Ao L!, CEP detalha projeto S/A: ‘O investidor terá oportunidade única’
Em entrevista exclusiva, ex-presidente do Alvinegro falou sobre os atrativos oferecidos pelo modelo clube-empresa aos interessados em aportar recursos financeiros no futebol
A ratificação pela Assembleia Geral Extraordinária de sócios alvinegros da criação do "Botafogo S/A" foi o último passo do projeto que deixa os torcedores do clube esperançosos por dias melhores. Em entrevista exclusiva ao LANCE!, o ex-presidente Carlos Eduardo Pereira, um dos responsáveis por colocar em prática a mudança de gestão no futebol profissional, deu detalhes sobre os atrativos para os futuros investidores. Segundo ele, a dívida zerada e a "marca" com tradição, história e torcida vão ser os grandes diferenciais do Alvinegro para os interessados em aportar recursos.
– O investidor vai ter uma oportunidade única. Ele vai receber a empresa Botafogo zerada, sem riscos de penhoras, porque as dívidas continuarão com o Botafogo de Futebol e Regatas. Essas dívidas serão quitadas com os royalties pagos por esse investidor, que com capital será capaz de muita coisa. É só ver a Crefisa no Palmeiras, o Paulo Nobre [Ex-presidente alviverde] foi fez muita coisa, mesmo em uma situação difícil, criou um time campeão. Então imagina um fundo de bom potencial. Os números do Botafogo não assustam um fundo que trabalha com euros ou dólares. É preciso trabalhar com gestores de qualidade, um board de responsabilidade. Investir no time Red Bull, por exemplo. Eu não sei quantos torcedores tem o Red Bull, mas eu sei que é uma bebida. É uma situação parecida com o vôlei: jogava o banco contra o sabonete. Eu não conheço ninguém que torça pelo sabonete. Você torce pelo seu clube. É completamente diferente investir no Botafogo. O Botafogo tem camisa, tradição, história e torcida. O jogador mesmo sente essa diferença. Isso é fundamental – explicou o dirigente.
O ex-presidente também falou sobre o perfil esperado do investidor, que não necessariamente vai ser uma pessoa física ou jurídica ligado ao futebol ou aos esportes. O mais importante, segundo CEP, é que a gestão seja bem feita.
– Não necessariamente o investidor tem que ser alguém envolvido com futebol, essa é só uma preferência. O investidor capitalista, normalmente, vai contratar um gestor. Quanto mais forte o fundo, naturalmente, melhor para nós, porque dá tranquilidade. Nada impede que se forme um grupo de investidores, que eles atuem em conjunto e contratem uma empresa gestora. O investidor pode contratar alguém de confiança para gerir e trazer um profissional para montar o planejamento e a estrutura. O importante é que tenha um grande fundo ou um grupo com potencial.
As etapas internas já superadas pelo Botafogo para a implementação do projeto S/A aproximam ainda mais os interessados em investir no clube dos responsáveis pelo projeto. Sem revelar nomes, o dirigente admitiu conversas avançadas com interessados, desde setembro.
– As conversas vão avançando conforme vamos cumprindo as etapas. As empresas sempre perguntam se já cumprimos tal circunstância, se determinado fator já foi aprovado no clube. Depois das aprovações, veremos qual é o perfil do fundo, como ele vai funcionar, sua rentabilidade, quando sai, como pode aplicar o dinheiro, quais são os prazos. São questões técnicas que os investidores fazem as perguntas. Mas os diálogos acontecem desde setembro – revelou Pereira.
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Quais serão os diferenciais do Botafogo para os investidores ?
- A história e as tradições do clube. A gente vê isso nos jogadores quando você leva alguém para visitar o salão dos troféus e entrega a camisa de um grande ídolo. Se chego para um garoto e digo que ele usa a camisa de alguém que foi para a Seleção Brasileira e jogou aqui à vontade. O Botafogo tem história. O número 6, o número 8, com Didi e Gerson, e isso porque nem mexi lá no 7 do Mané... Temos que valorizar isso. Vai ser importante para os investidores. O Botafogo voltando a ganhar expressão internacional, tem uma história enorme. Nós recebemos um time amador da Argentina que se chama Botafogo porque o pai de um dos jogadores era muito fã do Garrincha. No Chile tinha um menino que sabia tudo sobre o time. É um barato, não tem preço. O Botafogo tem um impacto.
