A sensação de que a CBF passa por um importante divisor de águas no futebol feminino ficou mais latente nesta semana. Os fatos das ex-jogadoras Duda Luizelli e Aline Pellegrino estarem à frente da coordenação da Seleção Feminina e do mandatário Rogério Caboclo anunciar a equiparação das diárias e premiações durante o período da convocação trouxe boas perspectivas às jogadoras que lutaram e também às que seguem lutando por espaço nos gramados brasileiros. Além disto, haverá igualdade no repasse no caso de Jogos Olímpicos ou igualmente proporcional ao repasse da Fifa.
- As chegadas da Aline e da Duda vão trazer algo que faltava no futebol feminino na CBF para que realmente o desenvolvimento ocorra: o comprometimento, amor ao que fazem. Elas farão de tudo para que o Brasil chegue a ser um país que também é do futebol feminino - afirmou, ao LANCE!, Márcia Taffarel.
A ex-meia, que fez parte da primeira Seleção Brasileira feminina a atuar nos Jogos Olímpicos (de Atlanta, em 1996), é taxativa.
- Acho que a vinda da Pia (Sundhage) para o comando da seleção abriu os olhos do nosso presidente da CBF, de que mulheres são capazes sim e que têm a competência de fazer trabalhos de excelência - declarou.
IGUALDADE NAS DIÁRIAS E PREMIAÇÕES: UMA ESPERADA JUSTIÇA
A ratificação da equiparação de pagamentos também foi vista com entusiasmo por quem lida com a rotina dos gramados. Presente na lista de convocadas de Pia Sundhage para os treinamentos da Granja Comary entre os dias 14 e 22 de setembro, a atacante Duda, do São Paulo, apontou.
- Foi um primeiro passo, mas um reconhecimento muito bom, importante. Ansiávamos por isso há um bom tempo. Espero que não pare por aí, que o futebol feminino seja cada dia mais valorizado, não só financeiramente, mas também respeitado - declarou.
Atualmente comandante da seleção feminina do Equador, Emily Lima foi franca ao se manifestar sobre a situação da modalidade em solo brasileiro.
- Acho legal o que está acontecendo no Brasil. Já era mesmo hora de acontecerem estas mudanças - disse a treinadora da Seleção Brasileira entre 2016 e 2017.
A medida anunciada pelo presidente da CBF, Rogério Caboclo, garante às mulheres equivalência com os homens no valor para diárias de apresentação ou de treinos e também nas premiações recebidas pelas convocações. Coordenador de Seleções Femininas entre 2015 e meados deste ano, Marco Aurélio Cunha ressaltou que a decisão aconteceu meses atrás.
- Está em vigor desde março, já veio comigo este desejo de premiação equivalente, fizemos em uma convocação (para o Torneio Internacional da França). Todas as igualdades que as atletas conquistaram em campo foi com muito esforço, com muito diálogo que tivemos - e, em seguida, deixou sua expectativa:
- Torço muito para que a Duda e a Aline tenham um grande caminho como coordenadoras e aproveitem o legado deixado. A Seleção feminina tem hoje muito mais estrutura à sua disposição - completou.
GRANDES ESPERANÇAS
A mudança de ares é destacada por quem vivenciou muitos obstáculos para vestir a camisa da Seleção Brasileira. Márcia Taffarel crê que há um empenho em fortalecer a equipe feminina.
- A equiparação foi a cereja no bolo. Nossa luta sempre foi por respeito à modalidade e às mulheres que jogam futebol. O anúncio nas diárias e premiações em eventos como Olimpíada e pagamento proporcional nos Mundiais vem realmente mostrar que o presidente Rogério Caboclo está pensando no futebol feminino de uma forma diferente de outras administrações - e ressaltou:
- É uma luta de anos e os resultados estão começando a aparecer. Foram várias reuniões, grupos de trabalho, comitês de futebol feminino, carta aberta à imprensa... Até, finalmente, vermos o que aconteceu ontem (quarta-feira) - complementou.
