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Felipe Conceição fala das lágrimas, do presente e do futuro dentro do Bota

Revelação do Botafogo no final dos anos 1990, o ex-atacante chegou a ficar quase dois anos sem jogar por uma lesão gravíssima. Voltou ao clube e hoje é um dos braços de Jair Ventura

Felipe Conceição
Felipe Conceição é um dos braços direitos de Jair Ventura dentro do Botafogo (Foto: Vitor Silva/SSPress/Botafogo)

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Muito pior do que atualmente, era uma época de vacas poucas e magras no Botafogo, no ano de 1998. Surge no time profissional um atacante de 18 anos com potencial e valores enormes. Era uma solução técnica e, imaginava-se, um alívio financeiro para o clube. Você talvez se lembre de Felipe Tigrão. Mas pode até não se lembrar porque as graves lesões interromperam uma carreira ainda no início, tornaram-na um martírio, pelas palavras do próprio, e fecharam o mercado brasileiro para um jogador de, na época, 22 anos.

Restaram a Felipe as dores e as alegrias em doses homeopáticas. Mas por incrível que pareça, ele é grato pelo que viveu. Não acredita em coincidência. O clube que lhe assinou a primeira carteira de trabalho, hoje lhe emprega como auxiliar-técnico desde o início do ano passado. Agora Felipe Conceição, ele chegou ao clube de General Severiano em 2013, como treinador do time sub-15, e transmite, desde então, a experiência para os mais jovens. Durante esta entrevista exclusiva ao LANCE!, ele chorou ao lembrar os primeiros momentos com a Estrela Solitária, mas hoje quer aproveitar toda a experiência adquirida, nos festejos e nos sofrimentos, para crescer na área técnica.

- Eu acho que não sei se era esperança ou amor pelo que eu fazia (o que me manteve firme). Ou, em certo momento, necessidade porque era o que eu sabia fazer e tinha que trabalhar. Não sei quando foi esperança, quando foi amor à carreira e em qual momento foi necessidade. Sei o sacrifício que foi para voltar a jogar e estar numa primeira divisão da Europa, que não era o campeonato o campeonato mais importante, mas era Portugal. Uma experiência bacana também na segunda divisão da Espanha, também na Bélgica, na China. Tive momentos de alegria, mas com certeza foram quatro anos acabando de destruir o que restava do meu corpo. Eu já não tinha corpo para sustentar esse nível de competição. Eu tinha que sobreviver a cada treino, a cada mês, a cada fim de temporada. Eu sobrevivi.

BATE-BOLA COM FELIPE CONCEIÇÃO - AUXILIAR TÉCNICO DO BOTAFOGO

1. Como foi a transição do lado de dentro para o lado de fora do campo?

Foi no São Gonçalo Futebol Clube. Voltei da China em 2010, e quando estava pensando em parar de jogar, na Cabofriense, o corpo não me deixou jogar os dois anos a mais que eu queria. Em 2011, eu comecei, durante o Carioca, a pensar na transição e no que faria. Não queria me distanciar do futebol. Quando coloco um objetivo na cabeça, eu cumpro as metas para atingi-lo. Resolvi ser treinador em março de 2012. Ali, as coisas não andaram muito bem por problemas financeiros, mas eu passei a estudar muito, ler muito. Virei treinador do São Gonçalo Esporte Clube, fiz estágio no Botafogo em 2013, em janeiro, durante 20 dias, voltei para disputar a terceira divisão do estado e fui muito bem. Ali, fui contratado como treinador do sub-15, pois viram o campeonato do sub-17. O time foi bem e me contrataram. Já era a geração 1998. Aí, depois, subi para o sub-17 do Botafogo, fiquei mais dois anos com a geração, e fomos vices da Copa do Brasil.

