Coluna do Garone: O eterno Dinamite

Maior ídolo da história do Vasco faleceu neste domingo, aos 68 anos

Escrito por

“Se estiver em meus pés a decisão do jogo, nada irá me parar”.

Quem lê essa frase assim, solta, sem contexto, deve imaginar que se trata de uma afirmação dita por um grande craque, de carreira consolidada e fama indubitável. Alguém que desfila pelos gramados há anos com um olhar seguro e uma postura inabalável, tal qual um cavalo de corrida experiente que conhece o rival apenas pelo trote. Mas não era o caso - ainda.

Por trás das palavras firmes de quem reconhece o próprio talento havia um menino magro, tímido, de apenas 17 anos, que jamais havia sido titular num jogo profissional de futebol. Um atacante puro, até então. Casto, se é que podemos dizer assim. Um artilheiro que nunca havia sentido o prazer do gol, do Maracanã o abraçando com seu eco inconfundível. Um sentimento único, irreplicável e que se tornaria rotineiro para o garoto.

O jovem tinha como nome de batismo Carlos Roberto de Oliveira. No campo, apenas Roberto. Ao menos até aquele dia 20 de novembro de 1971, quando o Jornal dos Sports lhe acrescentou a alcunha que carregaria para o resto da vida. Um apelido mais simbólico que o próprio nome: Dinamite.

Mas se engana quem pensa que a "explosão" do garoto aconteceu pela primeira vez no histórico Vasco x Internacional que ficou marcado pelo gol de número 1 do camisa 10. Não foi, apesar da capa do saudoso jornal rosa estampando “Garôto-Dinamite explodiu” ter sido a tatuagem definitiva.

Cinco dias antes do duelo com o Colorado - e dois após a declaração que abre esse texto, às vésperas de encarar o Atlético Mineiro de Dadá Maravilha e do técnico Telê Santana, que se sagraria campeão brasileiro logo depois -, o garoto de pernas fortes e passadas largas marcou dois gols no treino coletivo vencido pelos titulares por 3 a 0 – Gilson Nunes fez o outro – e deixou o campo aplaudido pelos companheiros. O detalhe inesperado: o campo era a Gávea, onde o Cruzmaltino treinava vez ou outra.

Ali, na casa do maior rival, por ironia do destino, Roberto seria chamado pela primeira vez de Dinamite – em matéria assinada por Eliomario Valente. Essa, porém, não seria a única ironia na vida de Roberto. Aliás, nem de perto a maior.

Ao contrário do que dizem sobre o filho de peixe – que peixinho é -, o artilheiro era herdeiro de um goleiro. Seu José Maia havia sido arqueiro do São Bento, clube de Duque de Caxias, sua terra natal. Foi no campo, aliás, que o camisa 1 conheceu sua maior paixão, Neusa. Ela, torcedora do Parque Lafaiete. Ele, o goleiro do time rival. Ela, atrás da meta, implorando por um gol do seu time. Ele, dedicado, fazendo de tudo para impedi-los e deixar o campo como herói. O resultado no placar não se sabe, mas o da vida é o que mais importa: se apaixonaram.

Pode parecer contraditório à primeira vista, mas se reparar bem, não é. Assim como seu pai, Roberto sempre carregou a paixão pelo gol. Apesar da força com que estufava as redes, Dinamite não a desrespeitava. Pelo contrário! Dava a ela sua real função, a sua razão de existir. Dava a ela movimento e plasticidade. A tirava da sombra, do ostracismo, e lançava sobre ela todos os holofotes, como uma noiva em seu grande dia.

A rede sem o gol é apenas um adereço qualquer. Sacudida pela violência de um tento e pela alegria do gol, se torna a mais pura arte.

Era inevitável, algo umbilical. O mesmo gol que uniu José e Neusa, juntou Roberto e Dinamite. Costumo dizer – e tive o privilégio de falar ao próprio – que existem dois tipos de vascaínos no mundo: os que viram Roberto Dinamite jogar e os que gostariam de ter visto Roberto Dinamite jogar.
A divisão, no entanto, não é só essa. Existe também um Vasco pré e pós seu maior ídolo. Uma ruptura clara na história.

Não que o Vasco fosse menos Vasco antes de Roberto, isso nunca – os Camisas Negras e o Expresso da Vitória eliminam qualquer dúvida. Mas o contexto em que surge aquele garoto mexe com o clube.

