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Entre críticas à direção e balanço da sua gestão, Bandeira vibra: ‘A torcida é carinhosa, até para minha surpresa’

Ao LANCE!, ex-presidente comenta revolução feita  em seus mandatos, cita baixo nível político da grupo no comando do clube, fala sobre o Incêndio no Ninho e muito mais

Eduardo Bandeira
Eduardo Bandeira de Mello recebeu o LANCE! em sua residência no Rio de Janeiro (Foto: Lazlo Dalfovo)

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Dias depois do Flamengo conquistar o bicampeonato da Libertadores da América, sobre o River Plate (ARG), no Monumental de Lima, Eduardo Bandeira de Mello recebeu o LANCE! em sua residência, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e abriu o jogo sobre sua gestão, relação com a atual diretoria, tragédia no Ninho do Urubu e seus planos para o futuro, entre outros assuntos.

O ex-mandatário - que foi assistir à final na capital peruana por conta própria, acompanhado por familiares e membros de sua gestão - garante que, em sua volta às arquibancadas, tem recebido o reconhecimento dos torcedores pelo trabalho de reestruturação no clube da Gávea entre 2013 e 2018. Carinho que, de certa forma, surpreendeu o ex-presidente, tanto em Lima quanto no Rio.

- Eu voltei à arquibancada que eu ia antes (de ser presidente). lá na antiga arquibancada branca do Maracanã, que passou por reformas. Quando foi reinaugurado, eu já era presidente, não podia mais ir em arquibancada por questões de segurança. Agora voltei a ir exatamente onde ia antes. A torcida é super carinhosa comigo, até para a minha surpresa. Achei que iriam me tratar bem, mas supera totalmente as minhas expectativas - afirmou Bandeira ao L!.

A temporada de 2019 ainda não acabou, mas já está marcada na história do Flamengo pelos títulos do Brasileiro, com uma série de recordes, e da Copa Libertadores, 38 anos depois do feito de Zico & Cia, frutos da reestruturação organizacional do clube da Gávea por Bandeira de Mello e seu grupo político - a Chapa Azul, cor a qual foi alvo de disputa com a chapa de Rodolfo Landim, eleito em dezembro de 2018, vencendo Ricardo Lomba, candidato da situação.

A animosidade, ou distanciamento, com membros da atual direção - como o próprio Landim, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, Cláudio Pracownik e Wallim Vasconcellos - também foi assunto depois ficar em evidência no período eleitoral do clube, em novembro . Bandeira afirma que não guarda mágoas e que não esperava reconhecimento por conta dos resultados obtidos em 2019.

Por outro lado, o ex-mandatário diz acompanhar de longe a política do Fla, e que o seu grupo político não "trabalhará contra" ou repetirá o "baixo nível" com o qual teve que conviver desde 2015, quando houve a cissão da Chapa Azul, com a saída de membros e vice-presidentes que, hoje, fazem parte da direção. "Nosso papel é continuar torcendo para o Flamengo", reforça Bandeira.

- Essa cisão começou em 2015, não agora em 2018. Em 2015, saíram quatro ou cinco vice-presidentes, formaram uma chapa e resolveram concorrer contra nós. Perderam e passaram os últimos três anos trabalhando contra e tal. Agora, na eleição de 2018, algumas outras pessoas se juntaram a eles, ganharam a eleição limpamente. Nada contra. Assumiram o clube e voltamos para a arquibancada. Esse tipo de coisa, da venda do Paquetá, da compra do Vitinho que estava no mesmo inquérito, o pedido da minha expulsão do quadro de sócio... Eu credito ao baixo nível da política dos clubes brasileiros, e o Flamengo não é exceção. Pode ter certeza que não seguiremos esse mal exemplo. Minha diretoria está toda na arquibancada, torcendo a favor, ninguém escreverá cartinha para o professor,como fizeram com o Rueda (Reinaldo, técnico em 2017), ninguém tentará impugnar operações de crédito que sejam necessárias para o clube. Todo mundo é Flamengo. Reconhecemos que existe outra diretoria e nosso papel agora é continuar torcendo para o Flamengo - garantiu.