2. Você, normalmente, não aparece tanto. Como é o seu trabalho exatamente?

Estou feliz de estar aqui de novo. Não acredito muito em coincidência, nada é por acaso. Comecei aqui como atleta, e três anos e meio atrás cheguei como treinador do sub-15. Depois fui treinador do time sub-17. Foram oito anos como atleta. São 11 anos e meio no clube. Dos auxiliares, o Emílio é mais de confiança do Jair, e eu sou o da casa, que Jair fazia antes. Costumamos apoiar o Jair ao máximo, ele é um cara aberto, quer saber a opinião. Nos treinamentos, fazemos a montagem dos treinos. Uma hora antes, conversamos sobre a atividade, e trocamos opiniões. Eu costumo ajudar quando tem atleta do sub-20, pelo conhecimento, comento características, facilito para o Jair. Todos os jogos ficamos eu e o Antonio Lopes na cabine, e quando descemos para o intervalo, trocamos a visão. Muitas vezes, a visão lá de cima ajuda, porque é diferente da do treinador. Às vezes, ele já sabia, dou a enfatizada.

3. O que mudou do período em que você subiu para o time profissional, com o Ricardo Gomes de técnico, para agora?

Foram alguns meses nesse período, eu acho que foi de adaptação. Quatro, cinco meses. E quando o Jair assumiu, acho que (minha ação) foi para valer. Comecei a trabalhar mais trocar mais ideias. Uma fase de adaptação, e outra de afirmação.

4. Já houve alguma substituição específica que foi por observação sua?

Eu gosto muito de passar para o Jair a questão tática. Sobre jogador, eu me resguardo porque o treinador tem tanta coisa para pensar... tenho que ser cirúrgico. Procuro entender o que o Jair quer, a forma de ganhar o jogo, o que o adversário está utilizando de contraponto de perigo. Não sei dizer um jogo especifico, mas tenho ficado feliz porque ele tem usado as informações. Sinal de sintonia.

5. E como foi o seu início de início carreira?

Passei em 1995, para o juvenil. Depois para os juniores. Um sonho, vivi a farra do título do Brasileiro de 1995. Vi o Túlio, e depois ele foi meu primeiro parceiro de ataque. Mas para chegar ali eu vim de Nova Friburgo, com 14 anos. Falei com meus pais e minha avó que eu queria ser jogador de futebol profissional num clube grande. Eles tomaram um susto, pois era um menino de 14 anos que saía de casa com essa determinação. Como falei, sou focado. Vim correr atrás de testes, peneiras, passei por alguns núcleos e, quando via que não me mandariam para equipe da categoria, ia embora. Não tinha tanta condição de sustentar, morava na casa da minha avó. Até, com 15 para 16 anos, consegui, numa indicação, com um cartão que o antigo Luiz Mendes (radialista conhecido como o Comentarista da Palavra Fácil, morto em 2011) deu para o meu tio um cartão (Felipe se emociona, chora e, 12 segundos depois) e eu fui fazer o teste no Botafogo. (Nova pausa) Lembro que eu era meia-direita. Tinha outros dois atletas na minha posição, mais altos, mais fortes. Eu não tinha essa altura toda (hoje, 1,84m), Era franzino, e a opção do treinador foi botar os dois no coletivo - um em cada time - e me deixar para depois. Tive a sorte de entrar nos últimos 20 minutos, fazer gol e jogar bem. E daí em diante as coisas foram passando, as coisas que eu tinha (Felipe volta a chorar) como objetivo, foram acontecendo.

6. O seu choro, hoje, é por lembrar o início, pelas lesões...

Toda a história. Chegar até ali, a dificuldade de ter um simples teste, passar, morar longe da família. Tudo que lutei por eles. Não foi fácil ter sido atleta. Isso me dá um "know-how" muito grande. Chegar num clube profissional, ter sucesso, e, ao mesmo tempo, enfrentar muitas barreiras com as contusões, sair do estrelato, passar por clubes menores. Demorei quatro anos para ter algum tipo de sucesso de novo, após as lesões graves. Vivi uma carreira do topo até lá embaixo. Tudo que um atleta pode viver na carreira eu vivenciei: desde lidar com a dificuldade do corpo após as cirurgias, até a coisa bonita que é você jogar, fazer gol, brilhar em grandes jogos, num clube grande como o Botafogo. Hoje, eu vejo que essas experiências todas me ajudam e vão contribuir muito para a sequência da minha carreira. Mas recordar do início, da juventude, me deixa emocionado.

