Lesão pré-Copa: o que Neymar deve fazer para superar o medo?
Neymar estará na Copa do Mundo, mas revelou que precisa 'perder o medo' após sua lesão. O LANCE! falou com especialistas para entender o lado mental da recuperação do craque
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Faltando menos de um mês para a Copa do Mundo, a expectativa sobre a atuação da Seleção Brasileira em solo russo aumenta cada dia mais. Com ela, também o aguardo para o retorno de Neymar aos gramados. O camisa 10 estará recuperado da cirurgia que fez para a correção de uma lesão sofrida no quinto metatarso no pé direito, mas suas entrevistas recentes ligaram o sinal de alerta para outro aspecto importante: o lado psicológico. O craque chegou a declarar, em entrevista ao Jornal Nacional, que "precisa perder o medo" após a lesão para disputar o Mundial em alto nível.
- A expectativa (pela volta aos gramados) é grande. Está dando tudo certo. Comecei a andar novamente, mas sempre tem aquele medo de voltar. Preciso perder esse medo o mais rápido possível para chegar na Copa voando. No começo, a gente fica com receio de fazer o movimento todo e vai meio que compensando - disse Neymar, em entrevista ao Canal do Zico, no Youtube.
Essa preocupação não é exclusiva do atleta do PSG e nem novidade na Seleção Brasileira. Outro destaque também viveu uma situação parecida. No final de 2017, Gabriel Jesus passou dois meses sem jogar devido a uma lesão no ligamento do joelho, sofrida no duelo de véspera de Ano Novo durante partida do Manchester City contra o Crystal Palace. Após seu retorno, o atacante revelou que demorou para retomar a confiança e executar todos os movimentos.
- Quando você está em um jogo, sem querer, acaba pensando sobre o jogo anterior no qual se machucou... você sente um pouco de medo. Há alguns movimentos que ainda me dão receio de voltar a me machucar. Sei que tudo pode acontecer, mas tenho certeza de que quanto mais você joga, mais rápido esse medo passa - afirmou Gabriel Jesus, para a Reuters.
Essa é a principal lesão da carreira de Neymar. Os dois meses de ausência dos gramados superaram os 38 dias de recuperação de uma fratura em uma das vértebras da lombar na Copa do Mundo de 2014. Preocupações à parte, a previsão do médico Rodrigo Lasmar é que Neymar esteja disponível para o amistoso contra a Croácia, no próximo dia 3 de junho.
Fisicamente, tudo ok. Mas, e a parte psicológica? Neymar está recuperado da cirurgia no pé direito e já realizou seu primeiro treinamento com bola, mas estará 100% até a Copa do Mundo? Pensando nisso, o LANCE! conversou com especialistas, psicólogos esportivos e doutores para compreender o que é esse medo após lesões e o melhor para caminho para superá-lo.
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O que é o medo que Neymar sente?
As preocupações de Neymar e Gabriel Jesus são naturais do ser humano, e o medo pode ser interpretado de várias formas. Uma criança que cai de bicicleta demora para ter coragem de tentar de novo pela lembrança da dor sofrida. No caso de atletas profissionais, a preocupação após lesões é pela reincidência do fato, o temor por ficar mais tempo fora de combate, como conta a mestre em psicologia Suzy Fleury.
- Esse medo é um receio da lesão voltar a acontecer. É uma preocupação por algo que não é a primeira que acontece com ele. Ele (Neymar) pode estar pensando "e se, será que". Esse é o problema. É uma possibilidade que gera uma condição de perigo para o atleta. A questão é saber trabalhar e minimizar esse pensamento do medo de se lesionar novamente - disse Suzy.
A psicologia diz que o medo se trata de uma reação do corpo para uma situação de perigo, gera um estado de tensão, apreensão ou preocupação. Suzy lembra da Copa de 2014, quando o zagueiro Thiago Silva se desesperou na disputa de pênaltis entre Brasil e Chile. O medo, naquela ocasião, não era por uma lesão, mas sim pela preocupação com a eliminação. O fator mental que interfere diretamente nas reações físicas do atleta.
'O medo é pelo receio da lesão voltar. É saber trabalhar e minimizar'
- Qual é o perigo que um atleta tem ao bater um pênalti? O Thiago Silva na Copa passada é um exemplo. Não havia risco para a vida dele. É preciso entender que o medo é uma emoção que gera a sensação de perigo, mas não é real. A ideia é entender o que o jogador está pensando. Se estiver lembrando da lesão passada, ou projetando uma possibilidade de nova lesão, não vai sair desse ciclo vicioso - conta Suzy.
