Olhos da Copa: Xerife do tetra, Ricardo Rocha diz que Seleção de 90 era superior à de 94
Ex-zagueiro se lesionou no primeiro jogo, mas seguiu com o grupo que se sagrou campeão
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Campeão do mundo com a Seleção Brasileira em 1994, o ex-zagueiro Ricardo Rocha foi o entrevistado desta sexta-feira na série 'Olhos da Copa', do LANCE!. O 'xerife do tetra' relembrou histórias curiosas vividas em Mundiais e disse que o conjunto do Brasil na Copa do Mundo de 1990 era superior a equipe que venceu o torneio quatro anos depois.
- (Em 1990) A gente atropelou a Argentina. Futebol é o único esporte do mundo em que você joga bem e perde. Foram três bolas na trave, vários gols perdidos, e eles foram lá, em um contra-ataque, e fizeram 1 a 0. A gente saiu nas oitavas de final porque era Brasil e Argentina, dois times cascudos. Faz parte do jogo. Tem uma coisa que o Parreira falava quando começava as oitavas: 'Erro zero. A partir dali, se errar volta pra casa'. Então, é muito difícil, sistema nervoso, jogador tem que estar preparado psicologicamente, e a gente estava, tínhamos uma ótima seleção, tecnicamente. E eu digo que, se botar no papel, talvez mais forte do que 94 - contou.
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Quatro anos após ser convocado para a Copa de 1990, Ricardo Rocha foi novamente chamado para o Mundial, nos Estados Unidos. Contudo, o zagueiro se lesionou ainda no primeiro jogo e não entrou mais em campo no torneio. O ex-zagueiro, que também foi comentarista nas Copas de 2014 e 2018, relembrou a contusão e o papel nos vestiários durante o torneio.
- O jogador conhece o corpo. Quando eu senti uma dor forte, fiquei preocupado. Aí fiz o exame e deu um estiramento. Eu precisaria de três semanas, quando seria a final da Copa. A comissão técnica disse que eu era muito importante e resolveu não me tirar. Mas a zaga brasileira foi muito bem com Aldair e Márcio Santos. Normalmente, o time que começa, não termina. Mazinho não era titular e entrou no lugar do Raí. O Branco não era titular. Ricardo Gomes machucou antes da Copa. Em 2002, o Kleberson entra, Edmilson... Não era o mesmo time. Você tem que ir ajustando dentro de uma Copa do Mundo - relembrou Ricardo.
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- Me pediram para ficar, disseram que eu era muito importante. Eu era um elo entre jogadores, comissão técnica e direção. Tem coisas que são um confessionário, que não vou falar o que vivi ali. Tem coisas que dá pra falar, poucas pessoas sabem o que eu sei sobre aquela Copa de 1994. O que eu pude ajudar, eu ajudei. Os jogadores tinham confiança em mim. Eu estava triste com a lesão, mas meu rosto e meu corpo têm que ser melhores para todo mundo. Lembro que o Leonardo estava muito triste pela expulsão (contra os EUA) aí eu falei 'Léo, não adianta estar aqui assim, a gente precisa ter alegria no dia a dia.' Fui muito feliz lá dentro mesmo sem jogar - completou.
A série 'Olhos da Copa' conversa com grandes personalidades ligadas a Copa do Mundo. Tino Marcos, repórter da Globo nas últimas oito Copas, e Arnaldo Cezar Coelho, árbitro da final do Mundial de 82 e ex-comentarista da Globo, já conversaram com o LANCE!. O último episódio do material vai ao ar neste sábado, com o repórter Márcio Canuto.
Veja outros trechos do papo com Ricardo Rocha:
Sensação da convocação para a Copa de 1990
Em 1987 foi minha primeira convocação, quando disputei um torneio na Inglaterra e a gente foi campeão. Ali já começa a surgir aquela geração, comigo, Romário, Taffarel... Ganhamos Pré-Olímpico, Pan-Americano. Aí em 89 ganhamos a Copa América e aquela base foi convocada para a Copa do Mundo em 1990. Foi a minha primeira Copa e para quase todos daquela geração que foi tetra em 1994
Esquecido pela delegação com Jorginho em 1990
A gente fez exame anti-doping e, quando saímos, a delegação tinha ido embora. Virei pro Jorginho e falei: 'E agora, como que a gente faz?'. Aí a equipe do SBT nos viu e levou a gente de volta de carro para o hotel. Esqueceram a gente mesmo
Eliminatórias de 1994, as mãos dadas e a promessa de Romário
A chave muda no jogo de Recife. A gente joga contra a Bolívia e ganhamos de 6 a 0. Ali foi a arrancada, quando surgiu a ideia das mãos dadas. A gente estava sendo muito vaiado aqui no Brasil e aí eu virei para o grupo e falei: 'Vamos entrar de mãos dadas'. Aquilo foi desde o Recife até o último jogo da Copa. Depois, já no Brasil, Romário é convocado para aquele jogo contra o Uruguai. Antes do jogo ele falou pra mim: 'Vou fazer dois gols, vou dar chapéu, caneta, vou arrebentar'. E ainda falou que depois de fazer tudo isso ia 'meter a porrada' no Zagallo. Ele tinha uma briga com o Zagallo. Graças a Deus ele não fez isso.
Logo no início do jogo ele deu um chapéu em um cara. Depois, uma caneta, ainda no primeiro tempo. Aí descemos o túnel, virei pra ele e falei: 'E aí?'. Ele respondeu: 'Não viu o chapéu e a caneta? Os gols vêm agora'. Era o jeito dele. É um cara espetacular, um baita craque. Mas era um grupo, ninguém ganha sozinho. A dor da derrota, como a gente teve em 1990, ela machuca muito. Mas ela te ensina mais que a vitória. A gente precisou perder em 90, pra ganhar em 94. A gente sabia que seria muito difícil, como foi. Ganhar uma Copa é muito difícil, se fosse fácil o Brasil não estaria na fila há 20 anos. É cascudo, mas acho que estamos no caminho certo.
