Pela 37ª vez a F1 chegou a down under, para o GP da ensolarada Melbourne e sua interessante pista de Albert Park, que, embora seja um circuito de rua, tem um traçado desafiador, percorrido 78% do tempo com pé cravado. Aleluia! Finalmente tivemos uma prova animada, aliás, caótica.
O final de semana começou agitado fora das pistas, com boatos de que Lewis Hamilton (que ainda não renovou com a Mercedes) poderia ir para a Red Bull, e troca de farpas entre o inglês e seu velho rival Fernando Alonso. Há também uma polêmica em torno da declaração de Stefano Dominicale (CEO da F1) sobre a intenção de por fim aos treinos livres como eles são hoje, agregando à sexta-feira alguma ação competitiva de pista (como a classificação, que seria então nesse dia, deixando uma sprint race – desvinculada da posição de largada no domingo – para sábado). Houve choro e ranger de dentes de alguns, como Max Verstapen que já disse ser contrário às sprint, mas é certo que em termos de espetáculo seria ótimo.
Já a FIA, confirmando seu momento Nutella, proibiu que os mecânicos celebrem os resultados se pendurando no alambrado, como é da tradição do esporte. Ridículo, claro. Coisa de americano chato, que imagina que mecânico é acrobata para saltar de um lado para outro. Daqui a pouco vão distribuir avisos do tipo “não corra, papai” para os pilotos grudarem no painel de seus carros.
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Os treinos livres foram confusos, por conta de acidentes e de uma inesperada chuva. No sábado a classificação começou com a pista ainda úmida, complicando a vida de alguns. Logo no Q1 Sergio Perez passou reto na mesma curva que errou múltiplas vezes nos treinos livres, ficando na brita, parado como uma vaca numa pintura holandesa. Alegou pelo rádio que seus freios seguiam travando, atribuindo a eles a responsabilidade pela aparente barbeiragem. Tudo bem, a culpa é dele, e ele a coloca em quem quiser.
O treino seguiu sem surpresas, com pole de Verstappen, seguido de George Russel, Hamilton e Alonso. Interessante notar que os dez primeiros ficaram quase todos no mesmo segundo. Destaque também para as presenças de Alex Albon e Nico Hulkenberg no Q3, que levaram Wiliams e Haas para a frente do grid.
No domingo a prova começou renhida, com Russel largando muito bem e ultrapassando Verstappen, que logo em seguida foi também superado por Hamilton numa ultrapassagem dura, daquelas que lembrou 2021, e com direito a mimimi do atual campeão por ter sido jogado para fora da pista. Segundos depois Charles Leclerc foi tocado, rodou, e o safety car foi trabalhar pela 1ª vez.
Na volta 7 foi autorizado o uso do DRS, tornando a ultrapassagem de Verstappen sobre as Mercedes certa como a aurora no pacífico – ainda mais porque a pista australiana tem 4 pontos de abertura da asa móvel. Mas aí foi a vez de Albon estampar o muro, disparando outro safety car. Na sequência, um lance decisivo: a Mercedes, jogando no 2x1: chamou Russel para os boxes (para se valer da vantagem da troca de pneus sob safety car), enquanto manteve Hamilton na pista marcando Verstappen. Só que, ato contínuo, a prova foi interrompida: bandeira vermelha para que se pudesse limpar a pista.
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Imediatamente Russel, que havia caído para 7º, viu que estava fora do jogo, uma vez que com a corrida paralisada todos os pilotos têm a prerrogativa de trocar os pneus (sem perder tempo algum). Essa é uma regra profundamente injusta, e que tira animação das corridas. Não faz sentido permitir trocas de pneus “grátis” sob bandeira vermelha. Mas, repito, agiu corretamente a Mercedes: não dava para adivinhar que seria caso de bandeira vermelha. NA F2, por exemplo, horas antes, houve um acidente semelhante e o safety car ficou na pista por 10 voltas, enquanto se fazia a limpeza – e nada de bandeira vermelha. Toto Wolf não é Mãe Diná.
Naquele momento quase todo mundo partiu para pneus duros, deixando clara a estratégia de não parar de novo. Partiu-se então para a segunda largada - standing start. Muitos não entenderam e acharam que seria dada nova largada sob o regime de volta lançada – com o safety car. Por conta disso quase houve um acidente de proporções enormes, porque alguns pilotos vinham rápido enquanto outros se preparavam para alinhar no grid. Uma zona total.