O artigo publicado pela psicóloga mostra que de três a cinco milhões de pessoas se lesionam por ano nos ambientes esportivos. Fatores físicos como colisões, treinamento excessivo e fadiga são as principais causas de lesões. Suzy lembra do auxílio no tratamento de Phillipe Coutinho, onde o jogador não retornou da mesma forma após sua contusão.
- Eu trabalhei com o Phillippe Coutinho durante a recuperação de uma lesão. Quando ele volta, não volta na mesma condição física de antes por causa do tempo que ele ficou de fora. Próximo passo é retornar à academia e recomeçar as atividades físicas para recuperar a confiança e produzir aquilo que produzia anteriormente - revela a psicóloga.
Perda de rendimento e falta de confiança: como o medo age nos atletas?
Quais reações o medo causa? É comum ver atletas se poupando durante as partidas, tirando o pé em divididas e buscando fugir de novas lesões. Em um esporte de alto nível, isso faz diferença. A falta de confiança torna o atleta mais vulnerável e dá vantagem ao adversário, como conta o membro do conselho diretor da Sociedade Internacional de Psicologia, Franco Noce.
- O medo pode ser entendido como um mecanismo de defesa. Há o medo de reincidir a lesão e comprometer uma meta que será muito importante na sua carreira, no caso, a Copa do Mundo. No caso do Neymar, leva em conta que ele ficou fora de alguns jogos nessa temporada. Esse medo é a dissonância do nível de dificuldade e a capacidade de lidar com a situação - diz o psicólogo.
'É comum ver atletas tirando o pé ou se poupando por medo'
Neymar também terá outra dificuldade para superar na Copa do Mundo: o estresse. Principal nome da Seleção Brasileira, é inegável que existe uma pressão sobre ele por um bom resultado no Mundial. Franco lembra da Olimpíada Rio-2016, em que o camisa 10 foi criticado por suas atuações iniciais e acabou explodindo até a conquista da inédita medalha de ouro. Na Rússia, enfrentará uma situação parecida.
- Quando o atleta é colocado diante de diferentes pressões, isso pode dificultar ainda mais o processo de recuperação, porque além do medo de reincidir a lesão, existe o julgamento social. O Neymar na Olimpíada, quando não estava tão bem, foi perseguido pela torcida. Hoje ele está mais maduro e isso é um ponto marcante na recuperação - conta o psicólogo esportivo.
Ou seja, o medo, ao invés de causar uma sensação de proteção, causa mais efeitos prejudiciais para um atleta profissional que para um cidadão comum. O corpo humano executa a ação do cérebro de maneira sincronizada, fator importante no esporte, onde cada milésimo é importante. Quando não se tem sintonia, há a queda de rendimento. Por isso o psicólogo faz questão de lembrar da importância de ser estar bem fisicamente e mentalmente.
- O atleta estar clinicamente recuperado não significa estar psicologicamente recuperado. A lesão pode custar sequelas emocionais e a recuperação tem resposta individual. Tudo depende do nível de resiliência que ele tem. Varia de acordo com a situação, com a gravidada da lesão, com experiências anteriores. Muita gente lembra da lesão que o Ronaldo teve na Internazionale, onde ele também superou a adversidade e foi eleito melhor do mundo - disse Franco.
Melhor tratamento possível e garantias de estar 100%: o lado médico da lesão
A psicologia faz sua parte, mas a medicina também tem influência direta na recuperação de Neymar. Afinal, estamos falando de uma fratura óssea que precisou de um procedimento cirúrgico. De acordo com o diretor de saúde Michael Simoni, a decisão de realizar a operação partiu de evidências da medicina esportiva, métodos de análise que dão proteção ao atleta e encaminham o melhor meio de tratamento para os responsáveis.
- A medicina moderna esportiva entende que a fratura tem um resultado mais previsível quando operado. Se ele operar e correr tudo bem, tem chance muito alta de voltar em poucos meses. Se você não operar, pode ter o mesmo resultado, mas um número maior de pessoas demora mais tempo para retornar. Isso é previsibilidade. Medicina é baseada em evidência. É análise de estatísticas, de métodos, para ver se funciona ou não - afirmou o especialista.
