‘Não deixo que ninguém fale mal do Saldanha’, diz Dadá Maravilha, pivô de polêmica antes do Mundial de 70
No especial 'LANCE! na Copa de 1970', atacante aponta o que crê que pesou para o presidente Médici 'pedir' sua convocação e se garante: 'Dadá é máquina de fazer gols'
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- Dadá não é perna de pau, é uma máquina de fazer gols.
A irreverente frase é utilizada por Dadá Maravilha para justificar tanto sua convocação para a Seleção de 1970 quanto para o fato de seu nome ter ficado envolvido em um dos episódios mais controversos em torno da disputa daquele Mundial. O país convivia com uma Ditadura Militar desde 1964. Afeito acompanhar jogos de futebol em estádios, o então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, explicitou em março daquele ano seu desejo de ver o atacante do Atlético-MG na lista de convocados para o torneio no México.
Técnico do escrete brasileiro, João Saldanha rebateu com "o presidente escala o seu ministério e eu escalo a Seleção". Porém, após maus resultados do Brasil como o revés por 2 a 1 para a Argentina e o empate em 1 a 1 com o Bangu, Saldanha (comunista e filiado ao PCB em plenos "anos de chumbo" e que também vinha tendo atritos com alguns integrantes da comissão técnica brasileira) foi demitido e substituído por Zagallo. O novo comandante seguiu a preparação rumo ao Mundial tendo Dadá entre os seus escolhidos.
No especial "LANCE! na Copa de 70", o "Peito de Aço" (que não entrou em campo durante o torneio) detalha como se sentiu em meio ao "fogo cruzado" em plena Ditadura Militar, recorda-se de momentos curiosos no dia a dia do Mundial e não esconde seu orgulho de estar eternizado entre aquela que define como a "Seleção mais fantástica de todos os tempos".
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LANCE!: A poucos meses do início da Copa do Mundo, seu nome foi envolvido em uma polêmica entre o então técnico da Seleção, João Saldanha, e o presidente Emílio Garrastazu Médici. Como foi lidar com esta situação?
Dadá Maravilha: Na verdade, aquilo tudo me surpreendeu. Chegaram para mim e disseram: "o Saldanha está falando mal de você". Mas em momento algum fiquei preocupado comigo em relação à qualidade técnica, à superioridade técnica. Procurava fazer o meu trabalho. O maior cabeceador todo mundo sabe que é o Dadá. E se falarem que existe alguém melhor, eu processo! O Saldanha dizia que tinham dez jogadores melhores que eu. Só respondi o seguinte: "essa é a opinião dele, acho que melhor que Dadá, só Jesus Cristo!".
L!: Por que você acha que chamou atenção do Médici?
Na verdade, já tinha coincidido de ele acompanhar um jogo entre o Atlético e o Internacional no qual eu prometi fazer três gols e cumpri (em um amistoso em julho de 1969, no Mineirão, vencido por 3 a 1 pelo Galo). Só que veio o amistoso entre a Seleção Brasileira e o Atlético-MG (jogadores do clube representaram a Seleção Mineira no duelo disputado em 3 de setembro de 1969) em Belo Horizonte. E o Brasil era aquela máquina. Tinha Pelé, Jairzinho, Tostão, Gerson... Mas eu falei: "são 11 contra 11, vou ter chance de provar a ele (João Saldanha) que a gente pode ganhar". Eu estava em uma fase na qual fazia gol de tudo quanto é jeito. Eu podia não ser craque, mas fazia gol, que era o que contava! Durante o jogo, o Carlos Alberto (Torres) tentou me parar de todas as formas, mas quando a bola sobrou, bati de primeira e consegui garantir nossa vitória por 2 a 1 sobre o Brasil.
L!: Você ficou magoado com o Saldanha em virtude desta situação?
De jeito nenhum. Teve uma vez, já no período em que ele era comentarista, que promoveram o encontro da gente. Aí o Saldanha me falou: "eu te odeio e não gosto de você, minha opinião é a mesma". Falei para ele: "quem tem que me achar bonito e gostoso é minha mulher. Mas eu adoro as coisas que você fala". Aliás, perto de mim, não deixo que ninguém fale mal do João Saldanha.
'Eu estava em uma fase na qual fazia gols de tudo quanto é jeito', recorda o atacante
L!: Sua chegada à Seleção coincidiu com o momento de o Zagallo ter assumido o comando canarinho. O que chamou sua atenção no dia a dia com ele?
Ele tinha uma filosofia na qual mostrava que dependia muito de nós, jogadores. Gostava de contar com a gente, de passar confiança. Eu, nos treinos sempre que tinha oportunidade, me empenhava muito, até para causar dor de cabeça para ele. Em um amistoso no qual eu defendi a Seleção Brasileira contra a Seleção Mineira (em 19 de abril de 1970, no qual o Brasil venceu por 3 a 1), marquei dois gols. Aí a torcida gritou no Mineirão: "bota o Dadá, bota o Dadá" (risos). O Havelange (João Havelange, na época presidente da CBD, atual CBF) já tinha dito desde o período do Saldanha: "ele faz um gol atrás do outro, se lançar 20 bolas para ele, uma hora faz gol. Tem que estar na Seleção".
L!: Acha que você teria vaga entre os titulares?
Ah, craque é craque e tem que ser titular, né?! A Seleção tinha Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho, Rivellino... Eles jogavam bem em qualquer lugar que pedissem! Eu nunca fui de criar jogadas, não dominava bem a bola, sou consciente disso. O meu negócio sempre foi fazer gol, o que é também muito importante, claro. Mas ninguém ia se arriscar a barrar qualquer um daqueles craques que a gente tinha.
L!: Você chegou a ficar entre os reservas da partida entre Brasil e Romênia (vitória por 3 a 2, pela fase de grupos). Como foi acompanhar de perto aquela partida?
Teve um momento muito curioso. Na reta final, os romenos começaram a tentar cruzamentos para a área. Cada investida terminava em bola alçada. Alguém virou para mim e disse: "Dadá, se você estivesse aí, já tinha feito uns quatro gols de cabeça" (risos).
L!: O que fica da lembrança deste título mundial de 1970?
Ah, a preparação forte, a ponto de termos treinado que nem loucos no México. Mas também tivemos muitos momentos de descontração. O Pelé um dia chegou e, de brincadeira, pediu para eu fazer embaixadinhas. Falei para ele: "concordo que eu não consigo e sei que você é o "Rei" nisso, mas vou ultrapassar seu recorde de gols em uma só partida. Vou fazer nove!" (o recorde do camisa 10 fez oito gols no 11 a 0 do Santos sobre o Botafogo-SP em 1964). O pessoal que estava perto falou que eu era louco de falar aquilo. Anos depois, quando eu já estava no Sport, fui enfrentar o Santo Amaro e vi que dava para tentar fazer. Fui balançando as redes, aí marquei dez gols (o Leão fez 14 a 0, em jogo disputado em 1976). Eu liguei para ele: "ô, Pelé, eu disse que ia fazer nove, mas acabei errando na matemática". Foi uma alegria, ele me parabenizou. Ficam histórias como essas e o privilégio de ser lembrado na Seleção mais fantástica de todos os tempos.
NÃO PERCA: neste sábado, o "Especial LANCE! na Copa de 1970" abre espaço para ADO falar sobre FÉLIX, que foi o goleiro titular na caminhada do tri, e recordar outras histórias da conquista.
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