Campeão em 89, Lazaroni relembra percalços até título em casa e alerta Tite: ‘Agora não vai ser diferente’

Conselho de quem já viveu: para ex-treinador da Seleção Brasileira, 'Tite vai estar sob pressão'; Ao L!, técnico abre o jogo sobre bastidores da conquista de 30 anos atrás

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De Copa América no Brasil, Sebastião Lazaroni entende. Em 1989, logo em seu primeiro ano no comando da Seleção, o carioca foi o treinador do time canarinho na última vez que a competição foi disputada em território brasileiro. Apesar do título que veio contra o Uruguai, diante de 130 mil pessoas no Maracanã, em um 16 de julho - data do ‘Marcanazzo’ na final da Copa do Mundo de 1950, 39 anos antes, contra a mesma alviceleste - o começo dessa história não foi nada animador.

Antes da disputa da Copa América, Lazaroni teria a chance de armar a equipe em uma excursão pela Europa. O desempenho da Seleção no Velho Continente, porém, foi desastroso: três derrotas para Suécia, Dinamarca e Suíça, e um empate sem gol com o Milan. Nos quatro jogos, o time marcou apenas um gol.

A equipe voltou para o Brasil desacreditado e seguiu direto para Salvador, onde disputaria os três primeiros jogos da primeira fase da Copa América. Após a excursão, alguns atletas foram cortados. Entre eles, o atacante Charles Baiano, ídolo do Bahia. Foi o estopim para explodir a crise entre Seleção e torcida baiana.

Em 89, Lazaroni viveu relação conflituosa com a imprensa<br> (Foto: Reprodução)

- O bairrismo levou-se a criar uma atmosfera horrível, ridícula, sem apoio. Para se ter ideia, 13 mil pessoas era o público da estreia, contra 130 mil na final, no Maracanã. Essa distância mostra as dificuldades. Eram quatro atacantes em apenas 18 que podiam ser convocados, tive que deixar de fora aquele que era o garoto de ouro do Bahia. Isso foi aproveitado pelo presidente do clube baiano, por jornalistas e radialistas que não levavam em conta a racionalidade necessária em uma convocação. Isso mostra o que é a pressão de uma Copa América no Brasil - disse Lazaroni, que alertou o atual comandante da Seleção:

- Agora não vai ser diferente. O Tite vai estar sob pressão, porque teve a brilhante eliminatória quando entrou, e uma fragilidade na Copa do Mundo. A Seleção não se mostrou a mesma coesa, compacta, de qualidade, apresentando um futebol de resultado e espetáculo. Então, vai ser cobrado por tudo isso na Copa América.

Você assumiu a Seleção Brasileira logo em um ano de Copa América em casa. Houve receio?

Não, receio não. Tínhamos muita preocupação em tentar fazer o melhor, em tentar estabelecer um critério justo e transparente para as convocações. Agora, Seleção é sempre uma pressão muito grande. Era um momento diferente, havia dificuldade em ter os atletas, não tinha Data Fifa. Muitas vezes fizemos amistosos sem ter os melhores jogadores. Então, era um momento diferente e difícil.

Renato Gaúcho leva ovada na entrada do campo contra o Peru <br>(Foto: Reprodução)

'Agradeço a decisão do Ricardo Teixeira de passar para Recife a última partida da fase

A Seleção demorou um pouco a engrenar na Copa América, classificando-se em segundo do grupo. Contra Peru e Colômbia, na primeira fase, dois empates. O que não funcionou no início?

Jogar na Fonte Nova, com o campo em péssimas condições. Era um período de chuva, eles faziam buracos para escoar a água. Ganhamos da Venezuela, depois viemos diante do Peru com dificuldades, depois tentamos a modificação com homens mais de peso, de força de ataque em função do campo pesado. Por felicidade, naquele momento, a partida final da fase de classificação foi disputada em Recife. Lá, o campo estava em ótimas condições, o Brasil pode apresentar um bom futebol.

Na entrada em campo para o jogo contra o Peru, na Fonte Nova, Renato Gaúcho, um dos convocados no lugar de Charles, foi atingido por um ovo arremessado pela torcida. Como vocês receberam aquilo? 

​No vestiário, teve gozação em cima do Renato, e falamos sorte de ter batido nele e não no filho do Tita, que tava entrando junto com a Seleção, que tava lá em Salvador e ficava no vestiário brincando com os atletas. E tinha também a pressão, a Seleção sendo recebida com vaias, com mangas, depois essa ovada. Tentávamos levar com leveza, “isso é coisa do torcedor”. Pensávamos: " um futebol de melhor qualidade fará com que haja uma virada de mesa". Mas infelizmente, a Fonte Nova não permitia aquilo. Agradeço a decisão do Ricardo Teixeira de passar para Recife a última partida da fase.

