GÊNESE
Em volta de uma mesa, farta (de gente e histórias), numa tarde de sol deste outono travestido de verão, sentamos nós, o escriba que ora faz jus ao título (de escriba, ora!), rodeado de grandes decanos do esporte de longas distâncias no Brasil, verdadeiros obstetras dos esportes longos. Éramos poucos naquela mesa, mas quando a conversa começou a esquentar, pude entender que, sim, ali se encontrava a gênese do Triathlon e das Maratonas internacionais no Brasil!
➡️ Siga o Lance! no WhatsApp e acompanhe em tempo real as principais notícias do esporte
Por baixo, passavam de 30, as maratonas concluídas pela mesa. A conta só não era maior porque o escriba, além de caçula na idade (perdia até para o Luiz Veloso por exatos 5 meses), pobre de mim, também o era em maratonas, pois foram apenas 4, no meu esvaziado currículo. Mas, em termos de história, me senti o máximo, ajudei a montar os enormes quebra-cabeças destes esportes no Brasil, ali naquela mesa de quiosque.
O casal José Inácio e Dawn Werneck, Edgard e Lourdes Kniriem, Luiz Augusto Veloso, Alexandre Medicis, correndo célere rumo aos três dígitos (quase centenário, como o imponente estádio de Montevidéu), e o escriba juvenil aqui, todos empenhados do fundo d’alma em resgatar da memória, hoje apenas deliciosas vagas recordações, os deliciosos momentos, seja lá na distante Guaratiba, abrindo o Triathlon de frente para a Restinga de Marambaia, ou no aconchegante Leme, onde numa edição da Maratona do Rio (acho que foi 1985, prestem bem atenção ao ano) com mais de 6,4 mil inscritos para correrem a distância de 42,2 quilômetros. Hoje em dia, fala-se muito em 15 mil inscritos em Maratonas no Brasil, porém este número é a soma de múltiplas provas acontecendo sob o guarda-chuva da MARATONA. Na distância de 42,2km, apenas recentemente a atual Maratona do Rio alcançou este patamar.
Os casos iam brotando a princípio como conta-gotas, mas aos poucos, torrentes e cachoeiras de história passavam diante de nós. Lembranças dos que não brincam mais de viver por aqui, eternizados nas nossas memórias e gargalhadas, dos que não vemos há décadas, ou os que nos davam a honra de suas presenças em nossos treinos, e hoje vagam em suas trajetórias de coordenadas distantes.
Talvez a que mais me tenha feito sentir o nó apertado da saudade no peito, foi a do primeiro Triathlon no Brasil, um misto de treino organizado e competição descontraída, sob o título de Fun Triathlon. Que teve que passar por uma cirurgia reparadora para que coubesse entre a charmosa Urca e o Museu de Arte Moderna, no centro da Cidade, mudando o formato das três provas que compõem o Triathlon. Em vez do tradicional Nada/Pedala/Corre, tivemos que cumprir o exótico Nada /Corre /Pedala. Muita gente se divertindo, inclusive eu, o escriba aprendiz, que nadei bem direitinho e fiz o dever de casa na corrida (um percurso plano de uns 7 quilômetros), onde a diversão era ultrapassar os nadadores inscritos e apressados na água, no divertido primeiro Triathlon nessa Terra Brasilis.
Lá pelas tantas, com a tarde já indo em busca da sombra da noite, olhei o maldito relógio que gritava, exigindo minha atenção. Tive que, com muito pesar, me despedir dos amigos, autores e personagens fundamentais, de um momento especialíssimo do esporte de massa no Brasil. Mas principalmente, gente que compartilhou generosamente a paixão pelo Triathlon e pelas maratonas, tornando o Rio o berçário destas duas modalidades. Quando me dirigia para o carro, ainda de longe ouvia as sonoras gargalhadas atemporais, com se brotassem do asfalto e do mar do nosso Rio de 45 anos atrás!
APOCALIPSE
“ É pau, é pedra, é o fim do caminho…”
Assim cantava Elis, os versos eternos de Tom, descrevendo talvez um fim de ciclo, com as dores e desalentos característicos. Mas é interessante como esta sensação de fim, sempre tem espaço para um gostinho de novidade à vista.
Ciclicamente, o mundo, o Brasil incluído, desenvolve pesquisa sobre o ato de correr, ou modernamente falando, sobre o mundo da corrida. Por envolver grandes somas de dinheiro, e enorme número de marcas globais, e também pelo fato do extremo consumismo do “neo corredor”, torna-se imprescindível desvendar e descrever com máxima precisão, o perfil dessa tribo que se multiplica e transmuta assustadoramente à cada década. A última pesquisa brasileira, encomendada por uma marca esportiva nacional, usando métodos estatísticos parecidos com os usados em pesquisas para eleições políticas recentes, mais focadas em demandas de marketing do que conteúdos técnicos, científicos e antropológicos.
Esta pesquisa, apresentada com esmero, derrapou um pouco em três itens: as inconsistências das questões levantadas, o baixo número de participantes (respondedores) e a análise destes números. Mas, se não formos exigentes quanto a precisão dos números, e ao conteúdo das opções de respostas, poderemos garantir que a espécie de bípedes que flutua (para diferenciar um ato de correr de outro de caminhar, basta ver qual praticante flutua, perde o contato com o solo, entre duas passadas) cresce assustadoramente! Números maiores do que os que compilei em vários países onde a massa de corredores é bem maior e de melhor qualidade (mais rápidos, e com maior distância percorrida em treinos). Outro fator que pode ter gerado números graúdos entre nós, foi o de descrever como corredor, o sujeito que ensaia uma corridinha uma vez por semana, ou mais!
Irei aproveitar o feriadão gostoso que se aproxima, para me aprofundar nesta, e nas últimas cinco, que guardo com carinho, no escritório. Dessa forma poderemos entender que o corredor de rua no Brasil, não morreu, mas mudou. E muito.
Portanto, não sejamos tão apocalípticos, apenas tenhamos paciência, pois o novo, normalmente, assusta. Mas quando analisado, diagnosticado e repensado, de forma científica, pode-se aproveitar mais o ato de correr, e a indústria (vestuário, entretenimento e eventos) esportiva pode atender, de forma mais assertiva, essa multidão, que só faz crescer. E faturar muito mais!
Semana que vem, conto mais para vocês sobre o “novíssimo corredor”!
Por enquanto, tenham um bom feriado hoje, uma excelente páscoa no domingo, e deleitem-se na segunda-feira com a centenária Maratona de Boston** (A ESPN detém os direitos de transmissão)! Lauter Nogueira