Um sertanejo na Rússia: a cortina que impede o sono do vizinho da Seleção

Em mais um capítulo da saga de nosso Paraíba em Sochi, ele apresenta o local onde está hospedado pertinho de Neymar e Cia. Lugar simpático, florido, mas cadê o tapa olho?

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"Ontem eu sonhei que estava em Moscou..."

...Dando uma voltinha pela minha vizinhança em Sochi. Se o "caboclo" quer mesmo embarcar nas aventuras do Paraíba aqui na cidade russa, é justo que saiba onde ele fez morada. Assim, aproveitei mais uma manhã ensolarada, quase como no sertão nordestino (nem tanto, vai), para conhecer mais e captar imagens do bairro que fica ao lado de onde a Seleção Brasileira está hospedada. Coisa de um quilômetro.

Como você viu na postagem de estreia, estou hospedado no modesto, mas aconchegante apartamento de um casal russo super fofo. Fica num local mais afastado do centro, longe das lojas, shoppings, restaurantes. É um típico vilarejo, erguido já na parte mais inclinada de Sochi. Estou entre as colinas russas. Chique, né? 

Na porta de casa, tem um parquinho para as crianças  se divertirem. Toda manhã, quando saio para a jornada, é comum vê-las se no escorregador ou se balançando em cima de um pneu. Sem tablet, celular. Parecem felizes os pequenos russos. 

Na esquina, há paredes ilustradas com espécie de quadros de frutas, legumes, carnes. Tudo muito colorido. No começo, estranhei, e só depois me liguei que se tratava de um mercadinho. "Aí dento!" Tá, você pode dizer que o Paraíba aqui é desatento, mas tenho o fuso-horário a meu favor e é nele que vou colocar a culpa. E ai dele se não gostar!

Como estava precisando fazer umas comprinhas básicas, entrei no mercadinho. Aí já viu, né: tudo naquele idioma indecifrável, tem que ir mesmo na intuição. Coca-Cola, batatinha Pringles, essas coisas consagradas pelos lados daí, tudo isso é fácil, o que lasca é querer inventar. Tava com sede, peguei uma garrafa de um líquido que parecia citrus, que eu gosto. Cheguei em casa, fui tomar e... Argh! "Arre égua!", troço ruim danado! Tomei um copo e encostei o bicho na geladeira. Também me deparei com um teste para a maturidade do brasileiro desmiolado. Na parte das cervejas, uma em especial chamou a atenção porque o nome lembrava uma palavra de nossa compreensão. De novo, vocês sabem que o alfabeto russo é diferente, né. Confira a imagem abaixo e teste sua maturidade. "Oxente!".

Foto: Marcio Porto


Ao subir o bairro, à minha volta há sempre pequenos prédios que seguem mais ou menos a mesma arquitetura. Três ou quatro andares, grandes janelas, onde os russos estendem suas roupas quase sempre à mostra. À medida que vou me dirigindo ao ponto de acesso para a avenida do hotel da Seleção, árvores deixam a paisagem muito mais aprazível e com cara de cidadezinha simpática do interior. Tudo muito verde, agradável. A maioria das pessoas na rua já é de idade, passam uma sensação de tranquilidade. A uns 500 metros de casa, encontro outro mercado, agora maior, 24h. Bom saber, vai que tem um aperreio na madrugada, né? 

Há muitos carros de luxo parados na rua, sinal de que a classe social daqueles moradores é pelo menos honesta. Torço para que meus vizinhos levem uma boa vida. Alguns me olham com aspecto de admiração. Calma, sei que sou bonito, mas minha anfitriã me explicou que muitos de seus conterrâneos jamais devem ter visto um brasileiro na vida frente a frente. Talvez eu seja o primeiro para muitos deles. Toma essa, Neymar! 

Depois de uns 20 minutos de caminhada pelo bairro, volto para o apartamento. Ao entrar, dou de cara com a janela da sala/quarto, de frente para onde fica minha cama. Ô agonia! É que a cortina que "protege"o quarto da entrada dos raios solares é clarinha, não é daquelas blecaute, que deixam tudo escuro, sabe? É que assim: compreensível não haver essa preocupação dos russos, até porque em Sochi o sol começa a pegar forte umas 4h30 da matina, horário em que eles já estão levantando. Que culpa eles têm se o Paraíba está no fuso, não consegue dormir cedo e só vai tentar pegar no sono depois da aurora? Te vira, bicho! Estou aceitando doações de um tapa-olho, porque não encontrei nos mercadinhos por aqui. 

Bom, fico por aqui porque é hora de ir para o treino da Seleção, aqui pertinho. Uns dez minutinhos de caminhada, que parecem horas diante da minha forma física de jogador de baralho. Cansa, soa, dá câimbra, uma vergonha. Mas para quem caminhava seis quilômetros todo dia em São Sebastião de Lagoa de Roça para ir à escola, um quilômetro para ver a Seleção treinar é como andar de limousine em Paris. Irraaaa!

"Ontem eu sonhei que estava em Moscou..." Não era sonho, não! E logo volto com novas relatos! Até!

*Marcio Porto é repórter do LANCE! desde 2008 e está em sua segunda cobertura de Copa do Mundo - a primeira foi no Brasil. Paraibano de São Sebastião de Lagoa de Roça, cidade de pouco mais de 11 mil habitantes, irá desbravar as terras russas com a sede e fome do sertanejo. Cabra da peste que é, trará os relatos aqui para você! Simbora!

Glossário do Sertanejo
* Caboclo = Indivíduo, sujeito
*Aí dento = Expressão de espanto, ou de negação, equivalente a "Que loucura", "Sai fora!"
​* Arre égua = Também expressão de espanto, estranheza
* Oxente = Interjeição de espanto, estranheza

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