Luiz Gomes: ‘Copa do Mundo – A história, pelos perdedores’
As histórias que chamam a atenção neste início de Copa são as histórias de perdedores, como o marroquino Aziz Bouhaddouz, que viveu às avessas seus quinze segundos de fama
Tudo bem que Cristiano Ronaldo fez uma exibição de gala. Não apenas pelos três gols marcados no empate com a Espanha. Mas o gajo esbanjou técnica, concentração, força e espírito de liderança. Algo muito próximo da perfeição. A imagem de seu rosto contraído, a respiração controlada, o olhar fixo no gol, antes da cobrança da falta certeira é o retrato de alguém que nasceu para se vencedor.
Mas vamos deixar isso de lado.
As histórias que chamam a atenção neste início de Copa são as histórias de perdedores, personagens quase anônimos como o marroquino Aziz Bouhaddouz que, diante das câmeras de TV e nas telinhas do mundo inteiro, viveu às avessas seus quinze segundos de fama. Ou astros consagrados do planeta bola como o egípcio Muhamed Salah, que exibiu do banco sua angustiante impotência para mudar o curso da história no jogo contra o Uruguai.
O marroquino Bouhaddouz saiu do banco para desabar no gramado depois de marcar contra, no último momento do jogo, o gol da derrota de seu time. O que passa pela cabeça de um atleta em uma hora dessas? Afinal, foram 94 minutos de bola rolando em que o Marrocos foi melhor, teve mais domínio de bola, as melhores chances de gol. Era, mais do que uma estreia, o jogo da vida para os dois times, só quem vencesse poderia sonhar, ainda que apostando em um improvável tropeço dos favoritos portugueses e espanhóis, em seguir adiante na copa, passando da fase de grupos. E tudo se foi, em fração de segundos, por água abaixo.
Bouhaddouz e sua cabeçada desastrada – foi pura infelicidade, diga-se de passagem, a que qualquer craque também está sujeito – fizeram milhares de marroquinos se calarem nas arquibancadas. E em cada cidade, cada vilarejo do desértico Marrocos. Perder quando se tinha tudo para vencer é ruim. Perder para um adversário como o Irã, que extrapola os gramados e alimenta rivalidades políticas, religiosas e culturais é ainda mais sofrido. E tudo isso desabou sem a piedade de Alá sobre a cabeça do infeliz jogador.
O que terá passado pela cabeça de Salah, ali, à beira do campo, quando viu o uruguaio Giménez subir mais alto que os zagueiros egípcios e mandar para dentro das redes a bola que decidiu um jogo que os árabes conseguiram segurar por mais quase 90 minutos levando a Celeste à loucura? O empate histórico parecia certo até a última bola. A força de um ataque formando por Cavani e Suarez não conseguia furar o bloqueio armado pelo técnico do Egito. Mas aquela cabeçada estragou a festa e Salah, que chegou a ser confirmado no jogo mas não entrou, nada pode fazer. Deve ter se sentido como aquela mãe que se acha culpada pelo machucado do filho. Embora ele tenha feito o que não era para fazer.
E o são-paulino Cueva? E Messi? Perder um pênalti, como disse o argentino, dói. Em Copa do Mundo muito mais. Os dois vão sofrer para se recuperar. O peruano poderia ter impedido a derrota do seu time. Mas isolou uma bola no melhor etilo de uma boa pelada de várzea. O melhor do mundo não só não evitou contribuiu para o fiasco da estreia argentina. Um empate com sabor de derrota. Messi, que na véspera viu seu arquirrival Cristiano Ronaldo marcar de pênalti, de falta e com bola rolando, ainda carrega esse peso a mais – uma comparação inevitável. O hermano deve estar vendo passar pela sua cabeça o filme de copas passadas em que o sonho de conquistar o mundo ficou pelo caminho. Mas foi apenas o primeiro jogo. Ele ainda pode conseguir. Vai precisar tratar a cabeça e segurar a onda para a acertar o pé e mudar essa história.