O ar de incansável de Pelé se estendeu até mesmo depois de ele pendurar as chuteiras oficialmente. Há exatos 30 anos, o "Rei" prorrogava as comemorações pelo seu cinquentenário do jeito que mais gostava: em campo. O projeto "Pelé, 80 anos em 80 dias", feito pelo LANCE!, recorda o dia no qual a Seleção Brasileira contou com o homenageado entre seus titulares para um amistoso no Estádio San Siro contra o Combinado do Resto do Mundo.
Designado como comandante no ciclo canarinho após a eliminação na Copa do Mundo daquele ano, Paulo Roberto Falcão recorda que se impressionou com a conduta do "Rei" (que em 23 de outubro completou 80 anos) em torno da partida comemorativa pelos seus 50 anos.
- Ele era o dono da festa, poderia só aparecer para o amistoso. Mas agiu com seriedade, fez questão de ir, treinar com os convocados... - disse ao LANCE! e, em seguida, revelou um pedido feito pelo camisa 10:
- Só tivemos tempo para fazer um treino. Aí ele me pediu: "posso só cobrar uma falta no jogo?". Eu ia dizer o contrário? Foi impressionante o respeito dele, a dedicação. Tenho certeza que isto foi uma referência para quem viveu aquele momento. Eu vinha dando chance a jogadores que atuavam no Brasil. Além disto, também tinham muitos jovens na lista - completou.
'Festa era só antes do apito. Pelé levou tudo a sério, treinamento pensando em ser competitivo em campo. Isso ajuda quem está com ele, motiva qualquer jogador', recorda o ex-goleiro Sérgio
Entre os convocados para o confronto estavam nomes como Cafu (que iniciou o jogo como ponta, enquanto Gil Baiano ocupava a lateral direita) e o lateral-esquerdo Leonardo, o zagueiro Adilson, o meio-campista César Sampaio e o atacante Charles Baiano.
Titular daquele confronto, o goleiro Sérgio destaca que conhecia a postura de Pelé desde o convívio com ele na Vila Belmiro.
- Na época eu era goleiro do Santos, e o Edinho, filho dele, estava começando carreira. Pelé ia com frequência à Vila e, em relação a mim, até brincava, dizia para o Edinho: "esse vai ser o seu pai aqui no Santos. Ouve bem os conselhos dele". Agora, este jogo com o Pelé foi um exemplo para a gente. Mesmo com 50 anos, ele foi com toda humildade treinar com a gente, naquela ânsia de ganhar - afirmou.
O então camisa 1 contou como foi a convivência com o "Rei" para o duelo.
'Mesmo com 50 anos, a capacidade dele dentro de campo não tinha mudado. Quem sabe futebol não perde o olhar, a interpretação de jogo...', fala, categoricamente, Paulo Roberto Falcão
- Festa era só antes do apito. Pelé levou tudo a sério, treinou pensando em ser competitivo em campo. Isso ajuda quem está com ele, motiva qualquer jogador - declarou.
Falcão detalha o que chamou sua atenção na atuação de Pelé no Estádio San Siro.
- Mesmo com 50 anos, a capacidade dele dentro de campo não tinha mudado. Quem sabe futebol não perde o olhar, a interpretação de jogo... E isso porque tinha treinado só em um dia com o restante do jogadores. Imagine se tivesse mais ritmo de jogo! Ele voltou a incorporar com uma naturalidade a camisa da Seleção, tentou jogadas, deu dribles... - relembrou.
Pelé se tornou titular no lugar de Neto, que na época era "cotado" para deslanchar com a camisa 10 canarinha. O eterno ídolo do Corinthians também falou sobre o convívio com o Atleta do Século neste período.
- Foi uma experiência diferente. Sinceramente eu vinha de convocações seguidas naquela ocasião e, no início, só me parecia mais uma. Mas quando vi todo o cenário em torno daquele jogo, me surpreendi. O Pelé sempre foi um grande amigo. Respeitoso e atencioso - enfatizou.
Em seguida, o craque contou que reagiu de maneira bem-humorada ao saber que teria de ceder espaço justamente a Pelé entre os titulares.
- O Falcão me disse no hotel que isso aconteceria. De pronto, brinquei: "nem f...!". Mas lógico que foi uma baita honra pra mim participar dessa partida dessa maneira especial - disse.
'O Falcão me disse no hotel que isso aconteceria. De pronto, brinquei: "Nem f...!". Mas lógico que foi uma baita honra pra mim participar dessa partida dessa maneira especial', recordou Neto
O "Rei" ficou em campo durante 43 minutos. Em um momento, o grito de gol ficou preso na garganta de quem queria vê-lo balançar as redes. Promissor atacante que atuava no Fluminense, Rinaldo teve a chance de acionar o "Rei". Porém, optou por finalizar e a bola foi para fora.
- Nossa, na hora a gente não entendeu nada. O Pelé estava na boca do gol. Depois, a gente até foi e reclamou com ele - disse Sérgio.
Após ficar 43 minutos em campo, Pelé foi sacado para a entrada justamente de Neto. Naquele momento, o Brasil perdia por 1 a 0, devido ao gol marcado pelo espanhol Michel. O hoje apresentador na Band, lembra-se do momento no qual entrou em campo no lugar do "Rei".
- O Pelé não me deu conselho. Ele só agradeceu. É mole? Pouco humilde o Rei! - garantiu.
Coube ao próprio Neto marcar o gol da Seleção Brasileira em uma cobrança de falta. O meia corintiano garante que não chegou a pedir conselhos ao ilustre companheiro de convocação daquela partida.
- Até porque se tinha algo em que eu desafiaria ele era nas faltas. Mas sem ele em campo o jogo virou normal. Quer dizer, a Seleção do Resto do Mundo era monstruosa. Mas tive a oportunidade e marquei. Sempre treinei. Era bom nesse fundamento - declarou.
Seu gol não evitou a derrota por 2 a 1 da Seleção Brasileira para o Combinado do Resto do Mundo. O romeno Hagi também marcou para a equipe de astros que contou com nomes como Goycoechea, Carlo Ancelotti, Van Basten, Roger Milla, Francescoli e os brasileiros Júlio César, Alemão e João Paulo.
Passados 30 anos, Paulo Roberto Falcão fala com carinho deste dia no qual teve sob seu comando o "Rei".
- É um privilégio para poucos treinadores. Trata-se de um atleta que não chegou a tantas conquistas por acaso. Pelé teve muita dedicação, profissionalismo. Além disto, a maneira como ele ia para o gol era de assustar. Parecia que tinha um ímã na bola. Um grande jogador e uma pessoa impressionante - declarou.
Pelé saía do San Siro ainda mais valorizado como símbolo para as futuras gerações que viriam na Seleção Brasileira.