Destaque do Botafogo no NBB, Jamaal abre o jogo: ‘Cresci vendo traficantes, mas não precisava disso’
Ao L!, norte-americano afirma que teve infância complicada, viu o crime de perto e o basquete foi responsável por lhe 'salvar'. Atualmente, armador lidera Glorioso nos playoffs
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Henderson, Los Angeles. Indo na contramão dos cartões postais da "cidade dos anjos", Jamaal Smith, jogador do time de basquete do Botafogo, que vai enfrentar o São José nesta sexta-feira, às 21h10, em General Severiano, pelo segundo jogo das oitavas do NBB, cresceu em uma comunidade dominada pelo tráfico. Ao LANCE!, o americano contou a história de sua vida. Em certo momento, até reconheceu que as pessoas envolvidas com esses fatores eram respeitadas. Com o passar do tempo, enxergou que existia uma "luz no fim do túnel" em busca do sucesso na vida.
- O basquete para mim foi muito grande. Quando eu estava crescendo, as pessoas que eu olhava eram os traficantes, gangsters e coisas do tipo, porque eles eram quem tinha dinheiro. Tem muitas coisas aqui no Brasil que são parecidas com os Estados Unidos. Os caras na comunidade cresceram vendo esse tipo de gente com dinheiro, tendo respeito. Só que você não precisa viver essa vida para receber respeito, ganhar dinheiro e ter coisas boas - afirmou.
Corpo longe, coração perto. Apesar de estar no basquete brasileiro desde 2013, Jamaal não esconde o sonho de retornar para o bairro de infância um dia. De acordo com a palavras dele, seria para mostrar às crianças da comunidade que elas também podem enxergar maneiras de serem bem sucedidas na vida sem entrar para o tráfico. Além disso, o armador destaca a presença do pai, Robert Smith, ex-jogador, que atuou na NBA no século passado, para esse processo.
- Esporte, não só basquete, é uma coisa muito especial. Quando eu estava com 16 anos, eu cresci, amadureci e vi que tinha um pai que jogou na NBA e na Europa, que eu queria ser igual a ele. Eu quero voltar (para o bairro dele) e dar um jeito para essas crianças, mostrar que tem várias coisas que você pode fazer. Não precisa se tornar um traficante, com todo respeito, já que tiveram muitos gangsters que não deixaram que eu me envolvesse nessa vida. Sempre terei respeito pelos caras da minha comunidade, meus primos, minha família, mas essa vida não era para mim. Eu quero voltar e mostrar para as crianças que existem muitas maneiras de melhorar a vida, não apenas com o basquete.
Depois de superar a onda de violência, Jamaal Smith entrou para a universidade de New Mexico. O armador participou dos torneios universitários, tradição nos Estados Unidos, mas não foi escolhido por nenhuma equipe da NBA. Tempo depois, porém, o norte-americano teve a chance de fazer um campo de treinamento com o Cleveland Cavaliers, mas não ficou no elenco principal. Ele pensou em largar tudo de mão.
- Não aconteceu. Eles me tiraram, e foi um momento decisivo da minha vida. Cheguei em casa, não queria saber mais de jogar, porque não consegui realizar meu sonho e falei que ia parar. Mas meu pai, que sempre ficou do meu lado, me falou que eu precisava acreditar, continuar treinando, que minha oportunidade chegaria, que eu deveria ficar focado. Eu fiz isso e a chance de vir para cá e jogar no Brasil chegou - comentou.
Brasil. Local desconhecido, tampouco visitado. De primeira, Jamaal recusou a proposta, mas foi convencido, de uma forma um tanto quanto icônica, a jogar em solos tupiniquins. O armador teve como referência o bairro de Copacabana, mas, quando chegou na América do Sul, viu que o alvo era um local da Região dos Lagos do estado.
- Não me falaram para qual cidade eu iria, nem nada. Fiquei sabendo apenas que era no Rio, mas eu não queria ir ao Brasil, então recusei. Um cara então me perguntou: "Você conhece Brasil?". Eu respondi que não, então ele me pediu para pesquisar no Google. Eu pesquisei e achei várias fotos de Copacabana, e mudei de ideia: "É claro que vou jogar lá". Só que quando cheguei, não era primeira divisão, não era na capital. Eu estava no Macaé e perguntei: "O que é isso?" (risos) - contou.