União x Talento na Copa de 1994
Todos os jogadores daquela Copa tinham muito talento. Muita gente fala: 'Ah, só marcou'. Mentira. O Brasil não sofreu na Copa do Mundo. Queria que mostrasse os jogos de todas as Copas. Talvez a Seleção que sofreu menos foi essa. Passamos bem da primeira fase. Sufoco, mas com um a menos, contra os Estados Unidos. Não sofremos naquele jogo. Taffarel não fez grandes defesas. Mandamos no jogo contra a Holanda, eles empataram, Branco fez o 3 a 2, mas a gente foi superior. A gente massacra a Suécia, um 1 a 0 que poderia ser oito. Na final fomos um pouco melhores que a Itália. A gente trabalhou com a cabeça, o Parreira trabalhou com a cabeça.
Morte de Ayrton Senna um mês antes da Copa
Ayrton Senna era um grande ídolo, era o maior ídolo brasileiro naquele momento. Ele foi um ponto importante de garra e determinação pra que a gente pensasse: 'A gente está carente de um ídolo'. Nós jogamos um jogo em Paris, no qual ele deu o pontapé inicial, e 10 dias depois, ele morreu. Naquela época ele era tricampeão e a gente brincava com ele: 'Vamos ser tetra, vai lá e luta, que nós também vamos lutar'. Ele ficou muito ligado a esse grupo, foi muito perto tudo aquilo.
A grande final contra a Itália
É um sentimento de dever cumprido. Quando o Baggio chuta por cima, parece que você descarrega um caminhão, uma tonelada das costas. É muito difícil ser campeão do mundo, são os melhores jogadores do mundo. Foi uma alegria total. Nosso massagista 'Nocaute', que já tinha uma idade, aparece dando um mortal. É impressionante, foi a emoção de todo mundo. A Copa do Mundo é uma guerra e nós vencemos. Esse grupo foi fantástico, tinham várias lideranças. (...) Tinham brincadeiras e tudo, faz parte, mas depois do café a gente só falava de futebol: 'Temos que ganhar, temos que marcar'. Foi muito importante pra gente esse crescimento.
Perdido nos Estados Unidos com Branco
A gente estava de folga e fomos de Los Gatos até São Francisco. Falei: 'Vamos alugar um carro?' e ele respondeu 'Vamos'. Perguntei se ele sabia falar inglês e ele disse que não. Ele me perguntou de volta e eu disse que não sabia também, só falava Michael Jordan e Michael Jackson. Ice cream e mineral water, que é água mineral. O resto eu não sei. Aí fomos. Naquela época, não tinha 'Waze', tinha mapa. Nós marcamos e fomos. Aí chegamos lá e teve uma hora no sinal que a gente se perguntou: 'É pra direita ou pra esquerda?'. Aí ele entrou à direita, 200 milhões de carros vindo e só a gente indo, uma contramão nos Estados Unidos, sabe a m**** que dá. Na hora, veio um carro da polícia atrás. Eu falei uns 20 'please' pro cara. Aí eu mostrei uns cards meus da Seleção, ele olhou e falou algumas coisas como 'soccer, Pelé, Cosmos'. Aí ele levou a gente, ele viu que a gente estava perdido. Foi uma história legal.
Confusão na preleção da final
A gente estava fazendo a preleção e eu puxava a reza. Falei do Ayrton Senna, do povo sofrido, 24 anos sem ganhar. Estava bom demais, não precisava falar mais nada. Mas nordestino gosta de botar um tempero na comida. Aí eu resolvi falar sobre um grupo de japoneses que morriam pela pátria, se matavam pela pátria. E eles todos me olhando. Quando me perguntaram quem eram, veio um segundo nome na cabeça. Aí tive que falar, já ia começar o jogo. Eu falei os 'Kawazaki'. Um silêncio, todo mundo de mão dada, aí o Romário falou: 'Tu é muito burro, não é Kawazaki não, é Kamikaze. Aí os caras meteram a porrada em mim, me jogaram no chão. O Zinho brinca até hoje que essa é a maior preleção de todos os tempos. Deus falou: 'Tu vai pintar o quadro, mas na hora de assinar tu vai derramar a lata de tinta em cima'
Comentarista e cobertura do 7 a 1
É uma experiência muito diferente. Tive a oportunidade em 2010 e em 2014, no campo. Fui feliz em ter participado, e em 2018 também cobri, aqui do Brasil. Foi muito triste trabalhar naquela cobertura do 7 a 1. Porque era uma coisa inacreditável, primeiro tempo com cinco gols. O toque de bola, a apatia da Seleção, o time aceitou os gols. Claro que tinha a qualidade do futebol alemão, mas a reação... 'Ninguém vai fazer nada?'. Mas no segundo tempo já estava seis, sete... esquece
Momento mais marcante em Copas
O chute do Baggio foi o título pra gente. Eu vi uma entrevista do Taffarel que ele fala que foi bom não ter pego o pênalti, porque mostra que é um grupo. Se eu pego, todo mundo ia falar que o Taffarel pegou o pênalti. Marcou muito a força, a união desse grupo. O objetivo era ser campeão. A gente pensava jogo a jogo, passo a passo, principalmente depois dos três primeiros jogos. Parreira era um cara inteligente, um amigão. Se a gente não se fecha como nos fechamos, não ganharíamos aquela Copa. Se a Itália faz um gol, dificilmente a gente ia tirar. Parreira foi fundamental, um pai para todos nós.
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