Após mais de uma década de triunfos históricos, nacionais e internacionais, com o Expresso, o Vasco amargaria um longo período sem conquistas significativas. A década de 60, mesmo com a imponência da dupla Brito e Fontana, o talento de Lorico, os dribles de Saulzinho e os mais de 100 gols de Célio, ficaria marcada pela ausência de títulos. Um jejum encerrado pelo time de 70, comandado por Alcir, Buglê, Silva e Valfrido, campeão carioca. Uma conquista, no entanto, mais pela entrega do que pela qualidade. A equipe terminaria a Taça de Prata - o Brasileiro da época - com 11 derrotas e apenas duas vitórias em 16 jogos.

O garoto Dinamite surgiria em 71 para mudar a história. Mas não seria do dia para a noite.

Antes de Roberto se consolidar como titular, o Vasco apostou em Tostão, craque da Seleção Brasileira campeã do mundo em 70. Uma negociação que envolveu um montante equivalente, hoje, a R$ 17,5 milhões. Um recorde para a época. Silva formaria a dupla com o craque, com Jorginho Carvoeiro e Gilson Nunes pelos lados. Dinamite, com seus 18 anos, atuaria apenas em 31 dos 72 jogos do time, que terminou aquele ano com a segunda pior média de gols da sua história - superando apenas 1971, onde marcou 60 tentos em 67 partidas - , estufando as redes somente 73 vezes.

Apesar das poucas aparições, o menino marcaria sete vezes na temporada. A lesão no olho, sofrida por uma bolada do zagueiro Ditão, do Corinthians, ainda em 69, quando defendia o Cruzeiro, encerraria precocemente a carreira de Tostão e, consequentemente, a sua passagem por São Januário, que terminaria com apenas 48 jogos e 7 gols marcados. Ao lado da jovem aposta vascaína, foram somente 15 atuações. Na maioria das vezes, com Roberto vindo do banco de reservas, substituindo Silva.

Após dois anos de insucesso ofensivo, acumulando recordes negativos, o clube decidiu contratar outro campeão do mundo com o Brasil: Amarildo, o Possesso, que substituiu Pelé na conquista de 62. Mas também não funcionou. Vindo de seguidas lesões, o atacante passaria dois anos no Vasco, disputando apenas 15 jogos e marcando um gol.

Não restou ao Vasco outra esperança senão investir na sua joia.

E, de cara, o camisa 10 explodiu. O ano de 73 marcou o início da Era Dinamite em São Januário. Titular indiscutível do comando de ataque, assumiu aos 19 anos a responsabilidade de ser o que
foram Russinho, Ademir, Friaça, Vavá e Pinga: uma bandeira vascaína fincada na área adversária.

Pela primeira vez, Roberto foi o artilheiro do Vasco em uma temporada, marcando 19 gols. Dé Aranha, Jorginho Carvoeiro e Luis Carlos, seus companheiros de ataque, somados, anotaram 18. Era o prenúncio para 1974.

O Vasco, que nos anos anteriores sofria de uma burocracia imensa para estufar as redes adversárias, que aguardava um convite impresso, carimbado e assinado em duas vias para marcar um gol, passou a ser dono de um dos ataques mais temíveis do futebol nacional.

Roberto, aos 20 anos de idade, se tornaria o artilheiro mais jovem da história da competição. O Vasco, por sua vez, o primeiro carioca campeão do Brasileiro.

Dinamite marcou 38 gols em 1974. Em 75, subiu o número para 54. Em 79, aumentou o recorde para 55. Dois anos mais tarde, para 61. Roberto, sozinho, anotava mais tentos numa única temporada que todo o time vascaíno no início da década de 70.

Já não era mais o Roberto do Vasco, mas sim o Vasco de Dinamite.

Não há explosão mais bela do que a de um gol. É o momento exato onde o coração se livra da agonia, da incerteza, e se enche de felicidade. Muitos tiveram a oportunidade de ser a faísca dessa emoção, mas só Roberto foi Dinamite dessa alegria.

Por 708 vezes, Roberto foi o motivo do sorriso cruz-maltino. Por outras tantas, mais de
mil, a razão do vascaíno fazer do estádio a sua casa e do Vasco a sua vida.

* Texto original publicado pelo autor no livro '1898 em diante'

Siga o Lance! no Google News