Título, nova era e fim do jejum: há 30 anos, Botafogo era campeão carioca

LANCE! falou com Valdir Espinosa, treinador da equipe que conquistou o Estadual de 1989, que deu fim a jejum de 21 anos sem títulos no clube de General Severiano

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O Botafogo vivia um dos piores momentos de sua história há 30 anos. O Alvinegro convivia com um período de 21 anos sem títulos e a pressão por conquistar era gigantesca. Em 1989, o Glorioso apostou na chegada de Valdir Espinosa para o comando técnico e a escolha se pagou: nesse mesmo dia, há 30 anos, o clube de General Severiano derrotava o Flamengo por 1 a 0, com gol de Maurício, e voltava a ser campeão.

O LANCE! falou com Valdir Espinosa, um dos responsáveis por tirar o Botafogo da fila e iniciar o começo de uma nova era em General Severiano. O treinador afirmou que o começo do trabalho foi preocupante pelo 'fantasma' da pressão gerada pelo jejum sem conquistas. 

- Sabia que ia completar 21 anos sem título em uma equipe como o Botafogo, mas não imaginava que seria dessa forma. No momento que cheguei, não eram os adversários, mas sim os próprios torcedores do Botafogo que não acreditavam que aquele pesadelo fosse acabar. Era comum ouvir pessoas que a passagem não daria certo, que muitos treinadores chegaram no Botafogo com a mesma vontade de vencer e não conseguiram alcançar o objetivo. O início foi algo que preocupava bastante - afirmou.

Apesar de certa desconfiança dos próprios torcedores, Valdir, após realizar uma análise inicial, entendeu que os jogadores que no elenco estavam tinham condições de realizar um bom trabalho. Espinosa destacou que a mudança de pensamento em cima dos jogadores foi fundamental para a futura conquista.

- A primeira coisa é valorizar o Emil Pinheiro, ele foi extraordinário. Ele tinha condições e queria contratar vários jogadores, só que a primeira coisa que eu disse a ele foi para não contratar ninguém, que deveríamos conhecer o grupo e comprar apenas aquilo que fosse necessário. No dia a dia nós fomos conhecendo os jogadores e chegamos à conclusão que precisávamos de um lateral-esquerdo e um homem de ataque, porque o resto nós já tínhamos no elenco. A cada momento eu senti que nós tínhamos que aliviar essa pressão, que estava em cima de cada jogador. Eles não eram responsáveis por esses 21 anos, mas seriam os responsáveis por terminar esses 21 anos. Trabalhamos em cima disso. Existe diferença em trabalhar com peso dessa culpa e trabalhar com a possibilidade de ser aquele que vai acabar com a marca - analisou, e adicionou mais, falando que o trabalho coletivo também foi importante.

- Mesmo que de forma inconsciente, aquilo (pressão) pesava. Cada treinamento e cada jogo sempre estava presente esse peso, nossa foi preocupação foi em mostrar a eles que nenhum de nós, sozinho, seria capaz de acabar com aquele jejum, mas se todos nós trabalhássemos juntos, haveria a possibilidade de vencer. A partir do trabalho coletivo eles entenderam esse recado. A liderança não precisa estar um degrau acima, ela pode estar no mesmo nível, a partir dali, nesse mesmo degrau, viemos juntos e nós fazemos um trabalho. Ninguém teria uma importância maior, o treinador não seria o melhor, quem fizesse o gol não seria o melhor, ninguém seria. Todos seriam importantes e a soma de todos é que resultaria em um Botafogo forte - completou.

Treinador destaca o coletivo do Botafogo (Foto: Reprodução)

A equipe
Como citado anteriormente, Valdir Espinosa enxergou qualidade naquele time, que havia citado montado praticamente no ano anterior, apesar do longo tempo sem conquistas. Além disso, o treinador afirmou que trabalhou para que o elenco não deveria jogar para perder, já que qualquer resultado negativo poderia resultar em um exacerbado aumento da pressão, que já incomodava os bastidores daquela equipe. 

- Eu vi qualidade técnica naquele time. Havia uma zaga com Gottardo e Mauro Galvão, nós tínhamos Josimar, Carlos Alberto, Paulinho Cricíuma, Maurício... Eu vi que os caras tinham qualidade técnica e, a partir daí, desenvolvi um trabalho no aspecto tático, físico e emocional, para que pudesse vencer. Não adianta ser bom e emocionalmente não estar preparado, achando que sozinho vai resolver. Todos esses aspectos foram trabalhados dia a dia, e a confiança foi aumentando. Eu não passei isso para eles, mas eu sabia: ou éramos campeões invictos ou não ganharíamos o campeonato, porque se perdêssemos alguma partida, a imprensa e os torcedores já começariam a adotar uma postura mais negativa. Então, a cada jogo, ou ganhávamos ou empatávamos, mas não perdíamos, então a expectativa do torcedor ficou mais forte e os torcedores passaram a acreditar mais e mais.

