O são-paulino que for ao Morumbi para o jogo contra o Grêmio, às 11h de sábado, pode dar a sorte de encontrar um campeão mundial nas arquibancadas ou nas imediações do estádio. Renan, volante da equipe multi-campeã de 2005 e aposentado desde que deixou o Central-PE há cerca de seis meses, é um raro ex-atleta que se converteu em torcedor após deixar o clube.
Na verdade, não foi exatamente uma conversão. Muito antes de começar sua trajetória nas categorias de base do São Paulo, aos 13 anos, ele já frequentava os jogos com o pai, o irmão e um primo. Não abandonou o hábito nem quando jogava por outras equipes - foi demitido da Portuguesa em 2016 por ter ido torcer pelo Tricolor - e continua saindo de sua casa em Jundiaí para ver o clube do coração em praticamente todas as partidas no Morumbi.
- Eu tinha cinco anos quando vim aqui pela primeira vez, foi justamente em um São Paulo x Grêmio, em 1990. O São Paulo ganhou de 1 a 0. Eu lembro que entrei e tinha muita gente, cara. Fiquei com medo e falei para o meu pai: "vamos embora, muita gente" (risos). Ele falou para eu ficar tranquilo, depois fiquei amarradão, gostei para caramba, e aí não parei mais - contou o ex-jogador de 34 anos, que aceitou o convite do LANCE! para visitar o Morumbi nessa quarta.
- Você não poderia ter escolhido um lugar melhor para essa entrevista. Eu morei debaixo dessa arquibancada. Hoje está muito diferente, estamos andando por aqui e parece que é outro lugar, incrível. Para mim é sempre diferente estar aqui, voltam algumas coisas na minha cabeça, lembro de fatos que aconteceram há quase 20 anos em determinados lugares. Quando venho para o Morumbi alguma coisa diferente passa pela minha cabeça.
Pode parecer estranho que Renan tenha se impressionado com as modernizações que o São Paulo fez em seu estádio nos últimos anos, mas há dois motivos para isso. O primeiro é que o encontro com a reportagem foi no anel inferior do estádio, onde há camarotes, restaurantes e outras atrações, longe da arquibancada azul que ele costuma frequentar. E o segundo é que o nascimento do filho Santiago, há pouco mais de um ano, o fez deixar de ir até o estádio. Mas quem disse que ele fica longe?
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- Depois que ele nasceu, a gente vem e fica em um bar perto do Morumbi vendo pela televisão. É muito para andar, então a gente fica no bar. A gente vai antes, encontra uns amigos, eles vêm para o jogo, a gente fica lá e depois eles voltam. A gente toma uma cervejinha e tal, sempre no mesmo lugar, sempre o mesmo pessoal. Já está marcado para sábado, inclusive, mas sábado eu venho no jogo mesmo. Vai ser o primeiro jogo do Santiago dentro do estádio mesmo. Eu comecei em um São Paulo x Grêmio, com cinco anos. Ele tem um ano e dois meses, vai começar antes que eu - conta Renan, que já tinha a filha Mariah, do primeiro casamento, que também costuma acompanhá-lo no estádio.
Durante o passeio, o ex-volante se perdeu ao tentar lembrar com exatidão onde era o alojamento que o abrigou antes que ele fosse promovido ao elenco profissional, falou com carinho da paixão do irmão por Careca ao ver uma foto do antigo artilheiro e parou para procurar a si mesmo em um mural em que há imagens de vários times campeões do São Paulo - se achou no pôster do título da Libertadores de 2005, conquista que fez o jogador e o torcedor se misturarem.
- Na final da Libertadores de 1992, meu pai veio com meu irmão e não quis me trazer. Fiquei p... em casa. Meu irmão pulou no campo naquele mar de gente. Eu tinha sete anos e ele não quis me trazer. Em 2005, infelizmente meu pai já tinha falecido e não me viu ser campeão com o São Paulo. Mas foi incrível, eu não sabia o que fazer, se corria, se chorava, ajoelhava... Comemorar como torcedor é uma coisa, você sai na rua, faz carreata, mas ser parte disso... Antes eu era um torcedor e admirava os jogadores, mas ali era o contrário, as pessoas estavam olhando a gente e sentindo isso. Ser um torcedor dentro do campo nessa hora, p..., é incrível - disse ele, que disputou 10 dos 14 jogos da campanha do tri da América.
