Do ovo em Salvador à ‘vingança’ no Maraca: a saga da Seleção Brasileira campeã da Copa América de 1989

Há 30 anos, Brasil entrava nos eixos para se sagrar campeão na mais recente vez que sediou o torneio. Ex-jogadores lembram ao L! a trajetória para lá de desafiadora

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A Seleção Brasileira já está em contagem regressiva para ter um grande reencontro na Copa América: após 30 anos, o país voltará a sediar o torneio. Com a experiência de quem ajudou a manter a hegemonia do Brasil como anfitrião, vencedores da edição de 1989 não escondem que os convocados de Tite terão uma caminhada bem intensa a partir desta sexta-feira, quando medem forças com a Bolívia em sua estreia:

- O maior conselho que dou é proporcionar o melhor futebol possível com a camisa da Seleção. Jogadores que estão na Seleção têm de ficar muito unidos e, em especial, respeitar os torcedores que estarão nas arquibancadas para assistir às partidas - garante Aldair, um dos zagueiros campeões da Copa América de 1989, ao LANCE!.

Meio-campista da equipe comandada por Sebastião Lazaroni, Valdo também atenta para evitar individualismos:

- Na nossa conquista em 1989, ficou claro que, para ganhar uma Copa América, o grupo tem que estar fechado. Ter consciência de que você é responsável pela alegria de milhões de brasileiros. E, por mais que tenha um gênio, por trás dele, há um time que possibilitou que ele se destacasse. Nossa conquista trouxe a marca de uma equipe que trabalhou muito.

ANSIEDADE, DUREZA PARA ENGRENAR E... OVO! A PRIMEIRA FASE DA SELEÇÃO

'Por um triz, não me acertou', diz Silas sobre ovo que atingiu Renato Gaúcho (Foto: Reprodução)

O trajeto da Seleção Brasileira teve início marcado por pressão e algumas escoriações. Os comandados de Sebastião Lazaroni "herdavam" um jejum que até gênios como Pelé e Zico amargaram:

- Fazia 40 anos que a Seleção não ganhava uma Copa América. Apesar do lado bom de vestir a camisa amarelinha, a gente sabia que era uma grande responsabilidade que teria pela frente - detalhou Aldair.

Outra novidade era a mudança de esquema: mesmo com os maus resultados no Torneio da Dinamarca (onde não levou força máxima), Lazaroni seguiu depositando as fichas no 3-5-2. O trio de zaga era formado por Mauro Galvão, Ricardo Gomes e Aldair que, durante a Copa América, surpreendia por avançar ao ataque em alguns momentos.

- O Lazaroni treinou muito esta formação e nos adaptamos bem. Sempre gostei de tentar estas jogadas, de ir até a entrada da área adversária e chutar. Como tinha boa cobertura, ia arriscando - confessa o ex-zagueiro.

'(Ovo vindo da arquibancada) foi uma situação chata. Lembro do Bebeto bem aborrecido. Precisamos voltar a ter confiança', diz Aldair


Com a Seleção abrigada na Fonte Nova, a primeira fase trouxe um início com vitória:  3 a 1 sobre a Venezuela. Bebeto, Geovani e Baltazar marcaram, enquanto Carlos Maldonado diminuiu. 

Porém, a equipe padecia com problemas:

- Demoramos a nos entrosar, e sentimos isto nos dois jogos seguintes. A gente se complicou muito - recordou Branco.

Uma decisão interna da Seleção ainda desembocou em uma turbulência que sobrou para os jogadores. O técnico Sebastião Lazaroni cortara durante a preparação em Salvador o atacante Charles, que era destaque do Bahia campeão brasileiro de 1988. 

Além de protestos vindos desde a estreia brasileira, que vaiava e hostilizava os jogadores, o estopim veio no duelo entre Brasil e Peru. Um ovo atirado por um torcedor atingiu em cheio a cabeça de Renato Gaúcho, reserva da partida.

- Por um triz, não me acertou! Foi num momento muito complicado. A torcida nos vaiava, pedia o Charles e o Bobô. E em campo a gente perdia chances, errava passes, o gol teimava em não sair - diz Silas.

Passados 30 anos, Branco faz uma brincadeira sobre o episódio:

- Bom, melhorou o cabelo do Renato depois daquele negócio, né? Era muito feio na época (risos).

A Seleção não passou de um empate em 0 a 0. Aldair lembra que o momento foi doloroso para os jogadores baianos presentes na Seleção:

- Foi uma situação bem chata... Não só para mim, que sou baiano, mas lembro que o Bebeto foi quem mais ficou aborrecido. A gente sabia que o problema era em torno do Charles não ter sido convocado, e precisou de muita força para se superar, para voltar a ter confiança.

Na terceira partida, os brasileiros seguiram em branco, desta vez diante da Colômbia, e houve rumores até de queda de Lazaroni. Valdo detalhou os motivos pelos quais o período foi turbulento:

- Os resultados demoraram a chegar, tínhamos muita ansiedade de que as coisas dessem certo. Mas quando a equipe engrenou...

'Arruda ajudou a Seleção a engrenar', diz Valdo


A partida decisiva da primeira fase ocorreu em Recife. Desta vez, Sebastião Lazaroni promoveu uma novidade no meio:

- Ganhei a vaga do Tita a partir daquele jogo. E lá eu senti que a gente tinha começado a encorpar, a se entrosar. Contávamos com grandes jogadores. Assim, fica fácil de jogar - define Silas.