Como a dívida chegou a quase R$1 bilhão e como pagar?
– O Botafogo tem uma baixa geração de caixa e, além de rolar a dívida do passado, que é alta, tem que fazer o custeio das contas do dia a dia. O Botafogo, com toda sua história, tem sempre que se apresentar em um patamar elevado. Custa caro rolar o passado e fazer um time de padrão elevado. Para isto, é preciso uma alta geração de receita, infelizmente não conseguimos isso. O ideal seria transformar esse valor do passado em um fundo de dívida e jogar isso para frente ou negociar, que é o que estamos fazendo agora, no âmbito da S/A, mas ainda assim faltaria capital para investimento. O clube se descapitalizou. O Botafogo é muito sensível a qualquer mudança, a metodologia de pagamento das cotas de televisão, algumas penhoras aconteceram mais rápido do que se esperava, a penhora cível não tem como controlar. O juiz não quer nem saber se vai sobrar receita. Juntam três, quatro penhoras e isso te paralisa. O ideal seria que a legislação limitasse um percentual, algo como 20%, 25% da receita, mas não 100%, não tem como pagar salário e despesas correntes. Não dá para resolver numa tacada o problema que vem antes da gestão e inviabilizar a gestão. Essa sequência de penhoras chega a ser cruel.
Expectativas do Projeto S/A?
– Vejo o Botafogo trilhando um caminho importante, de muita responsabilidade, um caminho, acima de tudo, de fortalecimento interno. É colaborativo, porque há pessoas de várias tendências trabalhando juntos, pensando única e exclusivamente no Botafogo, e agradecemos aos irmãos Moreira Salles pelo estudo feito com a Ernst & Young, que deu um norte ao clube. Acho que estamos respondendo a eles transformando esse trabalho em realidade. Estão todos dando o melhor de si, é um momento que todo mundo está voltado para concretizar esse passo. É importantíssimo. O Botafogo é vanguarda nessa iniciativa. Claro que existem outros clubes, mas entre os dez maiores do Brasil, nenhum chegou ao estágio que o Botafogo está. É um modelo importante, já temos contato com alguns fundos internacionais, é algo feito com muita responsabilidade e consistência. Estou animado.
Como pioneiro no modelo clube-empresa, o Botafogo também pode ser o primeiro a errar?
– Há um risco de não fazer o ótimo ou não fazê-lo tão bem, mas é um risco que temos que correr. O pioneiro é o que está se lançando no assunto, mas a equipe por trás é muito boa. O Marcelo (Trindade) é excelente, foi presidente da CVM, da Laplace. O Laércio (Paiva) é muito bom, o André Chame é excelente. Todo o estafe que está envolvido na montagem do trabalho, junto com a Ernst & Young, que deu o pontapé inicial, é muito consistente. É claro que a hora que a gente colocar o nosso projeto em pé, outras pessoas vão aperfeiçoar, vão ver o que é possível melhorar. Mas o importante é que nosso modelo funcione. O 14-bis voou, depois vieram outros, mas o importante é que ele voou. O modelo do Botafogo vai ser aperfeiçoado com o tempo também, futebol é algo dinâmico.
A S/A é o único caminho possível para o Botafogo?
– A gente vê com muita semelhança com a volta de General Severiano. O Botafogo vendeu o estádio e a sede e, durante muito tempo, ficou tentando voltar a General Severiano esperando que alguém devolvesse de graça a ele. Nós íamos morrer ali e ninguém ia devolver a sede, porque tinha sido vendida. No dia que o Jorge Aurélio [ex-conselheiro] perguntou se a gente queria permutar General Severiano em troca do Mourisco Pasteur, o presidente da Vale pulou da cadeira pulou da cadeira e disse "Finalmente alguém do Botafogo nos traz uma proposta comercial, vamos estudar". E o negócio saiu. Perdemos o Mourisco Pasteur, paciência. Agora é a mesma coisa. Vamos abrir mão da gestão do departamento de futebol por um tempo, se esse é o preço a se pagar para ter grandes equipes, que a nossa torcida volte a crescer e ter orgulho do clube, que a gente volte a brigar por grandes títulos e tenhamos a dívida paga, vamos seguir esse caminho.
O que pensa sobre as declarações de Carlos Augusto Montenegro que comparou o Botafogo a um 'paciente em estado terminal na UTI'?