Hamilton largou bem e manteve a ponta, mas na 12ª volta Verstappen passou voando por ele, abrindo mais de um segundo quase que instantaneamente, impossibilitando qualquer reação. Algumas voltas depois o motor de Russel estourou pegando fogo (desde 2019 que os motores alemães não quebravam em corrida), motivando virtual safety car.
Já passando da volta 40, Perez era apenas o 12º colocado, tornando inevitável a comparação com Vertappen, que fez uma incrível prova de recuperação na Arábia Saudita. Com a máquina que tinha nas mãos, o mexicano já deveria estar no pelotão da frente.
Faltando 4 voltas para o final Kevin Magnussen beijou o muro e causou um acidente feio, com direito a pneu voando pela pista e....novo safety car. Após duas voltas com Barry Maylander pilotando seu Mercedes-AMG GT Black Series na frente do pelotão, ficou claro que não daria tempo para limpar a pista antes do final da prova, que terminaria então sob safety car, num perfeito anti-climax. A direção de prova, no entanto, tomou uma decisão merecedora de todos os elogios: interrompeu a prova novamente. Mais uma bandeira vermelha.
Era hora do tudo ou nada: pneu macio para um ataque final. E a 3ª relargada, com todo mundo de pneu frio, foi o caos: Alonso, que vinha numa sólida 3ª posição, foi atingido pelo compatriota Calos Sainz, saindo da pista. Metros a frente Pierre Gasly abarroou em cheio seu companheiro de equipe Esteban Ocon, causando, já na hora do amém, uma tragédia francesa na Alpine – que por uma volta não pontuou com os dois carros! Desolé. Mais atrás, Logan Sargeant e Nick de Vries colidiram, e Lance Stroll saiu da pista. Parecia um jogo de resta 1. Com essa confusão toda, não deu outra: mais uma bandeira vermelha.
Os (poucos) sobreviventes voltaram para os boxes sem entender se aquela 3ª largada teria valido ou não. Se sim, a posição da próxima largada seria a do final daquela fatídica volta. Se não, a posição da 3ª largada seria repetida. E aí a direção de prova tomou uma decisão esquisita: aquela relargada não valeu. Então o que aconteceu naquela volta estilo “corrida maluca” era irrelevante (menos para quem se acidentou de forma irremediável, como as Alpine). Logo, as posições de largada seriam as mesmas da anterior – o que beneficiou por demais Alonso . Mas a despeito da largada anterior ter sido desconsiderada, as voltas dadas foram computadas, o que significa que faltava apenas uma volta para o fim da corrida. Ora, até um esquimó eremita com déficit de atenção notou a incoerência: ou bem se tem a largada e as voltas dadas como existentes ou não. O que não dá é para considera-las inválidas para fins da nova (e 4ª) largada e válidas para debito de voltas. Tentei entender a lógica do raciocínio, mas desisti, pois constatei que não havia nem lógica nem raciocínio.
Mas assim foi decidido, e então os carros largaram pela 4ª vez, em fila indiana atrás do safety car. Quem se arrasou foi Sainz, que, considerado culpado pelo acidente com Alonso, foi sacrificado no altar do regulamento recebendo uma penalidade de 5 segundos. Só que 5 segundos sob safety car são uma eternidade, e o espanhol caiu de 4º para 12º e último.
Apesar da confusão toda, Verstappen não foi mais ameaçado, vencendo a prova seguido por Hamilton (em seu primeiro pódio do ano) , Alonso (que há exatos dez anos não fazia 3 pódios consecutivos, comprovando a tese de Arnaldo Antunes de que não existe nada mais moderno nessa vida que envelhecer), Stroll (outro beneficiado pela anulação da 3ª largada) e Perez . As McLaren fizeram bonito cravando o 6º lugar com Lando Norris e o 8º com o herói local Oscar Piastri, que pontuou pela 1ª vez. Também Hulkemberg conseguiu um bom resultado para a Haas chegando em 7º.
Num pódio formado por três campeões mundiais, Verstappen mais uma vez ficou no lugar mais alto, recebendo desta vez o belo troféu que é a réplica do volante do carro do tricampeão australiano de F1 Jack Brabham. Embora ainda estejamos no início da temporada, tudo indica que o holandês em breve será colega de Brabham no panteão dos tricampeões. Só que não deve parar por ai...