Aos poucos, o Botafogo foi conquistando vitórias e boas atuações. O Alvinegro bateu na trave na Taça Guanabara, primeiro turno da competição, ficando um ponto atrás do Flamengo, que se garantiu na decisão da competição. Mesmo assim, foi praticamente impossível não ver uma partida do Glorioso sem um público considerável na Taça Rio, o segundo turno da competição.

- A confiança veio a cada jogo que a torcida via, a cada lance que os jogadores disputavam, a entrega que eles tinham. Eles entravam com o compromisso de lutar, a vitória seria consequência daquela luta, mas o compromisso de lutar seria sempre durante os 90 minutos. Naquela oportunidade, em 1989, o futebol carioca era o mais clássico do Brasil, o futebol gaúcho era o futebol guerreiro. Quando eu cheguei aqui, quis trazer a garra, mas não deixar a classe de fora. Nós mantivemos a categoria técnica do futebol carioca daquela época, mas trouxemos a garra do futebol gaúcho e aí a equipe teve esse crescimento.

Time do Botafogo no segundo jogo da final (Foto: Divulgação)

Ricardo Cruz; Josimar, Wilson Gotardo, Mauro Galvão, Marquinhos; Carlos Alberto Santos, Luisinho, Vítor; Maurício, Paulinho Criciúma, Gustavo (Mazoli­nha/Jeferson). Essa era a base do Botafogo no Campeonato Carioca de 1989. No tempo em que grandes meio-campistas atuavam atrás da linha ofensiva, Valdir Espinosa apostou em uma tática com três volantes, até então uma novidade no futebol brasileiro. 

- Um mês e meio antes da decisão com o Flamengo, campeão de um turno e com vaga na final, eu coloquei os três volantes. Foi a primeira vez no Brasil que uma equipe jogou com três volantes: Carlos Alberto Santos, Vitor e Luisinho. O segundo aspecto tático foi jogar com dois pontas abertos sem centroavante fixo: o Paulinho Criciúma era o atacante e, ao mesmo tempo, um homem de meio-campo, vinha para trás. Adiantados ficavam Maurício e Gustavo, depois veio o Mazolinha e o Jeferson. Nós lançamos os três volantes e os atacantes abertos com o falso nove, os jogadores entenderam a movimentação que tinha que fazer e isso ajudou na conquista do título.

A reta final do Carioca
O Botafogo de 1989 era marcado pela luta e trabalho coletivo. A partida mais importante daquela campanha, nas palavras do próprio Valdir Espinosa, não foi o segundo jogo da final, que decretou o título para o Alvinegro, mas sim um duelo diante do Flamengo, na quarta rodada da Taça Rio. O Rubro-Negro vencia por 3 a 1 no segundo tempo, e o Alvinegro buscou o empate, com direito a um gol de Vitor, aos 42 minutos da etapa complementar. 

- Era o jogo decisivo, o Flamengo já tinha vantagem. Se eles ganhassem, seriam campeões do turno e do campeonato. O jogo mostrou o espírito da equipe: lutar durante os 90 minutos, não importa o que acontecesse, o placar contra ou os gols levados, a gente nunca se entregava. Essa foi a demonstração desse espírito, estávamos perdendo de 3 a 1 para o Flamengo de Zico, uma equipe tecnicamente superior ao Botafogo, mas aquele empate nos deixou na disputa do campeonato. Foi a partida que determinou o nosso destino na competição.

O empate realmente foi fundamental já que, meses depois, o Botafogo foi o campeão da Taça Rio. A final, portanto, seria disputada entre os campeões das duas metades do Campeonato Carioca. Rubro-Negro e Alvinegro estariam, novamente, frente a frente. Desta vez, pelo título da competição. Como tudo que cercava o clube de General Severiano, Valdir revelou uma superstição que marcou aquela campanha.

- Eu ia com a mesma roupa em todos os jogos, uma calça preta e uma camisa branca. Podia fazer sol, chover, ter tempestade, que eu vestiria a mesma coisa no jogo. Além disso, também tinha o Luisinho. Na preleção antes da primeira partida, ele usou uma camisa do Napoli que o Maradona deu para ele. Como o time o ganhou, ele também vestiu na segunda preleção e aí ele não tirou mais. Toda preleção ele descia com a camisa do Maradona. Na preleção da final, ele desceu e não botou a camisa e eu falei que ele não jogaria e iria embora se não a colocasse, aí tirou a camisa da bolsa, vestiu e aí que eu comecei a falar com eles.

O gol de Maurício (Foto: Divulgação)

A decisão marcou a presença de dois técnicos marcantes no futebol nacional nos anos 80: Valdir Espinosa e Telê Santana. O comandante do Botafogo afirmou que a entrada dos três volantes, que aconteceu no começo da Taça Rio, foi pensada justamente para o confronto contra o Flamengo de Telê, com o objetivo de travar os laterais Jorginho e Leonardo. 

- O jogo final foi estudado bem antes, essa formação não colocamos para o dia do jogo, mas nós começamos a jogar desse jeito visando essa partida. O Flamengo tinha dois laterais que apoiavam muito, com os dois ponteiros abertos eles seriam bloqueados. O Paulinho Criciúma voltaria para trás, os dois zagueiros ficariam sem ter quem marcar, então a gente esperava que eles saíssem. Quando isso acontecia, abria o espaço para a entrada dos ponteiros que tinham velocidade em diagonal, encontrando os espaços livres.