7. Você tem fotos com Donizete, Túlio, e outras que mostram as suas comemorações emocionadas...

Essa (com Donizete e Túlio) foi ano passado, num jogo em Juiz de Fora. Com o Túlio eu joguei em 1998, e, com o Donizete, em 2001. Esse safado quem criou o apelido, em 2001, Disse que era uma dupla felina: Pantera e Tigrão. Essa aqui (comemoração emocionada) eu tenho o jornal, guardo com carinho. Foi em 1999, contra o Flamengo. Eu não fiz o gol, mas fiz a jogada do gol contra do Pimentel. Empatamos em 1 a 1, nos classificamos para a semifinal do Torneio Rio-São Paulo. O Bebeto já estava com certa idade, ele jogava em casa, eu fora.

8. O que aconteceu naquela época com o Botafogo? Eram bons times...

Em 1998, tínhamos o elenco mais forte que vi no clube, quando subi. Na zaga, Gonçalves e Júlio César, que jogou no Borussia Dortmund (ALE) e na Seleção Brasileira; Bebeto e Túlio no ataque; Sérgio Manoel, Fábio Augusto, Pingo, Leandro Augusto veio depois; Wilson Goiano na lateral direita, Wagner no gol... era um grupo muito forte, muito forte. Em 1999, tínhamos um bom grupo e, em 2002, quando o time caiu para a Segunda Divisão, até o Rio-São Paulo, o time era forte. Mas mudou muito para o Brasileiro, que começava em agosto. Com certeza, esse grupo não cairia. Lembro que, daquele grupo, saímos eu, emprestado para o Juventude; Dodô, Cicinho jogava nesse time; Alexandre, que era meia; quase meio time, no meio do ano, saiu por problemas financeiros.

9. O que houve no vice-campeonato da Copa do Brasil de 1999, para o Juventude?

Aí eu volto: acredito muito em processo. O futebol brasileiro aprendeu um pouco, mas precisa melhorar muito em processo. Somos muito imediatistas. Por que digo isso? Acabamos de falar que, em 1998 e 1999, o Botafogo teve dois elencos fortes, capazes de disputar qualquer campeonato em nível nacional e sul-americano. Era uma briga nos treinamentos, que eram muito equilibrados, jogadores de nome. Havia sete atacantes de nome quando eu subi. Bebeto, Túlio, Zé Carlos, Chiquinho, aí tinha Tico Mineiro, Robson - que era muito rápido -, tinha um leque enorme de opções em cada posição. Eu vivenciei isso. Perdemos a Copa do Brasil? Perdemos. Mas perdemos mais que a Copa do Brasil. Foi o jogo que mais me doeu como atleta, com certeza. Mas o que mais me doeu foi ver a sequência do clube nos três anos seguintes, que culminou no rebaixamento de 2002. Quando sofre uma derrota, mas chegou numa final, você tem que levar em consideração tudo que foi feito e todos os méritos que tivemos para chegar numa final. Claro que torcida é paixão e, para mim, identificado com o clube, doeu, demorei dias para dormir direito. Mas para quem gere isso o olhar tem que ser assim. Chegamos em segundo lugar? Ano que vem vamos melhorar. Mas virou terra arrasada. Desmontaram tudo, ninguém prestava. E isso eu vejo acontecer muito, ainda, no nosso futebol. O Marcelo Oliveira deixou de disputar o segundo jogo de uma decisão (era técnico do Atlético-MG na final da Copa do Brasil do ano passado). Não pode estar certo isso e não deve estar certo. Têm que ser enfatizados esses erros porque atrapalham, por exemplo, a evolução de um menino, de um clube, cria dívida para o clube. Efeitos da má gestão que presidentes futuros vão arcar com isso. Naquele momento, quando o time cai, eu estava emprestado, mas vi onde começou (o Juventude, naquele ano, obteve o sétimo lugar no Brasileiro, melhor campanha do clube, com Ricardo Gomes de técnico). Tinham que valorizar aquele trabalho, virou terra arrasada mesmo, brigamos para não cair ali mesmo, em 1999, no Brasileiro que começava no mês seguinte. Não culpo uma pessoa, mas faltou alguém para valorizar. O Juventude mereceu também, tinha 11 caras do outro lado que correram muito, que marcaram muito, abdicaram de jogar para não sofrerem gol (o 0 a 0, no Maracanã, foi após vitória gaúcha por 2 a 1, em Caxias do Sul). As pessoas dificilmente, nesses momentos, conseguem ver o lado bom. Quando você vê o que está dando certo, a longo prazo traz para o clube uma fortaleza. Hoje, o Botafogo consegue, financeiramente, ser saudável, e, mesmo com o peso do passado, disputar uma Libertadores. Fico feliz mesmo.

