Preocupado com o nível técnico de seus jogadores da base e do profissional, o Corinthians decidiu criar um novo departamento com a ideia de aprimorar os fundamentos básicos do jogo: passe, drible, cabeceio, condução, domínio, chute, marcação e tantos outros. Será o “Setor de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento de Habilidades Técnicas e Específicas”.
Já há dois profissionais à frente do novo departamento: Luciano Netter, que era auxiliar da categoria sub-15, e Zé Augusto, que já trabalhou na base do Timão e passou recentemente pelo Osasco Audax, que é uma referência em jogo conceitual e trabalho tático no futebol paulista. A dupla fará trabalhos intensivos e complementares às categorias – a princípio, o setor atuará somente na base, mas há a perspectiva de que jogadores recém-contratados ou em baixa no time profissional se aprimorem.
– Habilidades específicas precisam ser lapidadas e precisam de tempo para isso. Tem alguns jogadores que maturam um pouco antes ou um pouco depois – define Rodrigo Leitão, coordenador geral da área de formação do Corinthians.
Mestre e doutor em ciências do esporte pela Unicamp e instrutor dos cursos de formação de treinadores da CBF, Leitão é o mentor deste novo departamento. Ele já trabalhou no Timão, como técnico das categorias sub-17 e sub-18, e volta para trabalhar lado a lado com Fausto Bittar Filho, que é diretor da base há somente três meses.
Estudioso do futebol, Leitão tem um objetivo claro em mente nesta nova missão na base do Corinthians. Ele mesmo o explica ao LANCE!:
– A ciência tenta entender a arte, entender a criatividade, entender o improviso do futebol e transformar isso em treino. A ciência só faz sentido porque existe a prática. E isso que estamos buscando.
Bate-bola
Rodrigo Leitão, coordenador das categorias de formação do Timão, ao LANCE!
Você já foi treinador e agora chega ao Corinthians para uma função de gestão. O que é mais importante: o campo ou o escritório?
Eu considero que a grande sacada é o entendimento de que os dois se conversam. Ter essas duas possibilidades, a gestão de escritório e a gestão de campo, permite que as duas coisas fiquem melhores. Na Inglaterra é assim há muito tempo, isso também ocorre na França e na Espanha. Lá os treinadores estão dentro do campo, mas entendem a gestão fora de campo. Se eu consigo levar para os treinadores um pouco de ciência para correção de rota, para o melhor trabalho, convívio com profissionais diferentes. É uma troca de informações importante para o clube.
Como aplicará seu conhecimento científico no trabalho em campo?
Quando a gente teve o tropeço na Copa do Mundo de 2014, a metralhadora girou para a base: "ah, a gente já não forma tanto", "a geração é ruim", etc, etc. E aí, paradoxalmente, as grandes empresas que fornecem dados para clubes do mundo inteiro colocaram 18 jogadores brasileiros entre os melhores do mundo. Ou seja, jogadores que estavam sendo tidos como melhores e a gente achando que nossa geração não era bem formada. De uma maneira muda-se o treinador e parece que uma varinha mágica muda tudo. E mais: o histórico das nossas categorias de base, em clubes e Seleção, é de muito sucesso, nossas equipes vão para fora e vão muito bem esportivamente. Não é verdade que o Brasil parou de formar jogadores. Aí entra a questão de uma briga idiota: por que essa discussão toda começou? Porque teve uma briga entre acadêmicos e ex-jogadores, algo sem fundamento. Queremos pessoas que saibam trabalhar bem, que entendam bem daquilo que fazem. Não importa se jogou ou não. Importa o entendimento do jogo, a didática para falar, o preparo para trazer para o campo a informalidade das peladas.
Ciência faz mudar treino?
Certamente. Se a gente perguntar aos nossos craques do passado como eles aprenderam a jogar futebol vão nos contar histórias de campinhos de várzea, de bola batendo na parede. Vamos perceber que eles se divertiam fazendo, que gostavam, e aquilo os fazia querer mais. Nossa missão é envolver o garoto da base do Corinthians a ponto de ele ver o treino como prazeroso, mas sem deixar de ser sério. Posso ter uma parte formal, mas divertida, que dê liberdade. Isso que pensamos no final da iniciação, começo da especialização.
Como funciona essa conceituação de iniciação e especialização?
Iniciação termina entre 12 ou 13 anos, aí começo no início da especialização. A ludicidade pode estar em todo esse processo da iniciação e mesmo até o fim do processo de especialização. Inclusive no alto rendimento. A diferença é a abordagem da ludicidade. Para ser divertido não precisa deixar de ser sério. O treino do sub-20 pode ser envolvente, e isso é ludicidade. Ela faz com que qualquer indivídio esteja totalmente entregue à ação.
O Corinthians já está usando o novo CT da base. No que isso ajuda o trabalho de vocês?
O principal é estar próximo do profissional, as coisas vão estar mais fáceis na transição para o profissional. Sob o ponto de vista metodológico podemos ter ganhos também. Imagine que hoje temos cada categoria treinando em um local diferente. A ideia com o CT é não haver essa separação, haver integração de comissões técnicas, todos acompanhando o trabalho de todos o tempo todo. É importante que todos possam vivenciar a sua categoria e as outras. Também facilita a questão logística, campos e escritórios no mesmo lugar. Saímos do treino e já vamos para a sala discutir o treino, hoje não podemos fazer isso, por exemplo.
Qual é seu pensamento sobre o processo de captação de jogadores? O que pretende fazer de diferente?
Eu imagino uma estratégia baseada em fatos e informações à disposição. Por exemplo, tem muitos jogadores em clubes diversos que chegam ao profissional e quando vamos estudar quem chega ao profissional tem coisas em comum: é muito recorrente que esses caras não morem longe do clube, num raio de 200 km do clube. Os jogadores que chegam ao profissional em boa parte são aqui da Zona Leste. Isso é muito importante, temos que conhecer bem nossa região. Esse é o primeiro ponto estratégico, de chegar primeiro. Segundo: conseguirmos saber para onde olhar além desse raio. Para onde vamos olhar? Estamos construindo um perfil de jogador para estar no Corinthians e chegar ao profissional. Preciso saber de onde vem esse perfil. Se eu acho um jogador com esse perfil e desenvolvo, a chance é boa de dar certo. Há um terceiro ponto, mas eu não posso dizer, porque passa por uma rede de contatos para poder fazer.
Você falou em perfil de jogador para o Corinthians. Que perfil é esse?
Estamos construindo com as comissões técnicas. Mas tem coisas muito claras sob o ponto de vista do que é treinável dentro de um perfil emocional, técnico e físico. Aquilo que for menos treinável será determinante no nosso processo de captação. Velocidade de tomada de decisão é uma coisa extremamente treinável, por exemplo. Mas velocidade cíclica, correr 20 metros daqui até ali, não é treinável. Ou o cara é rápido do ponto de vista biológico ou não é. Não transformo um cara que não é rápido num cara rápido.
Mudanças na base
Profissionais - Zé Augusto no departamento inovador, Kauê Berbal como fisiologista exclusivo das categorias de formação, Leandro Mehlich como técnico do sub-17 na vaga de Marcio Zanardi e Guilherme Bellangero como auxiliar do sub-15 foram os profissionais contratados nas últimas semanas pelo clube.
Setores - Além da criação do novo setor de desenvolvimento dos jovens do Corinthians, tem havido o aprimoramento dos setores de captação e mesmo análise de desempenho focados na base. O departamento de análise agora se chama "Centro de Análise de Desempenho e Inteligência da Informação".