"Jogador é o artista, jogador tem vaidade, tem orgulho, tem carências afetivas… calor humano é importante.

Aquela vitória por 2 a 0 sobre o Paraguai no Arruda, em Recife, foi vista como "as pazes do torcedor com a Seleção". O que mudou em relação aos jogos anteriores?

Quando nós saímos de Salvador e fomos para Recife, enquanto taxiavam o avião em que estávamos, no aeroporto de Recife, tinha uma multidão esperando. Completamente diferente daquilo que estávamos recebendo na Bahia. E isso foi importante, porque jogador é o artista, jogador tem vaidade, tem orgulho, tem carências afetivas… calor humano é importante. Houve ali, o início de um bom futebol, as peças começaram a se encaixar, e isso levou o Brasil a jogar diferente, a apresentar bons resultados e bom futebol. Isso foi o combustível para o Brasil deslanchar na fase final, diante de Paraguai, novamente.

Você deu uma declaração polêmica depois daquela vitória…

Eu cometi um erro, hoje não faria. Disse que “cada público tem o futebol que merece”. Era uma resposta a tudo de negativo que enfrentamos em Salvador. Um lugar que ama futebol, a Fonte Nova está sempre lotada, mas aconteceu. Serviu de exemplo para todos nós, que em melhores condições, a Seleção podia deslanchar.

Em seguida, vocês iniciam a fase final encarando a Argentina de Maradona e Burruchaga, e vem aquele 2 a 0 com voleio de Bebeto no Maracanã. O quanto aquele triunfo foi importante para o título?

Na Copa América, ao contrário do Mundial de 1990, quando perdemos para eles, tivemos um rendimento brilhante. O Maradona nem chutou a gol. Na Copa do Mundo, ele teve a qualidade, superou a marcação de vários com talento, criatividade, e a aí é que está a beleza do futebol. Isso, a gente não reconhece. Ele superou o Brasil.

"O pior momento foi Brasil x Chile, também no Maracanã, pelas eliminatórias. Ali, sim saía fumacinha pelas nossas cabeças.

Na final, reencontro com o Uruguai no Maracanã em um 16 de julho. Houve algum receio de fantasma do "Maracanazzo" entre vocês antes da partida?

Acho que são momentos diferentes, personagens diferentes. Naquele momento, cabia a nós fazer diferente. Te digo que o pior momento foi Brasil x Chile, também no Maracanã, pelas eliminatórias. Ali, sim saía fumacinha pelas nossas cabeças. Porque poderia ser a primeira vez que o Brasil ficava fora de uma Copa do Mundo. Na Copa América, era um momento em que podíamos escrever nossos nomes na história. Era motivação, crescimento, depois de passar por todas as dificuldades iniciais.

Como você avalia o momento da Seleção Brasileira?

Tite buscou, na convocação, independentemente da idade, jogadores que ele confia, que ele tem segurança, e que possam desenvolver o projeto de ganhar a Copa América. Jogadores até com uma certa idade. O trabalho a longo prazo, visando 2022, inexiste neste momento. Na Copa do Mundo, houve contusões, mudou o comportamento tático que deixaram a Seleção abaixo do que vinha apresentando. Agora, é o momento da retomada. A grande maioria passou pelo Mundial e tem a chance de fazer melhor, de fazer uma grande competição, de fazer resgatar a confiança e a alegria do torcedor através do jogo, através do futebol.

Você trabalhou no Qatar de 2008 a 2016, e por um período, chegou a dirigir a seleção qatari, que vem à Copa América como convidada. Como você avalia o momento do país no futebol?

É um país pequeno, carente de praticantes. Depois da descoberta do gás, passou a dar apoio aos clubes, criou-se um novo processo, com mais atletas. Com isso, depois de campanhas ruins na Copa Asiática, fez uma campanha brilhante, chegando ao título este ano, sem derrotas. É um momento especial deles, coroado com a organização da Copa do Mundo de 2022. E nós brasileiros que passamos por lá, principalmente o Evaristo de Macedo, demos nossa contribuição para isso.

Há cerca de um ano, em entrevista, você disse a mim (João Vítor Castanheira): "tentam me aposentar, mas eu resisto". Você ainda resiste? 
​A ideia é essa! (aos Risos)

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