Dirigente nega dívidas e maus-tratos a jogadora de vôlei: ‘Até laptop eu dei’

Gestora do Curitiba, Gisele Miró afirma se sentir injustiçada após declarações da líbero Aninha. Vítima de ataques racistas na internet, atleta diz que tem medo de sair de casa

imagem cameraA ex-tenista Gisele Miró é a idealizadora do Curitiba Vôlei, oitavo colocado na última Superliga (Foto: Divulgação)
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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 26/06/2020
00:56
Atualizado em 28/06/2020
16:58
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Único representante do Sul do Brasil na Superliga feminina, o Curitiba Vôlei afirma que provará na Justiça ser vítima de mentiras após a líbero Aninha, que estava há quatro anos no projeto, acusar a equipe de maus-tratos e de não honrar compromissos, em entrevista ao "Estado de São Paulo".

Ao LANCE!, a gestora do time, Gisele Miró, disse ter a consciência tranquila e contou que reuniu provas para derrubar os argumentos da atleta na Justiça. Aninha deu as declarações no último domingo e suas críticas foram reforçadas em seguida por outras duas ex-atletas do time, a ex-levantadora Mariana Galon e a ponteira Carol Westermann. 

Campeã da Superliga B de 2018 com o Curitiba, a líbero resolveu tornar públicos diversos descontentamentos. Falou em "falta de confiança e de respeito no dia a dia", salários atrasados e promessas não cumpridas, além da falta de ajuda na recuperação de uma ruptura de ligamento cruzado anterior do joelho direito, sofrida em janeiro, durante um treinamento. 

- Acho uma injustiça. Uma covardia gigantesca. A discussão com a Aninha tem a ver com o período depois da pandemia. O resto são fatos que ela puxou do passado. Juridicamente, estou super tranquila de que vou ganhar. O que paguei além do contrato, renegociado após a paralisação da Superliga, foi em consideração às atletas. Ajudei tanto quanto pude - diz Miró.

Ex-tenista e principal nome à frente do Curitiba, Gisele garante não compreender as críticas de quem, segundo ela, rasgava elogios ao projeto e já recebeu ajuda financeira da dirigente. 

- Dei a ela um laptop, uma televisão e levei uma bola do time para ela treinar durante a reabilitação. A Ana, fisioterapeuta da equipe, a ajudou. Ela teve à disposição o Dr. Álvaro Chamecki, ortopedista que integrou a equipe olímpica do Bernardinho, mas preferiu outro médico. Não consigo entender o que a motivou a falar tudo isso. Ela, inclusive, teria continuado na equipe - afirmou Miró.

Aninha, hoje com 24 anos, foi contratada em 2016, ainda sem projeção no vôlei nacional, com salário de R$ 750,00 por mês. Com o tempo, ganhou destaque e prêmios de melhor em quadra. Quando o time chegou à elite, a atleta conseguiu um aumento, passando a receber R$ 1 mil.

Aninha acusa Curitiba de maus-tatos (Foto: Reprodução/Facebook)

Na última temporada, encerrada antes dos playoffs devido à pandemia do COVID-19, ela ganhava R$ 3 mil. O contrato celebrado entre o clube e as jogadoras abrangia o período entre agosto e maio. Mas o esporte não escapou dos impactos do novo coronavírus.

A crise foi pior nas equipes com menos recursos. O orçamento do Curitiba na última temporada era de R$ 1 milhão, valor considerado baixo no alto rendimento. Como comparação, os elencos mais estrelados do vôlei brasileiro vinham trabalhando na faixa entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões.

Aninha não deu resposta sobre um acordo proposto pela dirigente e aceito pela maioria do grupo. O último jogo foi no dia 10 de março, e a ex-tenista se comprometeu a pagar às atletas não só o valor integral referente àquele mês, mas também metade do salário de abril. Em meio à crise mundial e sem receber de parceiros, ela conseguiu uma economia de um mês e meio. A atleta diz que cobrará judicialmente os valores conforme constavam no contrato antes da pandemia.

- O que aconteceu é que ela não aceitou o acordo que fiz com as jogadoras quando veio a pandemia. Eu expliquei que parei de receber dinheiro e fiz o que o mundo inteiro fez, que é tentar negociar e ajudar ao máximo. Paguei passagens para todas que eram de fora irem para suas casas. Não entrava mais nada de recurso. Eu já estava ferrada para pagar as minhas contas. Pedi a elas um prazo. Muitas aceitaram. Até a pandemia, estava tudo pago. Tenho como provar. Mas, mesmo após o cancelamento da Superliga, sem jogos, eu me propus a pagar metade do salário de abril. Achei que estava justo diante da situação mundial. Tenho três filhas. Não posso bancar depois da Superliga a vida de todo mundo. Não é justo - reclama Gisele.

A dirigente enfrenta dificuldades de captação para manter um time na elite do vôlei e diz que até injetou recursos das premiações recebidas durante sua carreira de tenista para manter o projeto no ano passado, após perder apoio do governo do Paraná. Ela admite que houve duas ocasiões de atrasos salariais na última temporada, mas garante que o problema foi resolvido em 15 dias, e que pagou a fatura do cartão de crédito de suas atletas para não prejudicá-las.

- Tenho tudo documentado. Ela me chamava de "Mamis", falava que aqui era o "melhor lugar do mundo". Tenho os recibos de todos os salários e, até a pandemia, ela estava em dia - garante a gestora.

Miró elaborou um dossiê com as informações e apresentou o documento à Comissão de Atletas da CBV. E levou a briga com Aninha para a Justiça. Ela admite que a realidade do Curitiba não é a mais confortável, mas nega ter deixado qualquer atleta sem moradia, como sugeriu a líbero.

