Luiz Gomes: Avante Brasil! Há algo diferente com essa Seleção
'Pela primeira vez em muitas copas, esse grupo não passa a sensação de ser um bando de meninos riquinhos e mimados que está ali quase por obrigação ou por interesses pessoais'
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Tudo bem que a Copa do Mundo, além do álbum de figurinhas, é claro, ainda está longe de mexer com os brasileiros, ainda não virou assunto nas mesas dos bares ou no recreio das escolas. Num país em que a cada dia se descobre um novo escândalo, em que uma greve paralisa a economia e atropela o dia a dia do cidadão comum, pouco tem sobrado espaço para se discutir futebol. O tal ópio do povo já não é tão alienante assim. A pátria de chuteiras, que Nelson Rodrigues tão bem descreveu, talvez até entre em campo – e certamente o fará – mas só quando a bola de fato começar a rolar nos gramados russos. E isso não é tão ruim assim.
Mas há algo de diferente com essa Seleção. Há algo novo na relação entre o torcedor, o futebol e o escrete nacional.
As histórias de grande parte dos 23 convocados por Tite para a Copa da Rússia têm um ponto em comum, além da origem humilde. A capacidade de superação. Os perfis exibidos pelo Jornal Nacional da TV Globo nas últimas semanas têm mostrado histórias de vida emocionantes. E de gente normal. De um tempo em que eram os olheiros que descobriam os talentos – antes das escolinhas virarem quase que tão somente fonte de renda, alimentadas pelos caprichos da classe média e a ganância dos empresários. E isso faz toda a diferença. Quem não viu vale a pena ver na página do JN na internet ou nos aplicativos da emissora
Todo mundo que está ali, a caminho da Rússia, tem a vida ganha. São carreiras bem sucedidas, algumas construídas com astúcia, de forma milimétricamente planejadas, como a de Neymar, outras levadas quase que pelo acaso, feitas de oportunidades improváveis, de fracassos e reviravoltas como a de Paulinho ou Thiago Silva. Mas, pela primeira vez em muitas Copas, esse grupo não passa a sensação de ser um bando de meninos riquinhos e mimados que está ali quase por obrigação ou por interesses pessoais, para valorizar o passe e buscar contratos ainda mais milionários pelos próximos quatro anos. O espírito do se-ganhar-tá-bom-se-perder-tanto-faz parece ter sido deixado de lado dessa vez.
Esses caras se revelam dispostos a suar a camisa. E a mostrar a que vieram. Neste cenário, até o 7 a 1 pode fazer bem – está atravessado na garganta de quem jogou e de quem não esteve lá, aumentando a vontade de dar uma virada. A estonteante reação do time nas eliminatórias sul-americanas, desde a chegada de Tite, já foi um bom sinal dessa mudança. E, aqui, cabe ressaltar, por justiça, a importância do treinador nesse processo. O comandante é um feliz somatório do jeito intuitivo e paizão de um Felipão com o estilo estudioso e sóbrio de um Parreira, por exemplo. Não, necessariamente, que seu jogo seja igual ao de um ou de outro. Estamos falando de formas diferentes, mas no caso complementares, de encarar o futebol e lidar com o elenco que dirigem.
Tite trata os jogadores de igual para igual – e talvez por isso seja tão respeitado. Sua autoridade não vem de proibir bonés, impor regras quase colegiais a um bando de marmanjos que desfruta fora dali do que a vida tem de melhor a oferecer. Não, ela surge exatamente do contrário, da aposta que faz na responsabilidade de cada um: nada de proibir namorada, de cartilhas draconianas, disso ou daquilo. Desde que as regras mínimas que devem nortear um grupo e disciplinar uma preparação de Copa do Mundo sejam respeitadas, e que o desempenho em campo seja preservado, a ordem é que cada um cuide de si. E não confundam, por favor, liberdade com libertinagem.
A evasão precoce de jogadores para o exterior, que tirou o vínculo saudável que havia até os anos 80, ligando clubes e seleção - era um campeonato à parte ver quem cedia mais jogadores a cada convocação - foi o início do esfriamento da relação do torcedor com a camisa amarelinha. A dinastia Teixeira-Marin-DelNero, que transformou a CBF em sinônimo de falcatruas e malandragem, um calendário maluco que contraditoriamente trata a Seleção como um produto de segunda linha, fazendo-a jogar ao mesmo tempo dos clubes nos campeonatos nacionais e o aprofundamento das diferenças técnicas e de gestão entre o nosso futebol e o da Europa apenas agravaram esses distanciamento.
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São coisas que, longe de serem resolvidas, podem ser atenuadas. Além de buscar o hexa, Tite e seus comandados imbuíram-se, intencionalmente ou não, de uma outra missão na Rússia: resgatar de vez essa história perdida de paixão. Avante Brasil!
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