Seis anos depois de ter chegado ao Brasil, a recusa inicial da proposta do Macaé parece que virou um arrependimento. A impressão é que, se pudesse, teria vindo antes para o país, já que, no local, evoluiu como jogador, conquistou títulos e viu o nascimento do primeiro filho.
- É impossível trocar essa situação por qualquer coisa. Eu tenho um filho aqui, ele é brasileiro, meu único príncipe, nasceu em Macaé. Não só isso, mas o contato que eu tenho com os torcedores é grande. Minha carreira só subiu desde que eu cheguei ao Brasil - completou.
Herói para uns, vilão para outros 👀🔥#PlayoffsNBB#DeOlhoNoTítulo@botafogo pic.twitter.com/5vt6yMaqjB
— NBB CAIXA (@NBB) April 2, 2019
Veja outros trechos da entrevista de Jamaal:
Qual a importância do seu pai na vida?
Eu estou tentando que ele venha para cá e assista um jogo dos playoffs. Ele foi para Macaé uma vez, para mim foi uma coisa maravilhosa. Eu cresci vendo ele. Estive no vestiário com ele e o resto do time quando eles ganharam um campeonato lá na França. Eu torcia para ele e agora é ele que torce para mim. Não tive uma vida perfeita, mas ele sempre ficou do meu lado, sempre me ajudou. Ele não é só meu pai, é meu melhor amigo.
Pretende que seu filho também jogue basquete?
Meu filho lá nos Estados Unidos não joga basquete, e sim futebol, um esporte que eu sou muito ruim. Eu vou ser igual meu pai foi para mim, não vou colocar uma bola de basquete no rosto dele. Eu assistia meu pai jogando e queria jogar, fazer as mesmas coisas que ele. Eu faço isso com meu filho, eu tenho vídeos dele arremessando. Ele tem três anos e já dribla com as duas mãos, isso é sensacional. Eu não estou colocando nada na vida dele, mas ele sempre me pergunta "Pai, você treinou hoje? Eu já treinei". É uma coisa que eu estou sentindo do outro lado, aquilo que meu pai sentiu.
Evolução do Botafogo no NBB
Eu acho que é muito por conta do conjunto. Desde o ano passado, estamos em um processo ao lado dos diretores, do técnicos, dos jogadores. Estamos crescendo ainda. Tem muita coisa que podemos fazer nesses playoffs, é um caminho que a gente tem que continuar percorrendo dia a dia. É muito especial dar essa situação aos torcedores, que sempre estiveram com a gente nos momentos difíceis. Agora, eles estão vivendo e ajudando a realizar nossos sonhos.
Léo Figueiró, treinador da equipe
Ele e Jece (auxiliar técnico) tem muito conhecimento. A gente parece eles dentro de quadra. Quando você está dentro de quadra, eles não podem jogar, mas eles podem colocar coisas em cima da gente para nós aprendermos e jogarmos do jeito que eles querem. O Léo é muito grande por tudo isso que está acontecendo no clube.
Pressão dos torcedores adversários em jogos fora de casa
Eu sempre me disse uma coisa, desde que era jovem. Coloquei na cabeça que isso que está acontecendo na quadra, na verdade, não é nada. Eu tive muito mais coisas difíceis na minha vida que foram muito mais complicadas do que qualquer coisa que pode acontecer dentro de quadra. Se a bola caiu ou não caiu, vai ter um outro dia para viver, vai ter um outro dia para melhorar.
Dificuldades da vida
A realidade fora de quadra é outra coisa. Teve algo que aconteceu algo que aconteceu há pouco tempo que me deixou triste. Um contador lá nos Estados Unidos, o RP, morreu domingo passado. Ele era da mesma comunidade que eu, lá em Los Angeles. Foi um cara que cresceu como traficante, mas ele mudou para ajudar a comunidade dele. Ele perdeu a vida tentando ajudar as pessoas de lá. Na minha vida, aconteceram muitas coisas que qualquer coisa que pode acontecer nessa quadra não vai me deixar com medo. No próximo dia, vou viver, poder encontrar minha família. Mas, se você perder na vida, não vai ter outra chance. Eu estou focado, não vou mudar minha mente, eu treino muito para jogar. Ganhando ou perdendo, eu vou dormir sabendo que dei tudo de mim. Eles podem falar qualquer coisa, não vou ligar muito.
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