Coluna do Bichara: Alguma coisa tem que mudar, para que tudo continue igual

Luiz Gustavo Bichara fala sobre os acontecimentos do final de semana do GP do Bahrein<br>

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No festejado romance Il gattopardo, Giuseppe di Lampedusa trata dos conturbados anos que precederam a unificação da Itália. Na mais famosa frase do filme, diz o Príncipe de Salinas: “É preciso que alguma coisa mude, para que tudo permaneça como está”. Essa afirmação emula as alterações de regulamento na F1 em 2023. Algo mudou, mas a hegemonia da Red Bull não parece ameaçada.

A temporada teve início nesse domingo, no pouco empolgante circuito do Bahrein. Embora 63% dessa corrida noturna seja feita com pé embaixo, geralmente o que se vê é uma prova com poucas ultrapassagens. Não demorou muito para notar que as esperanças de ameaça aos Touros Vermelhos foram desmanchadas no caldo azedo da decepção.

No sábado, uma classificação sem grandes surpresas. Ao Q3 chegaram os suspeitos de sempre, com as duas Red Bull puxando o pelotão. Charles Leclerc vinha bem, mas saiu do carro quando ainda faltavam dois minutos para o fim da classificação, aparentemente para poupar um jogo de pneus. Mesmo assim o monegasco garantiu o 3º lugar, menos de um milésimo atrás de Sergio Perez. Em seguida Carlos Sainz acompanhado de perto por Fernando Alonso, que posicionou a Aston Martin à frente das Mercedes de George Russel e Lewis Hamilton.

Na largada de domingo, o incumbente Max Verstappen defendeu com tranquilidade a pole, enquanto Leclerc, que largou bem, ultrapassou Perez. Mais atrás as duas Aston Martin se tocaram, com Lance Stroll (o filho do patrão) abarroando Alonso. Foi engraçado ouvir a mensagem do espanhol pelo rádio (“They can’t do that”), sem saber que a barbeiragem que quase lhe custou a corrida era obra do inconstante “chefinho”.

A corrida seguiu morna até a volta 26, quando Perez finalmente ultrapassou Leclerc e reassumiu a 2ª posição. A coisa só esquentou mesmo na volta 37, quando Alonso e Hamilton disputaram um belo pega, lembrando a época em que os dois eram companheiros de equipe na McLaren em 2007 – com o espanhol levando a melhor.

Um pouco adiante, na volta 41, uma pane na Ferrari de Leclerc o tirou da corrida, disparando um Virtual Safety Car. Alonso (que já tinha ultrapassado Russel) mais uma vez fez valer o ingresso, e partiu à caça de Sainz e de um lugar ao pódio. Era hora da onça beber água, e água a onça bebeu: no duelo espanhol, o veterano não tomou conhecimento de seu protegido, o ultrapassando sem dificuldade.

Verstappen, que correu sozinho o tempo todo, seguiu olímpico para a vitória, escoltado por Perez. Sainz chegou em 4º, seguido por Hamilton, Stroll (que quase ficou fora da corrida por conta do acidente de bicicleta que sofreu) e Russel.

Mas “o cara” da corrida foi mesmo Alonso. Os tubarões ficam velhos, mas seguem mordendo. Aos 41 anos deu show, mostrando que com uma Aston Martin que aparenta estar realmente competitiva, pode incomodar esse ano. O espanhol estreou na F1 22 anos atrás (quando Verstappen tinha 4 anos de idade). Toda essa nova geração de pilotos o viu correr pela TV, e seguramente o tinha no seu panteão de ídolos. O mais espantoso é que Alonso faz parecer pilotar em alta performance como algo trivial. Enquanto despachava adversários em sequencia, pelo rádio, fazia comentários sobre a degradação de pneus e performance dos outros carros, perguntava pelo seu companheiro de equipe (afinal, mesmo para ele, vale o ditado “o saco do chefe é o corrimão do sucesso”), e ainda fazia comentários do tipo “This is a lovely car to drive”, mais propício a quem dirige um novo modelo de minivan familiar do que um F1.

No Bahrein também já foi possível constatar que se Ferrari, Mercedes e Aston Martin devem disputar o título de “best of the rest”, McLaren e Alpine (que protagonizaram a luta pelo 4º lugar ano passado) estão com problemas. O estreante Oscar Piastri, após ficar no Q1, abandonou com problemas elétricos, e Lando Norris foi ao box mais de 4 vezes, chegando em último. Na Alpine Esteban Ocon recebeu três punições em sequência, terminando por abandonar, enquanto Gasly – que fez uma boa estreia pelo time francês – chegou apenas em 9º.

Já a Wiliams parece estar melhorando; Alex Albon chegou em 10º (e fez um pontinho), e o estreante Logan Sargeant em 12º.

Em duas semanas teremos a corrida no circuito de rua da Arábia Saudita. Não há muitos elementos para crer que não veremos outro passeio da Red Bull. E como o mexicano Perez só triunfará sobre Verstappen quando seu conterrâneo Zorro prender o Sargento Garcia, vocês já sabem o que vai acontecer.

Como disse o jornalista Helio Sussekind, vai parecendo que a trilha sonora da temporada será aquela canção do Leo Jaime: “nada mudou”.

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