CEO do Cruzeiro vai buscar recuperação judicial e ‘joga pesado’ pela mudança para clube-empresa
Vittorio Medioli escreveu um longo texto explicando como pretende colocar o Cruzeiro nos trilhos depois das desastrosas gestões que a Raposa teve, levando o clube ao caos interno
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O CEO do Cruzeiro, o empresário Vittorio Medioli, continua suas explanações sobre como tentará, ao lado do conselho gestor do clube, tentar erguer a Raposa, que vive sua maior crise na história, com uma dívida de mais de R$ 700 milhões, falta de credibilidade comercial e esportiva, que culminou no rebaixamento da equipe para a segunda divisão.
Medioli escreveu uma coluna no jornal “O Tempo”, que faz parte das suas empresas, detalhando os planos iniciais do conselho gestor da Raposa e como vão colocar em prática um plano de ação que tire o clube do “limbo” financeiro e institucional.
O dirigente voltou a bater na tecla de mudar a natureza comercial do Cruzeiro, deixando de ser clube recreativo para clube-empresa, criando assim, uma Sociedade Anônima, o que poderá fazer da equipe celeste em uma empresa focada no mercado, com menos interferências pessoais e foco em resultados dentro de fora de campo.
Outro ponto importante da fala de Medioli é a tentativa que o Cruzeiro fará em breve de buscar uma recuperação judicial, o que pode paralisar as dívidas, dando tempo para que o clube organize como irá pagar aos credores e consiga ainda seguir o dia a dia da instituição. Veja abaixo a coluna de Medioli.
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Ad astra
Quanto mais sofrido o caminho, mais elevado será o prêmio
Em 22 anos desta coluna, raríssimas vezes abordei o assunto futebol. Até porque já tem batalhões de gente falando disso.
Hoje tratarei do Cruzeiro Esporte Clube, uma marca gloriosa que completa, no dia 2 de janeiro, 99 anos de vida.
Nasceu em 1921 pela vontade de imigrantes italianos que aqui começaram uma nova vida, numa época em que o país de origem parecia distante como a Lua. Deram o nome de Palestra Itália. Adotaram a camisa tricolor, fiel à bandeira italiana.
O Palestra foi forçado a mudar de nome por imposição do governo, quando, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil se alinhou com países do lado oposto ao da Itália. O Palestra acabou assumindo, assim, o nome Cruzeiro, ao mesmo tempo em que nasceu Palmeiras, em São Paulo. O nome Itália foi varrido.
Em Belo Horizonte, no Barro Preto, mudou-se a camisa para a cor de fundo da constelação das cinco estrelas do Cruzeiro do Sul, estampada na bandeira do Brasil. O azul “royal” era exatamente a cor adotada pela seleção de futebol italiana, naquele momento duas vezes campeã do mundo, a “Azzurra”.
Quando cheguei a Belo Horizonte, meu destino já estava traçado, abracei o Cruzeiro em 1976, sem odiar o América e o Atlético, nutrindo, aliás, uma grande admiração pelos ídolos alvinegros, como Reinaldo, Cerezo, Paulo Isidoro, que travavam jogos espetaculares contra Dirceu Lopes, Joãozinho, etc.
Conheci, na casa daquele que seria depois meu sogro, o então mítico Elias Kalil e o filho dele, bem mais novo do que eu, Alexandre. E no Cruzeiro, Felício Brandi era o farol, o benfeitor, o presidente admirado.
Naturalmente acabei me distanciando da Itália (desde 2017 não vou lá). Amigos e parentes minguados, falecendo, outros poucos nascendo. Fiquei mais mineiro do que muitos aqui nascidos. Já acumulo dois terços de vida, ou 44 anos, transcorridos aqui.
Por destino e sorte (que muito me acompanhou), estruturei o vôlei do Cruzeiro e o levei ao vértice mundial, seis vezes campeão brasileiro, seis vezes sul-americano, três vezes Mundial. Nem eu consigo entender direito o que aconteceu. Importante é que aconteceu.
Por uma série de fatores que defino: seriedade, estudo dedicado, construção de um ambiente comprometido com a verdade, o respeito, a competência, a superação, a disciplina, a vontade, os exemplos. Nunca abdicamos no Sada Cruzeiro da possibilidade de melhorar, nem pensamos em ser menores que os maiores. A derrota, ensinei aos meus colaboradores, faz parte da disputa, mas suar a camisa é uma obrigação, e sair com a certeza de ter dado o melhor, usando da arte, da beleza, da garra. O projeto do vôlei sempre teve os jovens como alvos, a disciplina, o crescimento humano, o enriquecimento do caráter para se sair bem dentro e fora de quadra.
Semana passada me convocaram com um telefonema de última hora, pela primeira vez na história, a participar de uma reunião plenária do conselho do Cruzeiro. Agora destroçado, esvaziado pelas derrotas, pelas dívidas, pelo caos. Na reunião de “notáveis”, convocados para rejuntar os cacos e tentar sair do atoleiro, uma grande preocupação: o sonho azul não pode acabar.
Rebaixados para a Série B, pela primeira vez, atolados em dívidas de mais de R$ 700 milhões, pior, num ambiente devastado pelas práticas condenáveis, irregularidades, maluquices, irresponsabilidades, interesses inomináveis. Pobre Cruzeiro.