'Medicina é baseada em evidência. É análise estatística e métodos'
O debate sobre a operação, ou não, do camisa 10 surgiu após o pai de Neymar ter declarado o desejo de realizar o procedimento, mas o PSG foi contra em um primeiro momento. Após nova conversa, o clube francês liberou o atleta para realizar a cirurgia. Com a operação, o tempo de recuperação foi maior, mas a chance de voltar a ter uma lesão no local diminui comparado a não realização. Para Simoni, o tempo hábil para recuperação permite que Neymar esteja bem fisicamente para a Copa do Mundo.
- Ele tem um mês pela frente. Considero tempo suficiente para o tratamento da lesão e para retornar à forma física ideal. Terá tempo para fazer coletivos e participar de amistosos. Ele está fazendo fisioterapia, usando uma bota sintética, fazer uma série de técnicas da medicina esportiva para acelerar sua recuperação. Depois é o período para se reacostumar, recuperar a sensibilidade e voltar ao trabalho - disse o médico.
Para o médico, o medo sentido por Neymar é normal, mas tem dois lados: o que era preocupação, vira confiança meses depois. Segundo o diretor de saúde, o atacante voltará a recuperar sua confiança no momento que perceber que pode realizar seus movimentos sem se preocupar em sentir dor. Ele cita a ação neural que é usada pela medicina nesses casos.
- Pisar no chão e andar é fácil. Em três dias você está andando bem. Depois disso, o que era medo vira confiança quando começa a fazer coisas que não conseguia. Nosso corpo tem essa capacidade de reconhecer a confiança no cérebro. Isso não é só psicologia, é uma ação neural. Você fala para o atleta que está 100%, você aperta o local e ele não sente dor, depois retoma a confiança com trabalho físico gradual - declarou Simoni.
Próximo passo: como fazer para melhorar e seguir em frente?
Não é um caminho fácil. Recomeçar é sempre um período de dificuldade e muita readaptação. Neymar terá que reaprender a realizar os movimentos mais básicos, que antes eram naturais quando jogava bola. Outro ponto importante é retomada da confiança. Por exemplo, não sentir o medo de usar o lado do pé nas jogadas, deixando a bola encostar no local da fratura. Segundo a psicóloga Suzy Fleury, esse processo de ressignificação da lesão será fundamental.
- É começar a falar abertamente nas sessões para que ele sinta esse medo de forma mais realista. É olhar para o medo, ressignificar e aumentar a atenção no que ele tem que fazer. O Neymar sempre teve característica de fugir do contato por ser ágil, ele facilmente sai do confronto físico. Trabalhar a concentração. Ele tem que estar bem fisicamente e mentalmente dentro da condição de jogo – afirma Suzy.
O tratamento é feito passo a passo, como alguém que tem fobia de viajar de avião. A pessoa é exposta a situações gradualmente, como balançar, olhar para baixo de um andar alto, entrar em um avião estacionado, até que finalmente aceite e consiga realizar a viagem. Neymar também caminhará aos poucos, com dribles, passes, chutes, até chegar em um estágio que o permita disputar uma partida oficial, como conta o psicólogo Franco Noce.
- É voltar a fazer o que fazia anteriormente. Drible, passe, cabeceio, ele vai percebendo que isso não ficou diminuído por causa da lesão. Quando ele começar a perceber que seu nível de produtividade técnica continua igual, sentir que ele está voltando ao ritmo de jogo normal, vai melhorar seu desempenho técnico - diz Franco.
Outros jogadores que sofreram a mesma lesão
Lionel Messi (Barcelona, 2006): recuperação em 12 semanas
David Beckham (Manchester United, 2002): recuperação em sete semanas
Wayne Rooney (Manchester United, 2006): recuperação em seis semanas
Michael Owen (Newcastle, 2005): recuperação em 17 semanas
John Terry (Chelsea, 2009): recuperação em oito semanas
Steve Gerrard (Liverpool, 2004): recuperação em dez semanas
Manuel Neuer (Bayern de Munique, 2017): ainda em recuperação
Robert Lewandowski (Bayern de Munique, 2016): recuperação em seis semanas
Gabriel Jesus (Manchester City, 2017): recuperação em dez semanas
Richarlison (Fluminense, 2016): recuperação em seis semanas
*Sob a supervisão de Thiago Salata
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