Copa Tática: Arábia com mudanças, iniciativas e grande interrogação

Surpresa nas eliminatórias da Ásia, seleção saudita chega à Copa do Mundo com um treinador que tem pouco tempo de trabalho e um grupo bastante limitado nas mãos

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A Arábia Saudita foi uma das surpresas das eliminatórias. Conseguir a classificação direta em um grupo que tinha Japão e Austrália parecia impossível para quem não jogava a Copa do Mundo desde 2006. Diferentemente dos anos 80 e 90, quando conquistou títulos continentais, o país não aparecia entre as quatro ou cinco forças da Ásia antes do início do ciclo.

Até por isso, a saída de Bert van Marwijk foi um grande choque. O treinador holandês era criticado por não ficar no país ou prestigiar jogos da liga local, e acabou não chegando a um acordo com a Federação, mesmo após confirmar a vaga na Copa. A passagem relâmpago de Edgardo Bauza foi apenas mais um capítulo. A chegada de Juan Antonio Pizzi trouxe mudanças mais radicais de estilo, embora Bauza tenha causado impacto ao testar uma linha de cinco na defesa em seus poucos dias de trabalho. Com Pizzi, a defesa volta a ter quatro peças, mas o perfil já é mais ousado do que os treinadores anteriores. Um dos aspectos discutidos no país é a tentativa de montar um time confortável com a bola nos pés, e não apenas esperando para reagir.

O questionamento sobre a capacidade técnica da seleção não acontece apenas fora do país. Pelo contrário. A Arábia Saudita tem adotado uma série de medidas para promover intercâmbio e qualificar seus jogadores. Um exemplo é a parceria com Oliver Kahn para que a empresa do alemão auxilie no desenvolvimento de goleiros sauditas. Durante o breve período com Bauza, o veterano Yasser Al-Mosailem chegou a ser barrado, mas foi resgatado por Pizzi e pode ser titular na Copa. De qualquer forma, sete nomes diferentes foram convocados nos últimos meses para a posição que é um problema desde a aposentadoria do ídolo Mohamed Al-Deayea.

Outra iniciativa foi a polêmica parceria com La Liga para que peças importantes da seleção fossem para o Campeonato Espanhol. A questão é que eles não tiveram tempo de jogo e chegam ao mundial sem ritmo. Mesmo assim, antigos jogadores do país defendem a ideia, alegando que só treinar em equipes de primeira divisão na Espanha já representa uma experiência mais valiosa do que permanecer na liga local. Entre os envolvidos no projeto, Salem Al-Dawsari, Fahad Al-Muwallad e Yahia Al-Shehri são nomes fundamentais para Pizzi.

Um grande problema para o treinador é a falta de gols, algo curioso para a seleção que teve um dos maiores artilheiros do ciclo pelo mundo. Al-Sahlawi fez 16 gols nas eliminatórias, mas 14 foram na fase preliminar, sendo 12 contra Palestina, Malásia e Timor Leste. O atacante também teve a oportunidade de treinar por três semanas no Manchester United, visando a Copa mas em outro acordo comercial. Pensando em adversários mais fortes e sabendo da carência de opções, Pizzi começou a procurar alternativas, observando até mesmo garotos de ligas inferiores do país, mas a lista dos 23 convocados sugere que ele não se convenceu com o que viu.


Todas as iniciativas fazem parte de um ambicioso projeto de desenvolvimento econômico da Arábia Saudita, chamado "Vision 2030", que também olha para o entretenimento e o esporte. Até por conta da injeção financeira do governo em clubes do país, o investimento começou a ganhar manchetes no Brasil a partir da contratação de Fábio Carille e do interesse em diversos jogadores.
Ao longo das eliminatórias, a seleção manteve uma base. Al-Khaibri ficava como o volante mais fixo, com Al-Faraj auxiliando como um segundo volante e Al-Jassim complementando o trio central como meia mais criativo. Pelos lados, Al-Shehri e Nawaf Al-Abed completavam um quinteto que quase não sofreu variações ao longo do trabalho de Bert van Marwijk.


Com Pizzi, a proposta já é ter pontas mais agudos, privilegiando a qualidade técnica no trio de meio-campistas. Com isso, ganha espaço Abdullah Otayf, destaque no último título nacional do Al-Hilal. O volante vira um pilar importante na frente da defesa, iniciando a estratégia de trabalhar mais a posse de bola, já que tem bom passe e facilidade nos lançamentos. Al-Shehri, referência técnica da seleção, sai da direita e passa a atuar por dentro, próximo do veterano Al-Jassim. Com dois meias trabalhando na faixa central, Al-Dawsari e Al-Muwallad ganham espaço pelos lados. Ambos eram alternativas de segundo tempo durante as eliminatórias, mas representam a tentativa de um time mais agressivo, oferecendo mais suporte ao "9" Al-Sahlawi.

Além de Otayf, muitos outros convocados são do Al-Hilal. É o caso do zagueiro Osama Hawsawi e do lateral Yasser Al-Shahrani, que joga na esquerda pelo clube mas é opção também para a direita na seleção. A grande ausência fica por conta do meia Nawaf Al-Abed, que passou por cirurgia, sofreu com lesões nos últimos meses e acabou cortado da lista final. Seria uma opção criativa a mais para a equipe. Caso Pizzi opte por uma proposta mais conservadora, Al-Khaibri pode jogar como volante mais fixo, liberando Otayf para atuar como faz no clube. Outra equipe bastante explorada é o Al-Ahli, com o lateral Al-Harbi, o meia Al-Jassim e o meio-campista Al-Mogahwi.

Embora sejam ideias louváveis, o fato é que Pizzi tem pouco tempo de trabalho e um grupo bastante limitado nas mãos. Tentar implementar um modelo de posse de bola requer um comportamento mais agressivo para pressionar, e colocar isso em prática é um desafio até para a cultura do futebol do país. Outro obstáculo é a idade avançada de boa parte do sistema defensivo, o que pode ressaltar as diferenças físicas já existentes. A Arábia Saudita tem um projeto ambicioso e contratou um treinador que pretende fazer mais do que apenas se defender, mas o caminho ainda parece longo para alcançar a competitividade no mais alto nível.

Jogos no Grupo A
​14/6 - 12h - Rússia x Arábia Saudita
20/6 - 12h - Uruguai x Arábia Saudita
​25/6 - 11h - Arábia Saudita x Egito

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