– Conheço muito bem o Carlos Augusto. É uma pessoa apaixonada pelo Botafogo e o momento é extremamente difícil. Ele tem razão ao fazer esse alerta. Estou otimista em saber que estamos no caminho certo, mas não estou otimista no sentido de que a gente deva relaxar nesse processo. Muito pelo contrário, temos que estar sempre atentos, tanto é que eu abri mão de participar do comitê de futebol porque eu acho que a gente precisa se dedicar o máximo possível no trabalho da S/A. O clube-empresa é fundamental e nós vamos ter um começo de ano muito duro. Esse é o caminho que nós temos. Não temos outra alternativa para colocar. Essa condição é muito importante, o Montenegro está certo. A figura de um "paciente na UTI" talvez seja um pouco pesada, mas o sentimento dele está correto.
A prioridade agora é um Botafogo competitivo ou viável?
– A gente está fazendo isso para o Botafogo se tornar competitivo novamente. Não é apenas para ser um sobrevivente não. É para ser competitivo, ter destaque. Esse ano, principalmente, vai ser difícil, vai ser o período de montagem e vai depender do prazo que você consiga o fechamento disso. No mundo, as taxas de juros são decrescentes, então os investimentos de risco estão atrativos. O futebol é um investimento que proporciona uma rentabilidade fantástica. O CT do Botafogo concluído ao longo de 2020 é um celeiro formador de grandes jogadores. Revelando dois, três grandes jogadores por ano, e nós já temos os meninos do sub-15 com muito destaque, como o Kauê e o Matheus Nascimento, temos um potencial enorme com eles e a formação de outros em categorias distintas. Às vezes os atletas demoram um pouco para aparecer, mas sempre chegam.
Como será feira a contratação de jogadores quando a S/A passar a funcionar?
- Quando a S/A começar os gestores poderão contratar quem quiserem a custo deles. A responsabilidade será deles. É possível que cheguem vários jogadores novos no meio do ano, desde que o contrato esteja assinado e já tenha o investidor assumindo a SPE (Sociedade de Propósito Específico). É algo viável.
O que acontece se um investidor quiser desistir?
- O investidor capitalizou a S/A, então há um valor colocado ali. Se o fundo quiser abandonar e perder esse investimento, ele tem ativos ali colocados. Ativos na forma de jogadores, de pagamentos, de royalties ao Botafogo, obras. É preciso fazer uma avaliação completa. Existirão multas contratuais prevendo esses abandonos, tudo isso será colocado. Mas é muito pouco provável que uma empresa de peso desista. Os valores de multa são significativos e iria contra a imagem mundial da empresa, queimaria a reputação e ela ficaria sem credibilidade. Os instrumentos contratuais estão sendo finalizados pelo Departamento Jurídico. Vamos deixar isto bem amarrado. E vale lembrar que todos esses elementos terão que ser submetidos ao Conselho, com os números exatos. Eles aprovaram o conceito, é uma operação com um prazo muito longo. Nenhum de nós tem autorização de firmar anuência sem autorização do Conselho Deliberativo ou da Assembleia Geral.
É possível que algum integrante do atual comitê gestor do futebol permaneça na gestão da S/A?
– Não creio. É um grau de profissionalização acima. Falo por mim, eu tenho certeza que não. Como meus críticos falam, sou um amador com orgulho. Amador entre aspas, tenho uma atividade complementar. Não admito que o Botafogo me pague absolutamente nada, nem as viagens que fiz em 2017. Se alguém tem que pagar isso sou eu, não o clube.
Uma eventual aprovação pelo Congresso do o projeto de lei do Deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) que trata de clube-empresas vai influenciar no projeto do Botafogo?
- É um projeto que a gente espera esteja aprovado até o final de março, porque ele traz algumas definições, principalmente na parte tributária, que são positivas. Estamos contando com a aprovação, o que vai ser bom para nós. A S/A vai acontecer independente disso, você vai adaptar o negócio às condições, o importante é ter em mente o seguinte: é negócio, livre, entre duas partes. Se a lei favorece, você trabalha em condições melhores. Se a lei dificulta, você trabalha com condições não tão boas, mas você faz o negócio. O importante é considerar o livre-mercado, mas confiamos que venha a ser aprovada, é uma pauta importante para os clubes e outras áreas que recebem descontos e benefícios.