Será na arquibancada do Estádio Internacional Khalifa, em Doha, que o torcedor Eduardo Bandeira de Mello acompanhará os dois jogos do Flamengo no Mundial de Clubes. O mandatário embarca neste domingo para o Qatar.

Abaixo, as demais respostas do ex-presidente do clube da Gávea ao LANCE!.

Como o senhor viveu o final de semana dos dias 23 e 24 de novembro de 2019? Foram os melhores momentos do torcedor Eduardo Bandeira de Mello?

Não sei se foram os melhores, mas foram muito bons mesmo. Vai entrar para a galeria também.

E em relação aos títulos de 81, foi muito diferente? O que lembra daquele jogo?

Lembro, claro. Não fui a Montevidéu para a final da Libertadores, tampouco para Tóquio na decisão do Mundial. Estava recém-casado, com minha mulher grávida, não tinha nem grana para fazer essas coisas. Vi aos jogos na televisão, em casa. O da final do Mundial, como foi ao meio dia no Japão e meia noite aqui, esse eu lembro muito bem porque era uma horário fora do normal para se ver jogos de futebol. Lembro em detalhes de tudo.

Primeiro, foi diferente porque o filho que estava na barriga (em 1981) estava comigo lá em Lima, junto com os outros dois que vieram depois. Além do meu sobrinho, meu cunhado e todos, ou quase todos, os vice-presidentes que trabalharam comigo na minha gestão. Foi um momento de congraçamento e de muita alegria para todos. Realmente é diferente você ver na televisão e ao vivo, mas, aos 20 e poucos anos, também tinha a novidade. Nunca tínhamos sido campeões da Libertadores e do mundo. Agora vamos para o Bi, eu espero.

Tinha desacreditado no título, com o time em desvantagem nos minutos finais?

O jogo estava difícil, mas eu estava confiante que iríamos empatar e ganhar na prorrogação. O River jogou muito bem durante 80% do tempo, mas, no final do jogo, já tínhamos equilibrado e achei que estávamos melhor. Teve um lance em que o Everton Ribeiro chutou e o Armani pegou no cantinho. Achei que iríamos empatar e virar na prorrogação. Assim foi melhor que abreviou tudo.

'O futebol brasileiro precisa melhorar nisso. Alguns clubes lidam melhor com essa situação do que outros, precisamos aprender com clubes de fora do Brasil a dar tempo aos técnicos fazerem os seus trabalhos.'

Em 3 de dezembro de 2012, o senhor era eleito pela primeira vez. Foi ali que este momento do Flamengo começou a ser escrito? Sente-se, de certa forma, responsável pelo o que o time está conquistando hoje?

Não fico muito à vontade para ficar me avaliando. O trabalho foi feito, não foi só meu, evidentemente. Agora eu ficar dizendo que sou um dos responsáveis, não me sinto à vontade para isso. Tem tanta gente que pode avaliar isso. Fico feliz com o reconhecimento e o carinho que a torcida está tendo comigo. Isso tudo é muito gratificante. Sempre deixo claro que acabo levando a fama, mas havia uma equipe muito grande comigo, não só de vice-presidentes amadores, quanto dos profissionais que levamos para o Flamengo, que nos ajudou a virar esse jogo. E o papel da torcida foi fundamental. A torcida me agradece hoje, mas sou eu quem tenho que agradecer a eles, na realidade. Tiveram paciência em fazer sacrifícios durante quatro, cinco anos, para agora colherem os frutos.

Praticamente um após deixar a presidência do clube, qual avaliação que o senhor faz do trabalho realizado nos dois mandatos (2013-15 e 2016-18)?