Com dois gols de Bebeto, a Seleção Brasileira se classificou para a Fase Final batendo o Paraguai por 2 a 0. E marcou ainda mais a sua ligação com um estádio: 

- O Arruda sempre ajudou a Seleção. Foi assim nesta Copa América, foi assim nas Eliminatórias (para a Copa do Mundo de 1994)... - crê Branco.

O meia Valdo também destaca a força da capital pernambucana na campanha:

- Lá no Arruda, recebemos uma energia positiva. Fomos bastante acolhidos por todos. Fomos para o Maracanã confiantes.

DRIBLANDO MARADONA NO MARACANÃ

'Lembro que recebi e logo lancei para a área. Aí veio a jogada do gol', diz Silas (Foto: Reprodução)

De ânimo renovado, a Seleção Brasileira desembarcou no Maracanã em um momento de decisão: encararia Argentina, Paraguai e Uruguai na Fase Final. À época, o regulamento previa um quadrangular para decidir o campeão da Copa América.

- Quando a gente chegou no Maracanã, na época em que o estádio abrigava mais de 100 mil pessoas, todo o grupo já sabia que era capaz de brigar forte pelo título - acredita Aldair.

O primeiro adversário foi desafiador: a Argentina, liderada por Maradona. O ex-zagueiro recorda:

-  A gente sabia da habilidade do Maradona, que a Argentina era campeã mundo e trazia muitos jogadores perigosos, como Burruchaga e Calderón. Mas o nosso time ganhou confiança demais para enfrentar qualquer adversário.

'A gente sabia que era a Argentina campeã do mundo. Mas estávamos confiantes demais', afirma Aldair


Aos poucos, a Seleção soube fechar os espaços e se consolidar no Maracanã:

- Quando a gente vê aquele mundo vestido de verde e amarelo, aí fica difícil segurar o Brasil - disse Valdo.

O Brasil abriu o marcador com Bebeto:

- Lembro que recebi na direita livre e logo lancei para a área. Sabia que o Romário ia estar lá. Aí o Bebeto vai e faz aquela jogada espetacular! Juntou muito jogador bom, isso ajuda muito...

Após uma furada da zaga argentina, Romário irrompeu na área, driblou o goleiro e decretou a vitória por 2 a 0. O duelo contou até com uma "caneta" do Baixinho em Maradona.

No jogo seguinte, a Seleção confirmou que estava na briga pelo esperado título da Copa América até a última rodada. Com dois gols de Bebeto (que terminaria artilheiro canarinho) e um de Romário, o Brasil derrotou o Paraguai por 3 a 0.

A HORA DA 'VINGANÇA' NO MARACA: BAIXINHO DERRUBA O URUGUAI

'Enfrentar o Uruguai sempre foi complicado', diz Valdo (Reprodução)

No entanto, a apreensão voltou a rondar a Seleção Brasileira. Não pelo que acontecia dentro de campo, mas pelo lado dos supersticiosos: os brasileiros iriam se reencontrar com o Uruguai no Maracanã justamente em um 16 de julho, 39 anos depois do "Maracanazzo" que marcara o estádio.

- Sem dúvida, aumentou ainda mais a nossa responsabilidade. Os torcedores tinham aquela lembrança da Copa do Mundo de 1950. A gente teve de lutar para se portar bem em campo - confessa Branco.

Aos olhos de Valdo, a equipe comandada por Sebastião Lazaroni soube manter sua serenidade diante de um aguerrido adversário:

- Enfrentar o Uruguai sempre é complicado, ainda mais em um dia emblemático, feito o "Maracanazzo". Mas, no apito do árbitro, soubemos deixar estas lembranças para trás. Pesou também o fato de contarmos com jogadores que estavam acostumados a grandes partidas.

'Os torcedores tinham aquela lembrança (de 1950) ainda na memória. A gente teve de se portar em campo', lembra Branco


Do lado uruguaio, estavam nomes como Hugo de León, Ruben Sosa e o habilidoso Enzo Francescoli:

- Francescoli era o "príncipe uruguaio", contra quem joguei muitas vezes na Seleção. Um jogador clássico, que tinha qualidade técnica incomparável e determinação - recorda Valdo.

Aos poucos, o Brasil foi se impondo, até colocar a mão na taça graças a Romário. Após cruzamento preciso de Mazinho, o camisa 11 surgiu entre os zagueiros e, de cabeça estufou a rede.

- Bebeto e Romário estavam voando neste período. Para a gente, que ficava lá atrás, era uma segurança e tanto. Sabíamos que eles fariam a diferença a qualquer momento - relata Aldair.

Ao apito final, a Seleção espantava fantasmas uruguaios e saía da fila de 40 anos de jejum na Copa América para entrar na história.

- É um título muito marcante para nós. Uma equipe que soube crescer com o decorrer da competição até chegar à conquista e, mais tarde, formou uma base que seria tetracampeã mundial - disse Branco.

A Seleção Brasileira está prestes a se reencontrar com seu país em uma Copa América. A expectativa é de que a escrita se mantenha e, agora, os jogadores aumentem a lista de histórias vitoriosas que a Seleção tem para contar quando é anfitriã do torneio.

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