Valdir Espinosa afirmou que os três homens de meio-campo estavam com uma função defensiva - e a árdua missão de travar Aílton, Renato e Zico - mas que também sabiam atacar. O treinador também afirma que a formação, novidade no futebol brasileiro, foi uma surpresa para o adversário. 

- O outro lance tático foram os três volantes. O meio-campo do Flamengo, tecnicamente, era extraordinário sobre todos os aspectos, mas tinha um detalhe: os três volantes eram de marcação, mas todos eles tinham habilidade de passe, entrar na área, tanto que o Vitor fez gol em clássico. Eles tinham a característica de defender, mas sabiam atacar e isso fez com que fosse uma surpresa. Ninguém jogava com três volantes, com dois atacantes abertos e um falso centroavante, quando entramos com essa formação, já treinada antes, nós já estávamos em dia com os movimentos que deveriam ser feitos e ganhamos.

No dia 21 de junho de 1989, o Botafogo venceu o Flamengo por 1 a 0. Aos 12 minutos do segundo tempo, a equipe fez uma jogada pelo lado esquerdo, Mazolinha cruzou e Maurício teve apenas o trabalho de empurrar para o gol. O Alvinegro era campeão carioca de forma invicta e dava fim ao jejum de 21 anos sem conquistas. 

- A primeira coisa que eu fiz foi olhar para o placar. Logo que cheguei no Rio de Janeiro, fui entrevistado pelo jornalista Márcio Guedes e, quando a entrevista acabou, ele desligou o microfone e disse para mim 'Parabéns Espinosa, desejo sorte para ti, mas não sei não, não acredito que vai ganhar. Todo mundo diz que vai ganhar e ninguém ganha'. Aquilo me deu uma raiva tão grande que eu olhei para ele e disse que ele olharia a luz do Maracanã acender e depois falaria com ele. Quando terminou o jogo, a primeira coisa foi esperar, olhando para o placar, a luz ascendeu com a mensagem que o Botafogo era campeão carioca invicto.

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Depois da Libertadores e Mundial, foi o maior título da sua carreira?
- Eu respeito todos os torcedores. Para o torcedor do Botafogo, o Carioca de 1989 é mais importante que a Libertadores e Mundial do Grêmio. Para o torcedor do Grêmio, obviamente, é o contrário. Fui campeão com o Brasiliense e sei que o torcedor considera aquele títulos mais que os outros. Para cada torcedor, o título tem sua importância. É claro que cada campeonato tem a sua história e todas elas foram importantes. Eu aprendi que todos os títulos que conquistei chegaram com muito trabalho, companheirismo e dedicação. Todos os jogadores tinham o compromisso de ajudar um ao outro para vencer. O título de Libertadores e Mundial pelo Grêmio foi um sonho realizado. O título carioca do Botafogo era um pesadelo que acabava.

Mazolinha
- Era um jogador que tinha muito velocidade e como jogávamos com dois atacantes pelo lado e sem o centroavante fixo, nós tínhamos que ter rapidez. Dos três que jogavam pela esquerda (Gustavo, Jeferson e Mazolinha), era o que mais velocidade tinha, ele entrou exatamente para buscar isso e a jogada do gol nasce com uma puxada de velocidade, para chegar no fundo e cruzar.

Maurício
- Era outro jogador que, pelo lado, tinha velocidade, drible, finalização. Como atuávamos com esse atacante que vinha de trás, o espaço que abria para a entrada em diagonal era maior, para receber um lançamento. Também tinha altura para cabecear um cruzamento que vinha da linha de fundo. Dento daquela função, era um jogador que eu considero completo: ele tinha velocidade, finalização, altura e participava na pressão ao adversário. Era um jogador extraordinário.

Paulinho Criciuma
- A inteligência fora de campo e a visão dentro de campo dele se destacavam. Era um jogador de qualidade técnica, tinha bom passe, a entrada na área para finalizar, o cabeceio. Vindo de trás, ele não tinha uma marcação individual, o que fazia que ele entrasse livre em espaços ou recebesse a bola com liberdade para iniciar a jogada. Era um atleta que tinha a característica de ser o falso nove, fazer a marcação no meio-campo, mas pisar dentro da área para a finalização. Sem a bola, era um meia com funções defensivos; quando tínhamos a bola, ele era um meia atacante.

Relação com os torcedores do Botafogo atualmente
- Foi sensacional. Até hoje eu brinco com torcedores do Botafogo e os reconheço rapidamente. Quando alguém me diz 'Eu queria...', eu pedia para ele parar de falar e dizia 'Queria te agradecer pelo título carioca de 89', eles me perguntam como eu sei, e respondo que todo botafoguense, quando me encontra, diz isso. Há um carinho muito grande pelo torcedor do Botafogo, o reconhecimento do torcedor vale mais do que qualquer coisa, porque foi para eles que todos nós nos esforçamos para dar alegria. Quando os anos passam e mesmo assim você não é esquecido, não há dinheiro que pague.

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