Ex-coordenador de Seleção feminina, Marco Aurélio Cunha crê que a CBF tem um bom caminho para pavimentar.
- Além das diárias e as premiações, conseguimos um aumento no número de participantes do Campeonato Brasileiro feminino. Temos tanto a Série A1 quanto a Série A2, tudo conquistado com muito diálogo com o presidente, para que a modalidade tivesse mais representatividade. Isso aumentou, inclusive, o número de jogadoras que voltaram para cá - disse.
Consultora responsável pelo desenvolvimento de estudos, pesquisas e projetos relacionados ao futebol feminino da OutField Consulting. Carol Chrispim exata a mudança de rumos na modalidade no Brasil.
- Vejo esta toada desde a Copa do Mundo feminina, no ano passado, que teve um impacto muito grande. Os amistosos da Seleção feminina e as competições nacionais começaram a ser transmitidas na televisão. Você começa a reconhecer as jogadoras da mesma forma que os homens são reconhecidos. É importante apontar o quanto o Brasil deseja que o futebol feminino tenha condições de correr com suas próprias pernas. Proporcionalmente, seria o que aconteceu com a WNBA (Liga de Basquete Feminino) nos Estados Unidos - disse.
Aos seus olhos, as confirmações de Duda Luizelli e Aline Pellegrino são essenciais para esta transição no futebol feminino.
- Acima de serem jogadoras que vivenciaram em campo os desafios da modalidade, a Duda e a Aline conhecem uma outra parte do futebol feminino. A Aline estava desde 2016 à frente da organização das competições femininas na Federação Paulista (de Futebol), enquanto a Duda vem desde 2017 com experiência à frente da equipe feminina do Internacional. O fato de ocuparem cargos cada vez mais altos contribuirá para que elas ajudem a desenvolver uma boa estrutura para as jogadoras - e, em seguida, destacou:
- Acredito que a Duda, Aline, Pia (Sundhage) contribuam para dar uma visão de carreira às atletas que estão ganhando espaço no futebol brasileiro - completou.
CBF SEGUE UM CAMINHO INCOMUM NO ÂMBITO ESPORTIVO
A decisão da CBF equiparar tanto os valores das diárias quanto das premiações por convocações chamou atenção por ser algo que não acontece de forma corriqueira no esporte. A entidade é apenas a quarta federação que tomou esta medida no futebol.
Anteriormente, a igualdade salarial foi determinada apenas em outros três países. A Nova Zelândia, a Austrália e a Noruega já tinham tomado esta atitude em campo. A Liga Mundial de Surfe (WSL) também anunciou que não haveria distinção no valor da premiação para homens e mulheres a partir de 2018.
País com maior projeção em Copas do Mundo feminina e nos Jogos Olímpicos da modalidade, os Estados Unidos ainda lidam com uma intensa batalha de reconhecimento das jogadoras.
- Há uma guerra contra a US Soccer, que chegou aos tribunais! No ano passado, a conquista da Copa do Mundo rendeu um momento comovente, que foi a torcida gritando "equal pay" (igualdade salarial) - disse Carol Chrispim.
Atualmente morando nos Estados Unidos, Márcia Taffarel fala sobre a situação americana e recorda o empenho que as jogadoras brasileiras têm há muitas década.
- Aqui (nos Estados Unidos) a luta sempre foi pela igualdade, pois a seleção feminina traz recursos e títulos à US Soccer. No Brasil, nossa luta sempre foi por respeito à modalidade e às mulheres que jogam futebol - frisou.
Carol Chrispim projeta novos desafios para o futebol feminino se superar no Brasil.
- Um deles é ganhar ainda mais visibilidade. Temos hoje a TV aberta, que transmite partidas do Campeonato Brasileiro, mas há a necessidade de criar um ambiente atrativo em torno dele. Há uma resistência ainda na programação. O outro é ampliar o calendário, que já era curto e, em meio à pandemia de Covid-19, se tornou curtíssimo - e emendou:
- O futebol brasileiro feminino passa por um momento de transição, de uma nova geração surgindo. É importante que as atletas comecem a se conscientizar disso - completou.