Entusiasmo pela classificação para uma Copa após 36 anos, uma boa poupança nos últimos meses e a chance de seus imigrantes voltarem a ter mais contato com o país e aproveitarem um grande evento no qual a sua Seleção, mesmo não sendo protagonista, faz história. Estas são as principais que explicam a grande surpresa desta semana que marca o início da Copa da Rússia: a presença maciça de torcedores do Peru. Estima-se que são 20 mil. Os mais eufóricos consideram o dobro, levando-se em conta o número de ingressos comprados para os jogos da seleção na primeira fase (39 mil).
- A oportunidade é única. Conseguimos uma classificação fantástica, depois de uma reação incrível e isso nos motiva. Temos uma boa seleção, com jogadores de nível internacional. Não tinha como perder a oportunidade. Somente no dia em que embarquei de Lima para fazer a viagem até Moscou, outros mil estavam à espera, quase todos com a camisa da nossa seleção. Estamos vivendo uma cena de patriotismo histórico. É muito mais do que um jogo e valeu apenas poupar muito para acompanhar a seleção. E ainda teremos Guerrero– disse José Veja, um dos quase 500 peruanos que foram ao primeiro treino da seleção no Estádio de Khimki, que fica na periferia da capital russa.
Nas ruas mais turísticas da cidade, onde se concentram os torcedores-turistas de várias nacionalidades é que a surpresa se completa. Não há canto que não tenha um peruano, sozinho, em dupla ou em grupo. Maioria maciça com a camisa número 1 do time de Guerrero. Alguns fantasiados, outros (normalmente as mulheres) com a bandeira. Uma loucura. Se alguém resolver tirar uma foto um pouco mais aberta, é quase certo que, meio papagaio de pirata, apareça alguém com aquela camisa branca com faixa em diagonal vermelha. Inevitável.
Só que a turma que veio de Lima ganha reforço de peso com os imigrantes. No dia da abertura da Copa, três amigos, Toto, Iván e Michel desembarcaram no metrô Sportsnaya, a estação que sai na boca do Lujniki e iniciaram gritos de “Peru, Peru” apontando para um grupo bem numeroso que estava a 20 metros. O trio não os conhecia.
- Nós três viemos da Finlândia. Moro lá há 25 anos, disse Arturo, que é engenheiro. Entre os anos 1990 e 1995 o nosso país viveu uma crise impressionante e muitos tiveram de buscar emprego em outro lugar. A Europa recebeu pelo menos 150 mil peruanos, que foram tentar a vida em empregos menos qualificados, outros mais formados arriscaram e se saíram bem. A comunidade cresceu, casou, teve filhos. Muitos nunca mais voltaram, ou foram um ou duas vezes de férias ao país. Se você fazer as contas, uma presença aqui na Rússia sai mais barato do que viajar até Lima. É mais rápido também. E aqui vivemos um clima patriótico que é como se estivesse no nosso país. E com um condimento a mais, que é ver os estrangeiros se surpreendendo com o nosso patriotismo. Somos nesta Copa o que a Islândia na França.
Essa afirmação final de Arturo é uma alusão ao que os islandeses fizeram na recente Eurocopa-2016. Cerca de 30 mil saíram da ilha que fica no norte do Oceano Atlântico - quase no Polo Norte e só não é uma geleira como a Groenlândia porque é aquecido pelas águas da Corrente do Golfo - e desembarcaram nos estádios e cidades francesas fazendo uma festa inesquecível, pacífica e organizada. Como 30 mil é quase 10% da população da Islândia, foi um assombro que provavelmente jamais será repetido, até porque a França não é tão longe da rica Islândia.
Já o Peru, além de bem mais pobre que o país europeu, fica a quase meio planeta de Moscou. Não tem 30 mil pelas ruas russas, mas o número, segundo se especula, são dez mil.
No geral, os peruanos aparecem em oitavo lugar entre os torcedores que mais compraram ingressos. Foram 39 mil, quase a metade dos 70 mil ingressos comprados por brasileiros (terceiro atrás de russos e americanos), os 60 mil da Colômbia e dos alemães, mexicanos e argentinos, todos na casa dos 50 mil.
- Mas esses números de ingressos devem contar para as fases finais. Meu pessoal comprou para a primeira fase – disse, , dando a entender que, embora tenha havido tanto entusiasmo com a Copa, as ambições da maioria são modestas para a fase seguinte.
Mas há também os sem ingressos. É o caso de Varga Espinoza, que ao lado do filho Alex também acompanhou um dos treinos abertos do Peru.
- Não vou a jogo algum. Não comprei ingresso. Mas assistirei aos treinos. Moro em Moscou e Khimki é quase na minha casa. E quando vi as notícias do fluxo de peruanos, isso me animou demais. Estou há 22 anos na Rússia e quero que meu filho se aproxime um pouco mais da cultura do seu pai. Ver jogo é para os muitos ricos, o Peru só joga longe. De trem é coisa de um dia. De avião, muito caro.
Ele não deixa de ter razão. A estreia peruana é hoje em Saranski, na Mordóvia, fica a 700km da capital. Depois pega a França em Ekaterinburg (1.800km de distância) e termina a fase de grupos em Sochi contra a Austrália (1.640km) , se passar para o mata-mata, Nizhny Novgorod (500km) e Sochi de novo.
- As distâncias complicam. Mas a oportunidade não pode ser perdida – diz José Guerrero (nenhum parentesco com o atacante), que horas antes do jogo de abertura da copa tirava fotos na Praça Vermelha (parcialmente fechada por conta da finalização de colocação de um palco para um evento) e esperava o ônibus alugado que elevaria ele, e mais 30, para a partida em Saranski.