10. Que tipo de problemas havia no clube, na sua época de jogador? No que era diferente?

Gestão, transparência, seriedade. Pessoas fortes, com capacidade de gerir a base, integração com o time profissional, essas coisas não tinha. Mas não é só o futuro do Botafogo, não. Se os clubes brasileiros não fizerem bem, vão ter muita dificuldade de se sustentarem. Vejo a salvação dos clubes brasileiros, pelo tamanho das dívidas, na integração com a base, no aproveitamento de jovens. Isso minimiza custos, potencializa ativos; desportivamente, o jovem ganha experiência, dinâmica, a vontade aumenta. Esse equilíbrio, e cada vez mais apostar nisso, é a diferença do Botafogo de hoje para o daquela época. Não tinha esse processo. E acho que isso vai ser um diferencial, se continuar nesse caminho, daqui a uns anos no clube.

11. Quais são as melhores lembranças da sua época de jogador do clube?

Fui revelado no Botafogo, fomos bicampeões e tivemos um vice-campeonato (estaduais). No quarto ano, eu não fazia mais parte, e o Botafogo ganhou de novo. A geração ganhou três finais e perdeu uma. Chegamos em quatro finais. Em 1998, eu subo para o profissional, com o Paulo Autuori. Joguei bem na pré-temporada. Fiz seis gols em seis amistosos. Depois um gol contra o Vitória e um contra o Guarani. Contra o Vitória, eu brinco que o Bebeto chutou e eu escorei. Mas o cara botou na súmula para o Bebeto, já que não me conhecia. Foi em Caio Martins. Subi no meio do ano. Depois desse jogo contra o Guarani, em 1998, eu torci o joelho. Em 1999, eu joguei a Copa do Brasil e o Carioca. No segundo semestre, a segunda lesão. Em 2000, não joguei. Em 2001, no Rio-São Paulo. joguei com Donizete, assim como no Carioca. Tive alguns jogos no Brasileiro, mas já com muita dificuldade por conta das lesões. Em 2002, joguei muito o Rio-São Paulo. Éramos eu e o Dodô, que, para mim, é um craque. O melhor ou um dos melhores com quem eu joguei.