A jogadora reclama que, certa vez, a gestora pediu para que ela saísse de um kitnet onde estava hospedada para receber uma atleta estrangeira com sua família, ainda na Superliga B. Gisele confirma o fato. Diz que, como solução, levou a líbero para sua casa, com outras atletas, incluindo a campeã olímpica Valeskinha. Questionada se alguma vez prometeu pagar moradias individuais para as jogadoras, ela refutou.

Aninha (à esquerda) defendeu o Curitiba por quatro anos (Foto: Reprodução/Facebook)

- Eu sempre disse que tentaria ajudar, se tivesse condições. Jamais prometi que pagaria o aluguel de um apartamento por dois anos. Tínhamos três apartamentos muito legais, na frente da Universidade Positivo (onde o grupo treinava e jogava). Nem todo mundo queria dividir. Somos um projeto ainda pequeno. Mas já tínhamos uma estrutura melhor do que no início. Antes, a Aninha estava na minha casa, e depois quis ir morar com o namorado. Comigo, havia regras. Eu não deixava nem as minhas filhas trazerem namorado para dormir aqui. Porém, nunca houve uma atleta desabrigada. Ou moravam comigo ou tinham opção de estar na frente da universidade. Ela escolheu ficar com o noivo - afirma Gisele, que lamenta a proporção que o problema tomou e vê intenção de prejuízo ao projeto, mas garante que o Curitiba estará na Superliga 2020/2021.

- Estaremos na Superliga. Pretendo não colocar o meu dinheiro nessa temporada. Mostrei o retorno a algumas empresas e elas gostaram, mas veio a pandemia. Estava caminhando a passos largos para fazer um time muito legal. Se não for agora, daremos espaço para novos talentos. Estou muito preocupada com a questão da Aninha, pois me passaram que ela está sofrendo ataques. Se eu a encontrasse, diria: "sinto muito, mas você plantou tudo isso".

Após a repercussão desta fala, que gerou críticas nas redes sociais pelo fato de alguns comentários terem conotação racista, o L! voltou a falar com a dirigente e pediu esclarecimento. Ela respondeu que é contra "qualquer manifestação de racismo, xenofobia, incitação ao ódio e fake news, ou qualquer tentativa de sujar a imagem do esporte e das atletas", e explicou que não estava ciente do conteúdo das ofensas recebidas por Aninha no momento da entrevista.

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Basta! Nada justifica ameaças de morte


Nas últimas duas temporadas, o Curitiba terminou em oitavo lugar, cumprindo o objetivo de chegar aos playoffs. Para a edição 2020/2021, prevista para começar em outubro, a levantadora Bruninha, campeã da Superliga 2018/2019 pelo Itambé/Minas, tem um acerto verbal. Exemplo de longevidade no esporte, a central Valeskinha, ouro em Pequim-2008, segue no elenco, aos 44 anos. 

A gestora nega que a Universidade Positivo tenha se retirado do projeto em meio às acusações de Aninha e das demais. Segundo ela, o contrato é fechado por temporada, e o deste ano acabou em março, quando a Superliga foi paralisada pela pandemia. 

A Positivo tem sido o maior parceiro da equipe nos últimos anos, oferecendo estrutura de treinos e jogos, bolsa integral de ensino superior e de inglês, e atendimento às atletas em diversas áreas, como medicina, fisioterapia e odontologia.

Sobre as acusações de Aninha terem sido reforçadas por Mariana Galon e Carol Westermann, Gisele atribui o fato à frustração de ambas, e disse compreendê-las. Mas não acredita que tenha descumprido nenhum acordo.

A primeira teve diagnosticado um problema cardíaco no ano passado e precisou parar de jogar. Miró afirma que, para mantê-la ligada ao grupo, pensou em sua contratação para uma vaga administrativa na equipe, caso obtivesse um patrocínio, o que não aconteceu.

Já Westermann sofreu uma grave lesão no joelho esquerdo em 2018, antes da Superliga B, foi operada pelo médico do time e teve uma trombose. A gestora afirmou que a atleta estava integrada apenas para um período de testes.

A triste situação de Carol é comum no esporte brasileiro. Poucos privilegiados contam com uma estrutura à disposição em casos assim. A maioria tira do bolso para comprar medicamentos e pagar tratamentos de lesões.

- Fazer esporte num país que não valoriza os atletas, os projetos e os clubes é praticamente impossível - desabafa Gisele.

Nesta semana, diversos jogadores lançaram uma carta aberta nas redes sociais reivindicando à CBV pautas como o veto de equipes caloteiras e respeito.

ATLETA E DIRIGENTE SÃO ALVOS DE ATAQUES VIRTUAIS

Tanto Aninha quanto Gisele contaram terem sofrido ameaças de morte pelas redes sociais desde que a líbero levou o caso a público. A atleta, que é alvo de comentários racistas, disse ao L! que está assustada com a repercussão e que, a partir de agora, só irá se pronunciar sobre as acusações na Justiça.

- Conversei com minha empresária e meus advogados e agora, por conta dos ataques que estou recebendo, resolvi não falar mais. Eu não imaginava que ia virar tudo isso, que seria desse jeito. Para proteger a minha vida e a da minha família, vou deixar que tudo se resolva na Justiça como a Gisele mesma falou. Chegou a um nível que já me deixa mais preocupada. Estou com medo de sair de casa e fazer qualquer coisa, por causa de tudo o que está ocorrendo - afirmou Aninha. 

* Atualizado em 28/6, às 15h43.

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