O dia 1º de maio de 1996 é traumático para a história do Corinthians. Há exatos 20 anos, o elenco alvinegro composto por nomes como Ronaldo, Zé Elias, Marcelinho Paulista, Edmundo e Tupãzinho escapou por pouco de uma catástrofe no aeroporto Mariscal Sucre, no centro em Quito (EQU).
Após vencer o Espoli por 3 a 1 e abrir caminho para a classificação às quartas de final da Libertadores daquele ano, o Timão estava prestes a voltar para o Brasil. No Boeing 727-2B6 da Fly estavam, além de atletas, comissão técnica e diretoria, alguns jornalistas e torcedores. No entanto, o avião teve problemas na decolagem. Enquanto a aeronave ganhava velocidade para deixar o solo, o piloto Cledir Joaquim da Silva percebeu que havia algo errado e tentou abortar a missão. Mas o avião derrapou na pista molhada pela chuva, chocou-se contra o muro do aeroporto e quase despencou em uma avenida próxima.
— O comandante reverteu as turbinas, tentou frear, mas o avião deslizou e saiu pela área de escape. Havia muretas de concreto que rasgaram o avião por baixo para fazê-lo frear, mas o avião derrubou o muro e parou com o bico na avenida — lembrou Ricardo Capriotti, repórter da Rádio Bandeirantes que estava no avião, ao LANCE!.
— Quando parou, a turbina estava pegando fogo. Estava vazando querosene. Todo mundo entrou em desespero e começou a gritar que ia explodir. Abriram as portas de emergência, as pessoas saíram rapidamente — acrescentou.
Foi um tumulto generalizado. Preocupados com o risco da explosão, os passageiros não esperaram que o resgate posicionasse os tobogãs infláveis nas saídas de emergência da aeronave. Muitos se atiraram lá de cima, de uma altura de quase três metros. Tupãzinho foi quem mais se machucou. Ele tentou sair pela asa, sofreu queimaduras com o querosene e ainda torceu o tornozelo na queda. Outros cinco passageiros sofreram ferimentos leves.
— Tinha um cara da Gaviões que era super obeso e ficou entalado na porta. Todo mundo estava atrás, desesperado, e ele não conseguia passar. Acabou indo para uma clínica em Quito porque teve crise de pressão alta. Todos estavam muito nervosos, passamos por uma situação de estresse extremo. Ouvi vários gritos de “está batendo, vamos morrer!”. E é um momento ainda mais tenso porque você não consegue ver o que esta acontecendo à sua frente. Fica perdido — afirmou Capriotti.
O volante Zé Elias, então com 20 anos, lembra que o medo começou antes mesmo de saírem do Brasil . O estado da aeronave que levara o time para o Equador já não era dos melhores.
— A ida já foi ruim, porque o avião era velho. A gente pousou de lado e eu fiquei meio assustado. Na volta, todo mundo já estava com o pé atrás. Para você ter uma ideia, teve uma hora que o Edmundo gritou pro Toninho Oliveira que estava demorando muito para sair. “Estamos aqui há muito tempo, já era para estarmos no Brasil”. E o Toninho respondeu: “Fica quieto que você já ganhou duas horas de vida” — contou Zé Elias ao L!.
As pessoas que conseguiam sair do avião correram de volta para o aeroporto. Os bombeiros logo chegaram e controlaram o fogo, evitando a explosão. Elenco, diretoria, imprensa e torcida alvinegros usaram os poucos telefones fixos disponíveis para se comunicarem com suas famílias. Em seguida, o grupo rumou para um hotel e decidiu que voltaria para casa naquele mesmo dia.
— Quem estava no segundo avião e não sabia o que tinha acontecido com a gente, viu a carcaça do nosso na pista e ficou horrorizado. Ouvi comentários como "as pessoas desse avião devem ter morrido". Na decolagem, foram 15 minutos de gritaria, todo mundo chorando e se abraçando. O mesmo aconteceu no pouso em São Paulo. Chegamos e estavam nossos parentes e a imprensa para nos recepcionar — disse o ex-jogador.
O elenco alvinegro teve apenas um dia de folga antes de voltar aos treinos. Segundo Zé Elias, a intenção era evitar ficar parado remoendo o acidente, a fim de não "perder a coragem" ou "criar traumas".
Dos males, o menor. Se o avião tivesse levantado voo, poderia ter se chocado contra as montanhas da Cordilheira dos Andes, que cercam o aeroporto, e a tragédia seria anunciada. Apesar do susto, o dia 1º de maio, há 20 anos, foi de sorte para os corintianos.
"Hoje é meu aniversário de 20 anos"
Hoje é meu aniversário de 20 anos. O meu e de todos os demais que estavam naquele fatídico voo da Fly Linhas Aéreas que sairia de Quito, no Equador, com destino a São Paulo, no fim da tarde de 1º de maio de 1996.
O voo era fretado pelo Corinthians. Nele, estavam jogadores, comissão técnica, jornalistas e alguns torcedores - e eu era um deles.
Todos a bordo após a vitória sobre o Espoli, pela Taça Libertadores. O avião se posicionou na cabeceira da pista, ligou as turbinas e começou a acelerar. Naquele momento, eu já havia tirado o tênis e queria só dormir um pouco.
Quando a aeronave rasgava na pista, de repente, o piloto reverteu as turbinas numa tentativa brusca de freá-la. Mas ela não parava, e, na visão que tinha da janela, o que era asfalto virou mato. A pista, molhada pela chuva, havia acabado.
O que tinha depois da pista? Eu não fazia a menor ideia. Um penhasco? Um descampado? Um morro? Todos estavam em pânico.
Desgovernado, o Boeing 727 embicou pra baixo, e as luzes se apagaram. Parecia um temido abismo e, naquele momento, me agarrei ao banco da frente e tive a certeza da morte.
Tudo isso acontecia em segundos, mas, como se fossem flashes, pensei em duas coisas: em meus pais (como eles receberiam a notícia) e, juro, nos álbuns vermelho e azul dos Beatles (o vício nessas coletâneas estava no auge e nunca mais poderia ouvi-las).
O avião, enfim, parou, empinado pra baixo e após um forte tranco. Um comissário rapidamente abriu a porta de trás. Corri em direção a ela e me joguei pra fora. Só de meias, cai em uma área pantanosa, onde estava a parte traseira do avião. O bico estava no meio de uma rua, com as asas a poucos metros de um arco gigante de concreto. Contaram depois que jorrava querosene de um lado, e havia fogo de outro.
Corremos muito. Eu, Michel, Monga, Renato, outros. Corríamos um pouco e olhávamos pra trás, corríamos um pouco e olhávamos pra trás. Imaginavamos se jogar no chão, se o avião explodisse. Não precisou. Os bombeiros chegaram logo, todos se salvaram, e comemoramos abraçados e descalços na pista de Quito.
*Eduardo Scolese é jornalista. É editor do caderno "Cotidiano", da "Folha de S.Paulo"
**Colaborou Rodrigo Vessoni