12. E as lesões, que te marcaram?

A primeira, em 1998, já foi uma lesão forte no joelho direito. Mexeu com todos os ligamentos e no menisco. Eu estava titular da equipe principal, era um jogo contra o Guarani, fiz um gol. Tomei uma entrada muito feia no joelho, mas continuei jogando, mesmo com dor. Era o momento em que tinha virado profissional, não tinha como parar. Joguei quatro jogos em duas semanas, e tivemos uma semana sem jogos, depois. Ali, me sentia cansado e, num treino, eu vou girar no zagueiro, "o corpo vai e o joelho fica", como a gente fala. Ali foram três meses parados. Voltei em janeiro de 1999. Tinha jogado todo o primeiro semestre, tive algumas lesões musculares normais, fui para a Seleção Sub-20, na Copa do Brasil eu joguei bastante, mas, no início do Brasileiro, eu tive a mais séria. Não comentaram muito, blindaram no clube porque era rara, e não havia histórico de tratamento. Não tinha diagnóstico, nem previsão de voltar ou se eu ia voltar a jogar. Rompi o tendão do reto femoral da perna direita, assim como o Ronaldo rompeu. Mas eu rompi na inserção do quadril, não na patela. Foi ruptura total, assim como a dele. Fui fazer o exame e o aparelho de ultrassonografia entrava na perna. O tendão é o que sustenta o osso. Tinha um buraco ali. Foi no mesmo lado da primeira lesão e não tinha protocolo de tratamento, de prazo, se ia voltar. Era o Felipe, a grande revelação, e você não sabe o que vai acontecer com ele. O Altamiro Bottino (hoje no Palmeiras) era o fisiologista e ele falava: "Se é outro, não voltaria." Por causa dessa lesão, eu fiquei um ano e oito meses sem jogar. Voltei só em 2001. E essa foi uma lesão muito forte, que mexeu muito com o meu corpo. A partir dali, eu nunca mais passei um período sem dor. Seja na coluna, nos joelhos ou outro ponto do corpo por causa do lado direito bem debilitado. A articulação do quadril foi bloqueada, assim como o joelho também do lado direito. Quando eu retornei, foi um jogo contra o Volta Redonda, em Caio Martins, 1 a 0, gol meu.

13, Mas as dores continuam até hoje?

Hoje, sem jogar, pararam. Hoje eu vivo sem as dores.

14. Você chegou a ter alguma esperança de alcançar o nível que parecia poder, pelo início?

Eu acho que não sei se era esperança ou amor pelo que eu fazia. Ou, em certo momento, necessidade porque era o que eu sabia fazer e tinha que trabalhar. Não sei quando foi esperança, quando foi amor à carreira e, em qual momento, foi necessidade. Sei o sacrifício que foi para voltar a jogar e estar numa primeira divisão da Europa, que não era o campeonato mais importante, mas era Portugal. Uma experiência bacana também na segunda divisão da Espanha, também na Bélgica, na China. Tive momentos de alegria, mas, com certeza, foram quatro anos acabando de destruir o que restava do meu corpo. Eu já não tinha corpo para sustentar esse nível de competição. Eu tinha que sobreviver a cada treino, a cada mês, a cada fim de temporada. Eu sobrevivi.

15. E a primeira divisão do Brasil?

Quando eu saí do Botafogo (2003), o mercado brasileiro se fechou para mim por causa das lesões. O que ficou marcado e, com razão, era verdade, é que era um grande jogador, mas com um histórico de lesões muito grande, e novo ainda. Então, além disso, resultou na situação mais difícil que passei na carreira, que foi compreender que, para o resto da carreira, eu não ia chegar nesse nível de novo.

16. Precisou ou teve acompanhamento psicológico?

Não. Isso que eu falo: são coisas que qualquer ser humano passa na vida. Obstáculos da vida, qualquer um passa. Foi forte? Foi forte. Talvez mais forte do que muita coisa que passamos na vida para crescermos, mas, por eu ser tão focado e muito forte interiormente falando, eu lutava. E o pouco que eu conseguia produzir me deixava feliz. O que mais me incomodava, e eu aprendi isso depois de um tempo - talvez por isso eu consegui ir para Portugal e também fazer um bom Campeonato Mineiro pelo Tupi - foi entender que eu tinha limitações. Entender meu corpo, entender que não passaria de certo ponto. Tinha potencial técnico para, mas não tinha mais condição física. Eu vivi, no meio da carreira, ou durante toda ela, a situação que um jogador, quando está parando, vive. Ele para de jogar porque não aguenta mais atingir o nível que estava acostumado. Ele para, olha e diz: "Parei." Eu vivi isso um tempo. É doloroso, mas é uma experiência, posso falar isso, gratificante. Tenho uma experiência, com 37 anos de vida, muito grande no futebol.

