Ao entrar em campo no Estádio Lujniki, em Moscou, nesta quarta-feira, para enfrentar a Inglaterra, pela semifinal da Copa-2018, a Croácia buscará uma façanha histórica. Nunca o país (ou mesmo a antiga Iugoslávia) chegou na final de um Mundial. O sucesso se deve ao excelente nível de seus jogadores, como Modric, cotado para ser o bola de ouro da competição. Mas também tem muito do dedo de um treinador praticamente desconhecido e que caiu de pára-quedas no comando da Seleção: Zlatko Dalic.
- Ele é um técnico muito calmo, de comunicação simples com os jogadores. Nunca o vi alterado, irritado, zangado. Transmite muita segurança. Ele e todo o seu staff são importantes para o nosso sucesso na Rússia – disse o atacante Mandzukic durante a entrevista coletiva desta segunda-feira, realizada no campo anexo ao Estádio Lujniki, onde a seleção croata realizou o seu penúltimo treinamento antes da final.
Carreira com raras conquistas
Zlatko nasceu na antiga Iugoslávia, na Cidade de Livno, na Bósnia-Herzegovina e foi volante nos anos 80 e 90, defendendo vários clubes croatas (a maioria de pequeno porte) e sem brilho algum. O máximo que conseguiu foi ser vice-campeão croata por duas vezes quando defendeu Hadjik Split, o melhor time pelo qual jogou. Pendurou as chuteiras, virou assistente técnico e, depois, técnico de times de Croácia, Albânia, Arábia e Emirados Árabes. Canecos, somente uma supercopa da Albânia e uma Copa do Rei da Arábia. Relevante mesmo foi o vice-campeonato da Champions asiática (a Libertadores daquele continente) em 2016, pelo Al Ain dos Emirados Árabes, o que colocou um pouco de luz num currículo tão escasso de sucessos em três décadas.
O improvável acontece
Aí vem a história de conto de fadas. Corria o dia 6 de outubro de 2017 e a Croácia havia acabado de empatar em casa com a Finlândia, resultado que praticamente tirava a sua chance de ir para o Mundial da Rússia. Afinal, a única possibilidade seria o time vencer a Ucrânia fora de casa, sendo que o rival avançaria com um empate. E mais: o resultado deixaria a Croácia em segundo lugar e ela teria de esperar para saber se ficaria entre os oito melhores vice-campeões de grupos ( ou ela não jogaria a repescagem).
Em crise, o presidente da federação, Suker, demitiu o treinador Ante Cacic. Para o seu lugar, chamou um técnico tampão, Zlatko Dalic, que seguia fazendo trabalho bom no Al Ain, já tinha sido auxiliar da seleção de base da Croácia e estava dando sopa por Zagreb. O trato era o seguinte: ele comandaria os croatas no jogo contra a Ucrânia, no dia 9 (dois dias depois!). Caso a seleção fosse eliminada, Dalic, como interino, estaria fora e seguiria com a sua vida. Caso acontecesse o milagre, seguiria para a eventual repescagem. Dali para a frente ... só Deus sabe.
Veio o jogo contra a Ucrânia, que, em seus domínios, martelou, perdeu gols, fechou o primeiro tempo com 70% de posse de bola e 0 a 0 no placar. No segundo tempo, Kramaric achou dois gols. Croácia 2 a 0, segundo lugar no grupo e entre os oito melhores segundos. Zlatko Dalic ganhou sobrevida.
Era a hora, então, da repescagem contra a Grécia. Num jogo fantástico e com Mandzukic no banco, a Croácia meteu 4 a 1 na ida, em casa. Depois, empatou em Atenas e se garantiu na Copa. E o “técnico interino sem título”, foi efetivado.
- Sempre falam do Uruguai, país com menos de 4 milhões de habitantes e que tem futebol de alto nível. Podem falar também da Croácia. Temos 4,5 milhões de habitantes, um país muito pequeno e que, diferentemente do Uruguai, não tem ajuda governamental, apoio financeiro, campo para a seleção nacional treinar e que sobrevive com as cotas da Uefa e Fifa. Ainda assim, desde que surgimos como país independente nos anos 90, já conseguimos nos classificar para 12 competições do nível de Eurocopa e Copa do Mundo, muitas vezes fazendo excelente papel. Isso se deve por causa de gerações incríveis de jogadores e, nesta campanha na Rússia, pelo trabalho de Zlatko Dalic – disse Davor Suker, maior ídolo da história do futebol croata, artilheiro da Copa-98, goleador do Real Madrid nos anos 90 e, como citado acima, o presidente da federação croata.
Elogiado pelo mandatário e bem cotado com os jogadores, Dalic foi aproveitando as brechas rumo ao sucesso improvável. A campanha nos amistosos de preparação não foi lá essas coisas. Derrotas para Peru e Brasil (ambos 2 a 0) e triunfos magérrimos em cima de México (1 a 0) e Senegal (2 a 1). Nada que entusiasmasse. Mas Dalic tinha a base formada: em quase todos os jogos ele escalou os mesmos dez titulares, e a mudança variava em torno de apenas três nomes (Brozovic, Kramaric e Mandzukic, pois Kramaric tanto pode entrar na vaga de Brozovic ou Mandzukic).
Entrosado, com o time definido, a Croácia fez uma fase de grupos impecável, com três vitórias, incluindo o 3 a 0 na Argentina. Depois, nas oitavas e nas quartas, empates e vitórias nos pênaltis contra Dinamarca e a anfitriã Rússia com o mesmo drama nos dois duelos: o time saindo atrás no tempo normal; atrás nos penais; com o astro Modric batendo mal, mas convertendo; e Rakitic cobrando a penalidade da vitória. Neste último jogo, contra os russos, Zlatko foi aos prantos.
- Não sou de chorar, mas não tive como não sair de mim depois de uma decisão como aquela contra a Rússia. Chorei por uma boa causa – disse, provavelmente vendo o filme de sua vida passar e sabendo que ele, um patinho feio, estava virando um príncipe nesta Copa.
E agora, nesta quarta-feira, o time de Zlatko busca uma vaga na final.
- Já estamos prontos para a batalha contra a Inglaterra. Não vamos querer parar aqui depois de irmos tão longe. Estamos dando tudo de nós e acredito no meu time – disse Zlatko Dalic, ciente de que, depois de 30 anos de uma vida esportiva sem grandes conquistas, ter chegado até uma semifinal de Copa já significa muito para o seu currículo e o coloca alguns degraus acima de onde estava até aquele dia 7 de outubro de 2016. Sabendo unir um grupo de craques, simplificando a vida e sem alterar o semblante calmo, ele aguarda que essa sua vitória pessoal fique muito maior com uma vaga na decisão e, quem sabe, um título mundial tão inesperado quanto esta história aqui contada.