Renan não chegou a entrar em campo no Mundial de Clubes, mas fez parte da delegação que viajou ao Japão e foi um dos únicos atletas que conseguiram encarar toda a maratona no retorno ao Brasil, que terminou em um encontro com a torcida no Morumbi e reservou mais um momento inesquecível para ele.
- Andamos com o trio elétrico pela cidade até chegar no Morumbi no fim da tarde. A gente entrou pelo portão principal e tinha tipo um tapete no campo que levava até uma espécie de um pódio no meio do gramado. Eu fugi ao protocolo e fui para o símbolo do São Paulo ali na lateral do campo. Chegando no símbolo, meu irmão estava lá. Isso sem combinar nada. Na época não tinha muita troca de mensagens pelo celular, e aconteceu isso. É uma coisa que me marca muito. Muitas vezes a gente fazia gol e ia comemorar no símbolo. Teve aquele episódio do Diego com o Simplício. Aqui, pelos juniores, um menino fez um gol contra nós e foi no símbolo, eu também fui para cima deles e brigamos (risos). Essas coisas marcam muito. Era um sacrifício chegar aqui todo dia, ir treinar, meu tio me ajudou muito... E acabou que eu fiz parte, talvez de forma bem indireta, de um time que colocou mais uma estrela no símbolo do São Paulo. Como o Rogério fala, a gente ajudou a mudar o símbolo do São Paulo, que antes tinha duas estrelas e agora tem três. Isso me marca.
Ele fala com carinho de diversas figuras do dia a dia atual do São Paulo. Uma delas é Cuca, técnico responsável por sua estreia como profissional, em 2004, e a quem ele diz que deve tudo o que tem na vida. Outra é Raí, hoje diretor de futebol, maior ídolo do torcedor Renan, que acredita em um Tricolor de novo vencedor em um futuro próximo.
- O torcedor quer ver o São Paulo em cima. O São Paulo que passou quatro anos sem perder para o Corinthians quando eu estava aqui. O São Paulo que fazia o adversário vir aqui sabendo que não ia conseguir ganhar da gente. É isso que a gente quer ver. E o time está em uma evolução bem boa, na mão de um cara a quem eu devo tudo o que tenho hoje, que é o Cuca. Ele que me subiu, ele que me deu a primeira chance, ele que me ajudou, que me deu meus primeiros ensinamentos, e inclusive quis me levar depois para outros clubes. A gente vê a evolução, vê um time motivado, com vontade de mudar essa história recente. Não pode um clube do tamanho do São Paulo passar tanto tempo sem conquistar nada, sem nem assustar. Sinceramente, acho que esse ano deve brigar pelo Brasileiro, mas a expectativa é muito grande para os campeonatos do ano que vem - disse Renan, que não deixa de planejar o futuro enquanto curte a vida de torcedor.
- Eu pretendo trabalhar na área técnica do futebol, mas antes eu quero estudar futebol. Só ter sido jogador é muito pouco, não me capacita para exercer qualquer função. Eu preciso de mais conhecimento, preciso estudar. Tem cursos da CBF, outros fora... Quero trabalhar com futebol e se um dia for no São Paulo será o sonho do sonho. Estou começando minha vida agora. Dei uma abaixada na adrenalina de jogador, dei uma engordada, me permiti comer coisas que não comia muito, beber um danoninho a mais do que antes, mas já estou pensando no futuro. Afinal de contas, sou muito jovem para a vida. Meus joelhos já não aguentavam mais, para o futebol deu, mas para a vida sou muito novo e quero fazer alguma coisa. Sonhei com minha carreira de jogador e agora vem a segunda parte do sonho para realizar. Vou fazer o possível, trabalhar, estudar e me aperfeiçoar para realizar essa segunda parte.
AS AVENTURAS DO TORCEDOR RENAN
Lembrança de torcedor
Questionado sobre o jogo mais marcante que viu da arquibancada do Morumbi, Renan lembrou (com detalhes) da vitória por 4 a 3 sobre o Unión Española (CHI) pelas quartas de final da Libertadores. Havia mais de 100 mil pessoas no estádio naquela tarde de agosto.
- Lembro daquele jogo contra o Unión Española na Libertadores de 1994. Foi dali que o São Paulo contratou o Sierra, ele jogou muito aquele dia. Foi muito difícil de entrar, muita gente, um jogo de Libertadores à tarde, o que não era comum. É uma lembrança boa que eu tenho. E tenho uma tristeza muito grande da final da Copa do Brasil de 2000. Não estava lá no Mineirão, mas é minha pior tristeza como torcedor. Merecia ser campeão ali.