17. E a sua família, nesses momentos bons e ruins?

Construí minha própria família no decorrer da carreira. Meus pais e irmãos acompanhavam a carreira e vivenciaram alegrias e tristezas. Foi impactante, negativo, mas morei em Portugal, na Espanha, na China, e não foi há muito tempo. De 2007 a 2010 eu estava ali. Metodologia de treinamento, que hoje se fala muito, eu vivenciei. Fala-se muito, e eu pratiquei antes de estudar. Quando falo "gratificante", é gratificante mesmo. Joguei no último grande público do Maracanã (101 mil pessoas na final da Copa do Brasil de 1999), joguei para públicos de 80 mil, 90 mil. Fui profissional do Botafogo muito tempo, fiz gols, tive alegrias enormes. Depois joguei em times pequenos, mas também com muitas alegrias. Estive na Cabofriense, em 2005, antes de acabar o martírio, e foi a primeira semifinal de Taça Guanabara da história do clube. O Tupi, depois de 20 anos, voltou a ficar entre os quatro melhores do Mineiro, e eu participei. No Vitória de Guimarães, estive na melhor campanha da história do clube, terceiro lugar na Liga Nacional. Eu participei. Na China, era um clube que, até aquele momento, era o único chinês campeão da Ásia. Apesar dos fortes pesares, só tenho a agradecer.

18. Você, que viveu dramas terríveis com as lesões, como entende as lesões do atual elenco?

Problema cada um sabe o seu. Falo com eles tentando entender a dor deles. Falo mesmo. E procuro falar todo dia com o Bochecha e com o Marcinho (dentre os lesionados, os mais jovens) porque sei que não é fácil. Mas vai passar e, a cada ano que passa, essas lesões já não ficam tão graves como eram antigamente. O Sassá está aí, brilhando fazendo gols, e operou o cruzado (ligamento do joelho esquerdo, em 2015). As coisas evoluíram muito na medicina. Eles precisam é ter apoio para entender que é preciso se cuidar fora de campo, nas coisas chatas, no tratamento. Tem que apoiar esses meninos, o Jonas e Luis Ricardo também, que não são meninos, mas estão por um tempo sem fazer o que gostam também. Falar todo dia. Cada um tem sua dor.

19. Você foi técnico de muitos dos jovens do elenco. Como trabalha com eles? São idades e personalidades diferentes...

Eu estou numa fase muito bacana da minha carreira. No futuro, quero ser treinador. Fui do sub-15, sub-17, e agora estou auxiliar. Isso tudo me deu a oportunidade de entender a cabeça do jovem, que ainda precisa vivenciar muita coisa, amadurecer. A minha passagem na base me deu esse "know-how" de poder entender a transição de cada um, os momentos a serem analisados. O Vinícius Tanque, por exemplo, teve mais chance que o Renan Gorne, mas não significa que, daqui a seis meses, vá continuar assim. Também não significa que o Gorne tem que desanimar. Pelo contrário. Talvez seja momento de lapidação, como o Vinícius teve no ano passado. O Emerson, no primeiro ano dele, quase não jogou, mas ano passado foi titular em quase todos os jogos. Cada um tem seu tempo. O Yuri foi muito bem no sub-20, treinando bem. Mas você sente que a ansiedade de vivenciar logo o que vivenciavam no sub-20 têm em todos eles. A gente tenta acalmá-los, mostrar que têm uma carreira, que têm um futuro. Não é para amanhã. O Botafogo está fazendo um processo de renovação do elenco profissional. Com cada vez mais jovens, vai forçar a, daqui a um tempo, não só os meninos, mas o clube a pensar a longo prazo. Tem que fazer a médio-longo prazo. Nem sempre acontece a exceção, mas estamos num ano bom.