Na reunião, depois de poucos minutos, os olhares voltados a mim: é você!
Pensem bem, porque eu sou complicado, exigente, tenho pouco tempo e não sei trabalhar sem autonomia, me incomodam os incompetentes, vaidosos, dissimulados. A resposta: é isso, você será o CEO dessa empreitada.
Não adiantou ponderar outras coisas e apreensões. Mergulhei no mar de lama de uma erupção em curso.
Sou prefeito de outra massa que recebi falida, Betim. Município que, depois de um tratamento intensivo e regenerativo, apesar dos saudosos das épocas em que a prefeitura era vista como uma vaca leiteira à disposição de uma corriola, hoje apresenta resultados notáveis. Sem dinheiro e um monte de dívidas, temos mais de R$ 1 bilhão de investimentos em infraestrutura conseguidos sem um só empréstimo e gasto de um real público. A fórmula foi encolher, cortar, dar eficiência e valorizar as parcerias, a meritocracia de uma equipe que vai crescendo em eficiência a cada dia.
O Cruzeiro tem solução, aliás, tem várias soluções que deverão ser discutidas. Estou disponibilizando minhas férias e as horas que sobram depois das 12 dedicadas diariamente a Betim. O Cruzeiro para muitos é como uma mãe, um filho, um amigo, uma razão de felicidade, de orgulho. Um conjunto de fortes emoções que transcendem a própria razão, dezenas morreram em decorrência da queda para a Série B.
Precisa arregaçar as mangas, limpar, fazer uma assepsia profunda, esterilizar o ambiente contaminado, livrá-lo do supérfluo e ter foco na meta, no que vem pela frente. Os cortes já estão em curso. É necessário ter presente que o orçamento anual caiu de R$ 380 milhões em 2018 para apenas R$ 80 milhões em 2020. O desafio é enlatar uma baleia numa caixa de sardinha. Ou melhor: esquecer que éramos uma baleia e viver uma digna e séria realidade de sardinha que pretende voltar à sua condição de gigante.
A lei permitirá em breve (aguarda o voto do Senado) a recuperação judicial do clube. Importantíssimo nesse momento. Poderemos oferecer um plano de recuperação de longo prazo, arrolar bens imóveis e assumir compromissos de liquidar a dívida real, aquela que for reconhecida como legal e justificada. Poderemos alienar bens que não são imprescindíveis, captar recursos, assumir personalidade jurídica diferente, lançar bônus e ações.
No momento poderemos liberar uma parte de atletas, realizar a transação de outros, adotar medidas de acordos reciprocamente convenientes. Partiremos para a recuperação de crédito, de valores desviados, e para isso já tem adiantada a ação do Ministério Público e da Polícia Civil. Modificaremos o estatuto, inserindo práticas moralizadoras e que permitam transformar o Cruzeiro numa verdadeira empresa. Isso quer dizer assumir a obrigação de auditar balanço, implementar normas de ética e procedimento, suspensão a qualquer momento de mandatos de diretoria e de presidência. Nada diferente de quanto já fizeram em países da Europa, onde o futebol vive seu momento de maior sucesso. O clube é uma associação exposta a todos os desmandos possíveis, sem dono, sem responsabilidades, fragilizada por falta de transparência e fiscalização.
O Botafogo do Rio, na sexta-feira última, aprovou a mudança para Sociedade Anônima (SA), medida auspiciosa e inevitável para a sustentabilidade do projeto.
Uma empresa não escolhe um incompetente, ou, se assim acontecer, tira-o do cargo rapidamente.
A mesma equipe que saneou o Flamengo e vem transformando o Botafogo já está trabalhando propostas concretas para o conselho escolher e aprovar. Serão propostas que passarão pela análise e discussão dos torcedores.
O Cruzeiro não será mais uma caixa-preta, estará à disposição da fiscalização externa, até porque é a única forma de livrá-lo dos abusos, explorações, nepotismos, locupletações e desmandos.
Até 25 de janeiro determinamos o prazo de traçar um plano para reerguer o Cruzeiro e lhe dar condição de novas e maiores vitórias.
O orçamento de 2020 será apresentado até o dia 9 de janeiro e mostrará como, dentro da receita prevista, atingir as metas e ainda voltar a conquistar a credibilidade perdida.
O grupo da força-tarefa lançará novas regras voltadas aos cuidados com a juventude, não só no esporte, mas na educação e formação tanto física como social e moral.
Lançaremos uma poderosa campanha de arrecadação quando tivermos certeza de não estarmos sujeitos a bloqueios da arrecadação. Por isso aceleraremos um plano de recuperação legal e de oferta de garantias reais. Mais medidas importantes tomaremos para injetar no sistema azul a eficiência e a competência.
O drama que vivemos precisa ser enfrentado pensando que servirá para melhorarmos. Sofrer ajuda a corrigir o rumo, a evoluir. E neste 99º ano de existência prepararemos o ex-Palestra a enfrentar o segundo século com mais dignidade e glória. Resgataremos os valores de seus fundadores, pessoas simples, de caráter, que tinham um forte amor para com suas origens.
Diziam os romanos: “Per aspera ad astra”, ou quanto mais sofrido o caminho, mais elevado será o prêmio. Tudo isso nos dá motivo para enfrentar com confiança o que vier pela frente
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