sérvio) é um exemplo que nunca deixa de se humanizar. Talvez por ter sofrido tanto na guerra. Quem sente a fragilidade humana nunca se sente soberbo.
O que o Lugano entrega ao São Paulo hoje é satisfatório?
Absolutamente satisfatório. Se analisar os dois jogos que ele fez contra Juventude e Flamengo, foram excepcionais como zagueiro. Fora isso ele tem uma contribuição íntima extraordinária. Basta que os outros o ouçam, o que é o mais difícil.
A gente ouve falar dessa contribuição dele fora de campo, mas ninguém dá exemplos. Você poderia exemplificar para melhor compreensão?
Ele tem por trás de si mesmo uma grande questão que é não se tornar referência e se colocar à frente dos problemas, mas não se tornar personagem das soluções. Posso dizer que quando eu estava para retornar ou pensando nisso, ele só me disse uma coisa: “Eu voltei para me arriscar. Volte para nos ajudar, não pense em você”. E essa frase do Lugano me fez voltar. Isso resume o tamanho do Lugano. E ele é o cara mais chato me cobrando. Não pense que ele é meu amigo e fica por isso. Já tivemos momentos de ele vim de forma forte discutir algo, e eu: “Calma, que isso?”. E ele: “Agora não sou seu amigo, estamos brigando juntos”. Esse é o Lugano. Voltado a uma causa e não a si mesmo. E quando precisa dele, ele se doa 100%, mesmo aos 35 anos.
E não tinha como dizer não a esse chamado?
Não tinha como dizer não ao São Paulo. Mesmo que eu tenha os piores dias aqui e o pior momento, não posso negar de estar aqui. Nem que seja para ser responsabilizado por isso. Alguém tem de levar a culpa. E se tiver de ser alguém, serei eu. Eu vim aqui para assumir uma responsabilidade, de mudar o time. E mesmo que eu tenha insucesso na minha missão, não vou me omitir. E se a história disser que terá um culpado, eu não me omitirei, estarei aqui para isso também.
Mas por que, se você chegou a tão pouco tempo e já havia um trabalho de outras pessoas?
Porque alguém precisa ser responsabilizado. O São Paulo precisa de atitudes e não de descaminhos. De alguém que goste do São Paulo de forma tão grande que morra por ele. Se para mim for o grande sacrifício, não tem importância nenhuma. Eu me dou ao sacrifício, mas não me omito. Esse é meu papel aqui dentro.
O São Paulo vai ser rebaixado?
Nunca vou trabalhar com essa hipótese. Se eu pensar isso, não sou o Marco Aurélio Cunha. Vou trabalhar o tempo todo para que isso nunca aconteça na nossa história. Estamos trabalhando, evoluindo para que isso não aconteça.