20. Como é a relação com os jovens da geração 1998?

São filhos. Considero como filhos. Tenho três meninas e a minha esposa fala que eu tenho outros 20 marmanjos. Criamos um grupo no Whatsapp para trocarmos ideias sobre o conteúdo trabalhado no campo. Eu esperava a escola deles, a tarde, e às 17h, 18h tínhamos uma discussão tática. A esposa reclamava um pouquinho (risos).

21. Doeu perder a final da Copa do Brasil Sub-17 2015 de forma tão dramática (nos pênaltis, em casa, após vencer o primeiro jogo por 3 a 1 e levar um gol, no Nilton Santos, nos minutos finais)?

Doeu para todos. Mas o amadurecimento para esses meninos, pensando a longo prazo... quando você trabalha com meninos, ou quase homens, aquilo não tem preço. O que o clube ainda vai colher... aquela sementinha, competição de alto nível. Eu sei que o clube ainda vai colher muito. Vejo tantos pontos positivos... é logico que, como treinador, tomar o terceiro gol aos 42 minutos, da forma que foi. Fizemos um bom segundo tempo, perdemos gols, mas serviu de experiência para mim também. O sabor da derrota, da vitória, para eles, como atletas... quem dera se eu tivesse aquela experiência, como jogador, a nível nacional, na idade deles. Eu tive a nível de Carioca, a minha geração foi tricampeã, chegou a quatro finais, mas, a nível nacional, nós não chegávamos. E eles (geração 1998) contribuíram, no ano seguinte, para o time sub-20 conquistar o Brasileiro (2016). Deixamos o "start" de que podemos. Podemos disputar de igual para igual com qualquer um do país, e a nossa base forte é uma realidade.

22. O Luis Henrique começou muito bem, mas acabou tendo uma saída ruim. Para você, o que houve?

O Luis apareceu para a mídia, para o cenário nacional, na Copa do Brasil (sub-17, em 2015), mas, desde o sub-15, ele fazia muitos gols. Os números dele na base eram impressionantes. Ele sempre foi muito efetivo e artilheiro da equipe. Impressionava a todos pela dinâmica, força, finalização e velocidade. Naquela Copa do Brasil, foram 10 jogos e 14 gols. Acho difícil ter outro. Então o jeito como ele subiu, com dois gols no primeiro jogo e um bela partida, com intensidade... naquele momento, ele teve merecimento, fez por merecer. É mérito, ele trabalhou muito, eu sei. Sempre foi muito disciplinado, dedicado, trabalhador. Colheu tudo que tinha plantado. Aquilo ali ele colheu. E tudo que ele alcançou, que vem a reboque do meio profissional, o impacto é muito grande. Acho que ele teve uma dificuldade natural, bem natural. Eu já tive 17 anos. Não só ele, o clube e tudo que estava envolvido foram coisas novas, explosivas, muito fortes para um clube que há tanto tempo não botava um jogador com 17 anos no profissional. Não foi fácil de lidar nem para o clube, nem para ele. Mas ele ainda está no início da carreira, tem muitos anos pela frente, torço pelo amadurecimento dele. Voltar a ter confiança passa por aí. Ele aprender com erros, crescer. Acho que ele ainda está num período de formação. Que as pessoas que lidarem com ele entendam que eles ainda têm que finalizar a formação dele como pessoa e como atleta. Hoje ele precisa de um acompanhamento maior com olhar de formação, por tudo que ele viveu. Foi impactante para a carreira dele. É preciso analisar, a cada momento, o que o atleta está vivendo. Eu acredito que até para o atleta de 30 anos precise o acompanhamento. Acredito que o atleta tem que ter "insatisfação positiva", querer sempre melhorar. Todos, mas para quem está recém-saído da base é essencial.

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