Coluna do Bichara: ‘Verstappen imparável. Na Ferrari, ‘há vagas’

Colunista do LANCE! comenta o final de semana do GP da Hungria de Fórmula 1

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No notável livro “Nós o Povo”, o escritor Timothy Garton Ash narra como testemunha ocular da história, a queda, um a um, dos regimes comunistas no Leste Europeu no final da década de 80. Ele nos conta que a Hungria era considerada “o parque de diversões da cortina de ferro”, o menos cinzento de seus plúmbeos e tristes países. E isso se confirma em 1986 quando, ainda em pleno regime fechado, o país recebeu, pela vez primeira, seu GP de F1, no circuito de Hungaroring, próximo à capital Budapeste.

Desde então o circo volta a este lento, estreito e sinuoso autódromo, para corridas que eram marcadas pelas poucas oportunidades de ultrapassagem – só existentes mesmo na pequena reta, que já foi palco de manobras antológicas como a de Piquet sobre Senna por fora em 1986, considerada por muitos a mais notável ultrapassagem da F1 moderna. Mas com o sistema de DRS – asa móvel – elas já não são raras, embora sigam tendo como único palco a reta, e sejam, por assim dizer, artificiais. A F1 tem um encontro marcado com esse tema. A vantagem do carro que vem atrás é tão grande com a asa aberta que as manobras começam a se tornar previsíveis e sem graça.

Este ano a F1 chegou à capital húngara sob os ecos de duas notícias. A primeira foi a - esperada - aposentadoria de Sebastian Vettel. Embora esteja arrastando a fantasia, ele foi tetracampeão e detém a impressionante marca de 3º maior vencedor de todos os tempos. Mas fez bem em pendurar as luvas, afinal, quem ganha a vida queimando borracha e combustível fóssil, não pode querer pousar de defensor da ecologia – assunto que se tornou uma obsessão para o alemão. Ele parecia coerente como um açougueiro vegetariano.

A segunda foi a compra de metade da Red Bull pela Porsche (praticamente ausente da F1 desde 87, quando equipou as McLaren, salvo o breve fornecimento de motores para a equipe Footwork, em parte da temporada de 1991). Com isso, a F1 se consolida cada vez mais um jogo das grandes montadoras, e cada vez menos um lugar para os “garagistas” típicos dos anos 70 e 80.

Na pista, o final de semana começou animado com uma classificação atípica no sábado. As Red Bull tiveram problemas, ficando Max Verstappen e Sergio Pérez com o 10º e 11º lugar, apenas. A pole parecia tranquila para as Ferrari, mas George Russel tirou uma volta fantástica do bolso do colete, ficando com o 1º lugar, seguido por Carlos Sainz e Charles Leclerc. A sorte parecia estar sorrindo para o time de Maranello, pois no travado circuito húngaro Verstappen teria que escalar o pelotão. Matia Binotto, otimista, chegou a falar que só uma dobradinha interessava para manter a Ferrari na luta pelo título. Lembrou o tradicional bloco de carnaval carioca criado por alpinistas e chamado “Só o Cume Interessa”.

No domingo, a chuva flertou com a prova, mas acabou não aparecendo. Na largada no seco, Russel se defendeu bem e manteve a ponta. Enquanto isso, Verstappen vinha rapidamente, ganhando posições e demonstrando que, sanado o problema em seu carro (com a troca do MGU-H e do MGU-K - Motor Generator Unit, “H” de Heat e “K” de Kinetic), iria dar trabalho. Na volta 41 ele alcançou e ultrapassou Leclerc, rodando sozinho, logo depois, num 360, e seguindo em frente tranquilamente. Na sequência, fez nova ultrapassagem em cima do monegasco, que naquele momento, após 2 pit stops, era o único piloto do pelotão da frente com pneus duros.

A estratégia de pneus a essa altura, já se mostrava determinante, pois a diferença de rendimento entre os compostos era grande. E ela pode ser assim resumida: enquanto todos estavam de médio, a Ferrari estava com pneus duros. E quando todo mundo estava de duro, os carros vermelhos estavam de médio ou macio. Era tudo ou nada. Ou iria dar muito certo ou muito errado.

Verstappen fazia uma notável corrida de recuperação, impondo sua superioridade não somente às Ferrari, mas também às Mercedes que foram ultrapassadas sem dificuldade.

Leclerc pareceu abandonar de vez qualquer esperança de pódio, quando, na volta 55, foi chamado ao box pela 3ª vez, voltando em 6º. Entre os 13 primeiros, foi o único a optar por 3 paradas, o que, é claro, foi uma péssima ideia. O estrategista da Ferrari é um coveiro de esperanças. Será que ele está em home office? Torcer pela equipe italiana tem sido quase um ato de fé.

Ferrari virou alvo de memes (Foto: reprodução/internet)

Verstappen seguiu impávido para mais uma vitória, “tranquilo e infalível como Bruce Lee”, diria Caetano Velloso. As duas Mercedes completaram o pódio, dessa vez com Hamilton à frente de Russel, que contou também com Adrian Newey, diretor técnico da Red Bull e tido como um dos maiores projetistas de F1 de todos os tempos (autor do espetacular livro How to Build a Car, obrigatório para os amantes da história do automobilismo).

A diferença entre Vertappen e Leclerc que era de 63 pontos agora é de 80. Entre os construtores, a Mercedes está apenas a 30 pontos da Ferrari. O time alemão parece estar definitivamente de volta ao jogo, enquanto na equipe italiana, se os problemas de confiabilidade do carro parecem ter sido sanados, os de incompetência seguem aflorando. Até quando se insistirá no insosso Binotto? O team principal italiano parece mais perdido que surdo em bingo – sempre com aquele semblante calmo mesmo diante da tragédia. Vê-lo provoca nos Ferraristas a estranha sensação de decadência sem ter havido um apogeu. A Ferrari não pode mais se dar ao luxo da insensatez.

A F1 para por 3 semanas para as férias de verão. Embora ainda faltem 9 corridas para o fim da temporada, o bicampeonato de Verstappen tem já certa aura de inevitabilidade. O holandês é imparável.

P.S. – O asfalto húngaro ainda esfriava quando o mundo da F1 foi sacudido com uma notícia interessante: o bicampeão Fernando Alonso, aos 41 anos, assinou com a Aston Martin para substituir Vettel (num acordo descrito como multi-year contract). Sem dúvida será um prazer ver o competitivo Alonso mais alguns anos abrilhantando o espetáculo.

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