A demissão da Lusa
Renan era o capitão da Portuguesa quando foi flagrado por um jornalista cantando o hino do São Paulo na arquibancada do Morumbi durante a vitória por 6 a 0 sobre o Trujillanos, em 2016, pela Libertadores. O episódio causou a ira da diretoria da Lusa, que decidiu mandá-lo embora.
-A Portuguesa estava na Série C na época, o calendário não tinha nada a ver com o do São Paulo, então sempre tinha brecha para vir. Eu vinha sempre. Direto, sempre vim. Até dar aquela confusão que deu... Eu, sinceramente, ainda não consigo entender aquilo lá. Quando teve o jogo de despedida do Rogério eu já estava na Portuguesa e pedi para os diretores e o presidente para vir. Eu falei que vinha, que colocaria a camisa do São Paulo, perguntei se teria algum problema. "Não, é um orgulho para a Portuguesa ter um jogador campeão mundial no elenco, traz uma camisa para mim...". Aí, quando vim ver o jogo como torcedor, foi falta de respeito. Era um momento de lazer, não deixei de treinar, não deixei nenhum compromisso para vir no Morumbi. No momento de folga cada um faz o que quer, e eu gosto de ver jogo. O estádio que eu posso ir na boa é o Morumbi, mas já fui em outros. Eu fui na final da Champions de 2014. O jogo era no sábado e eu decidi ir para Lisboa na quinta-feira. No 7 a 1 da Alemanha eu estava, peguei o carro, dirigi por seis horas e fui para Belo Horizonte ver o jogo. É uma coisa que eu gosto. Na época, os dirigentes da Portuguesa julgaram como desrespeito. Então respeito era me deixar com cinco meses de salário atrasado e o desrespeito foi ter vindo no jogo? Ainda não consigo entender tudo aquilo.
No camarote com os ídolos
No ano passado, quando defendia o Joinville, Renan decidiu ir até Curitiba assistir ao jogo entre São Paulo e Athletico-PR pela Copa do Brasil. Ao contrário do que costuma acontecer, porém, não ficou no meio da galera tricolor, mas no camarote dos ídolos Raí, Lugano e Ricardo Rocha, que à época compunham a diretoria de futebol são-paulina.
- De Joinville para Curitiba é mais ou menos uma hora e meia. Peguei o carro e fui para o jogo. Eu falei com o Juca (Pacheco, assessor de imprensa) e, se eu não me engano, ele disse que o estádio lá tem um negócio de biometria. Então ele falou para eu aparecer no hotel e ir com eles. Fui lá, fiquei conversando com o doutor Sanchez, com os seguranças, o Marcão, o Derville, e depois fui para o estádio na van com os funcionários. Eu vi o jogo no mesmo lugar que eles, e aí não pude ter muito o papel de torcedor. Do lado do Raí, do Lugano e do Ricardo eu não podia fazer muita coisa, falar, xingar (risos). Fiquei mais tranquilo.
A chuteira do Mito
Convidado para a despedida de Rogério Ceni, no fim de 2015, Renan acabou deixando o Morumbi com uma relíquia: uma das últimas chuteiras usadas pelo goleiro-artilheiro em sua carreira.
- Quando você joga em time grande as empresas te procuram para você usar a chuteira delas. Quando você vai para uma equipe menor, tem vez que os caras nem te atendem. Naquele dia eu perguntei para o Rogério se ele conhecia alguém que pudesse me ajudar, me colocar em contato com alguma marca. Aí ele me chamou e me deu uma sacola com quatro chuteiras, três novas e uma que ele já tinha usado. Essa ficou guardada e vou colocar em um lugar especial quando terminar uma reforma que estou fazendo.
Renan não esconde sua admiração pelo ídolo, hoje técnico do Cruzeiro.
- Eu nunca vi um profissional igual a esse. Conheci outros grandes profissionais, como o Lugano, mas igual ao Rogério não tem. O jogador quando vai mais cedo para o treino chega uma hora antes. Se o treino é às 16h, chega às 15h. Ele ia de manhã! Ele é obcecado por isso. Quando jogava, ele sabia todos os detalhes dos contratos dos jogadores do São Paulo e dos outros times, sabia a campanha e a tabela dos 20 times do Brasileiro. Hoje deve saber até saldo de gols, gols pró, gols contra...