(Atenção! Alerta de spoilers: se não quiser receber informações antecipadas sobre o filme "Teu mundo não cabe nos meus olhos", é aconselhável não prosseguir).
Você que está lendo essa matéria agora, parabéns! Você tem o dom da visão. Mas saiba que há pessoas que não o possuem e ainda assim optam por não enxergar. Abaixo, você saberá de duas.
Uma delas provavelmente você já conhece ou pelo menos já ouviu falar. É a pequena Giulia, de 11 anos. Ela é filha do atacante Roger, recém-contratado pelo Corinthians como esperança para ser o tão aguardado camisa 9. Giulia é deficiente visual desde que nasceu. Assim como Vitório, personagem de Edson Celulari no filme "Teu mundo não cabe nos meus olhos", dirigido por Paulo Nascimento. Realidade e ficção que se conectaram na última quinta-feira, em uma sala de cinema na Zona Oeste de São Paulo, e teve o Corinthians como pano de fundo.
Giulia, Roger, seus familiares e amigos foram convidados da Paris Filmes para uma sessão de lançamento do longa. A menina que ficou famosa no país pelo exemplo de vida foi conhecer a história de Vitório, cuja deficiência visual não o impede de exercer todo seu amor pelo Corinthians.
Na trama, ambientada em 2012 (Que ano, né, Fiel?!), Vitório vai ao Pacaembu vestido com o manto alvinegro, canta, vibra com os gols do Timão, se emociona como todo membro do bando de loucos. Sentimentos compartilhados por Giulia, atenta e confortável na primeira fileira da sala. Ela ri, brinca com o pai, com quem divide comentários sobre as cenas. Parece viver um sonho, que se desenhara nos dias anteriores, quando surgiu o convite.
- Ela (Giulia) está doida, faz dois dias que não dorme, não dá sossego. Já queria marcar para ontem (quarta-feira), e aí falei que era o dia do jogo (Corinthians enfrentou o Independiente-ARG pela Libertadores), que não dava. Espero que ela tenha uma noite especial - anunciou Roger, pouco antes de o filme começar, em contato com o LANCE!, que acompanhou a sessão.
Sem conhecer a história de Vitório, Giulia previu do que a experiência no cinema é capaz. Ela não viu o pizzaiolo dono de uma pizzaria no bairro do Bixiga vibrando com a Fiel no estádio, mas sentiu-se como se estivesse lá. Tudo graças a um aplicativo por meio do qual teve acesso à audiodescrição das cenas. Com a tecnologia, desfrutou dos prazeres da sétima arte. A comunicação de acessibilidade foi desenvolvida pela Accorde, produtora do longa, e pela Iguale, e reúne ainda LIBRAS e legendas descritivas (LSE). Estarão disponíveis nas salas em que o filme for exibido.
- O filme foi muito legal, tem muita coisa igual à gente, deficiente visual. E é engraçado porque realmente, as mesmas coisas que a gente faz, ele também faz como personagem. Acho que ele (Edson Celulari) se pôs no lugar de um deficiente visual para fazer esse filme - comentou Giulia, que também descreveu suas percepções:
- Eu me senti muito nas partes em que ele pegava o radinho no estádio, que ele sabia quem era a pessoa pela audição, pelo cheiro. Pelo cheiro até não porque não sinto muito comigo, mas ouvindo, sim. Até trocar as coisas de lugar, as broncas, porque acontece comigo isso (risos).
A identificação de Giulia com o personagem foi tamanha que ela parecia ter feito um novo amigo. Principalmente porque possuem o mesmo sentimento no que se refere à sua deficiência. Há algum tempo, a filha de Roger surpreendeu os pais ao dizer que não queria enxergar. Estava satisfeita e feliz exatamente como era. A trama leva o corintiano Vitório à mesma conclusão.
- A parte que eu mais gostei do filme foi quando ele volta a não enxergar. Foi a parte que mais gostei porque ele voltou a ser feliz. Se acontecesse comigo, eu tomaria a mesma decisão que ele. Não a de enxergar, mas a de não enxergar . - afirmou Giulia, com seu sorriso característico no rosto.
A decisão da menina, tomada há alguns anos e representada na telona, mexe com Roger. Ele termina a sessão desconcertado. A reflexão é inevitável:
- Traz uma discussão à mesa. Nós, como pais, temos o sonho de ver nossos filhos melhores do que nós. Tenho sonho de ver a Julia falando línguas, morar fora. Tenho sonho de vê-la enxergar, de ver meus filhos voarem alto. E de repente, você traz uma ideia de que talvez isso não seja o ideal. Então, vou ter de refletir um pouco. Esse filme falou muito no coração. Trouxe algumas coisas que num futuro próximo terei de reavaliar alguns sonhos, principalmente da Giulia - comenta.
Giulia tem a explicação na ponta da língua:
- Para mim, o filme diz: não mude, seja você mesmo!
Giulia é uma menina normal, saudável, inteligente, representante na luta pela aceitação das pessoas com deficiência, e agora mais uma torcedora do Corinthians, o time do pai. E teu mundo não cabe nos olhos dela!
O Corinthians se ligou e decidiu homenagear a menina no anúncio da contratação de Roger, enviando uma carta em braile à ela. Veja:
"Aqui tem um bando de loucos..."
Passada a alegria de acompanhar um filme no cinema, é hora de exercer sua torcida pelo pai e pelo Timão. No próximo domingo, Roger deve estrear com a camisa do Corinthians no duelo contra o Ceará na Arena Corinthians, pelo Campeonato Brasileira. Lá estará Giulia, de corpo e alma agora alvinegra.
- Eu vou estar muito feliz! E orando por ele, torcendo para ele cada vez mais, para ele fazer vários gols e arrasar no jogo. Vai ser 2 a 0, com dois gols dele! - palpita.
A menina não perdeu tempo e também colocou na ponta da língua a música da Fiel que mais lhe encanta. Ao primeiro pedido da reportagem, respondeu com a letra:
"Aqui tem um bando de loucos, loucos por ti, Corinthians! Pra aqueles que acham que é pouco, eu vivo por ti, Corinthians!".
A alegria de Giulia mostra mais do que os olhos são capazes de ver.