Luiz Gomes: ‘Vive la France’

'Vencer a Copa vai ser um passo importante na luta da França por uma França de liberdades, igualdade e fraternidade. Perde-la será a derrota não apenas de um time, mas do espírito de uma Nação que busca reencontrar-se na diversidade'

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A geração francesa que hoje disputa o bicampeonato mundial é a de maior miscigenação de sua história. Dos 23 jogadores, 15 têm descendência estrangeira, a maior parte vinda de ex-colônias africanas. Isso, no entender do craque Pogba, torna a França mais bonita. “É assim que nós a amamos e vamos amá-la para sempre”, afirmou. E ele tem razão. Em tempos bicudos, em que a migração está no centro das discussões políticas, econômicas e sociais na Europa, isso de fato tem um peso. Que vai muito além do futebol.

Copa de 2014 no Brasil. A festejada Alemanha campeã do mundo tornou-se referência planetária não apenas pela forma exemplar como estruturou o futebol nos clubes e na seleção, não só pelo 7 a 1 ou pelo que mostrou dentro do campo, mas também por unir em um mesmo time, com os mesmos propósitos e em absoluta harmonia, jogadores vindos dos mais diversos pontos do globo, turcos, africanos, árabes, europeus do leste e até sul-americanos como nós.

Copa de 2018 na Rússia. A discussão sobre o vexame alemão – a eliminação precoce na fase grupos – extrapolou outra vez o universo da bola. O que quatro anos antes era positivo, uma virtude, virou um estorvo. De origem turca, Gündogan e, principalmente, Özil vêm sendo crucificados, viraram bode expiatório da derrota muito mais por questões extra-campo do que pelo que fizeram ou deixaram de fazer calçando chuteiras. Está certo que ajudaram a provocar esse tipo de reação, que a foto que tiraram pouco antes do Mundial ao lado do controvertido presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan, em Londres, ajudou a atiçar os ânimos em um país que luta para manter seus valores e em que a xenofobia volta a incomodar.

O presidente da Federação Alemã de Futebol (DFB), Reinhard Grindel, normalmente contido ao tratar de temas delicados como esse, não furtou-se ao debate. “Em 2014, a integração era vista como positiva. Isso mudou com a imigração em 2015. As pessoas veem problemas. Temos uma posição clara como federação. Estamos lidando com uma questão social... Há problemas neste país que vão muito além desta equipe”, comentou numa entrevista à Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha.

A realidade francesa é ainda mais complexa. Nessa Copa, os subúrbios de Paris, de onde saíram nove dos jogadores da seleção e onde vivem milhões de imigrantes legais e ilegais, viraram o centro das atenções da mídia internacional. Como num passe de mágica, construiu-se a imagem, quase utópica, de harmonia e tolerância, de uma integração étnica e cultural bem diferente do que se vê no dia a dia de quem vive ali. Pelo menos até aquele primeiro jogo contra a Austrália em que os Blues, com Umtiti, Pogba, Mbappé, Dembelé, Kanté, Matuidi e companhia começaram a conquistar a Rússia com a bola nos pés.

O futebol, embora isso tenha sido até o título de um ótimo livro, não tem o poder de mudar o mundo. Muito mais é um reflexo do ambiente em que se insere. Mas o esporte pode ajudar a balança a pender para um lado ou para outro. Pode estar a serviço das boas causas. Vencer a Copa vai ser um passo importante na luta da França por um país de liberdade, igualdade e fraternidade. Perdê-la será a derrota não apenas de um time, mas do espírito de uma Nação que busca reencontrar-se na diversidade.

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