Errar sempre erramos, vocês mesmo devem ter identificado alguns erros. Sempre me lembro de citar o fato de ter trocado muito de treinador. Isso, provavelmente, foi um erro da nossa administração. Deveria ter tido mais paciência com alguns treinadores. Senti muito ter demitido o Zé Ricardo e o Maurício Barbieri, embora o Dorival Júnior tenha entrado muito bem (no fim de 2018). Quando o treinador está sofrendo muita pressão, acaba que perde as condições de trabalhar com tranquilidade. Isso interfere na qualidade do trabalho. Foi o caso com o Cristóvão (Borges, em 2015). Cristóvão foi super massacrado por alguns colegas de vocês, inclusive, mas de uma maneira geral, todos treinadores que passaram pelo Flamengo tinham qualidade e gostei de conhecê-los, aprendi com todos. Cito mais o Zé Ricardo e o Barbieri porque eram pratas da casa também. Conhecíamos os trabalhos deles dentro do Flamengo, sempre tive um carinho especial pela base, desde muito antes de ser presidente. O Zé Ricardo eu conheci quando ele estava no Sub-13, junto com o Vinícius Jr e Lincoln na Copa da Amizade. Foi subindo e é um excelente treinador. De uma maneira geral, isso não é só um problema do Flamengo, só meu ou da minha administração, é um problema cultural do futebol brasileiro.

Os acertos estão aí. A recuperação financeira do clube que todos falam é fácil de medir por conta dos balanços auditados. Apesar de que tive que conviver com pessoas dizendo que nós maquiávamos balanço, dentro do próprio clube, que se recusavam a aprovar nossas contas, mas os balanços estão aí. Qualquer pessoa que saiba ler uma demonstração financeira pode ver que o clube se recuperou de maneira fantástica. Mas a revolução que fizemos não foi só na área financeira. Fizemos uma revolução gerencial, pois os métodos e os padrões de governança do clube mudaram da água para o vinho. Fizemos uma revolução jurídica, pois o jurídico do Flamengo foi sempre complicado. No nosso período, foi um motivo de orgulho para todos rubro-negros. Tínhamos mais de 600 ações trabalhistas e terminamos praticamente zerados. E da área patrimonial também. O trabalho do Alexandre Wrobel foi fantástico. Nós não tínhamos um Centro de Treinamento, e hoje temos dois CTs a nível de excelência internacional. O último, inaugurado em novembro de 2018, inspirado no Chelsea, é nível de seleções internacionais e dos maiores clubes do mundo. O primeiro (que hoje atende às divisões de base) já é excelente.

'O que conseguimos foi mudar a assembleia da CBF de 20 clubes para 40, colocando os times da Série A e B, mais as 27 federações, mas eles deram um jeito de burlar, aumentando os pesos das federações. O voto do Flamengo vale menos do que a federação do Amapá hoje', disse Bandeira. 

O senhor falou em mais de 600 ações trabalhistas no início da gestão. Você e sua equipe tinham dimensão do "problema" quando a Chapa Azul foi eleita?

Tínhamos uma impressão, pois os balanços do Flamengo eram totalmente inconfiáveis. Contratamos a Ernst & Young para fazer uma auditoria da dívida e chegaram ao número que, na época, era de R$ 750 milhões, mas na prática era mais. Tínhamos ideia que a situação era caótica, mas não sabíamos que era tanto. A partir do momento que ganhamos a eleição, em 3 de dezembro (de 2012), já começamos a nos inteirar, pedir reuniões, e, no dia da posse formal, em 27 de dezembro, tivemos uma reunião com na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para vermos a situação da dívida tributária. Sai de lá absolutamente estarrecido com o que ouvi. Estávamos com as negociações com a Adidas avançadas e tinha uma parcela de luvas que seria paga nos primeiros dias do nosso mandato. Tínhamos a ilusão de que poderíamos usar aquele dinheiro para reforçar o time. Quando vi a situação na PGFN, cheguei para o procurador e falei: 'Pode ficar tranquilo, o dinheiro que entrará da Adidas virá todo para cá. Vamos pagar parte dessa dívida como demonstração de que queremos resolver nosso problema". Isso, efetivamente, nos ajudou a fazer um acordo com eles. Foi um acordo dramático, tínhamos R$ 57 milhões vencidos, conseguimos diluir isso no prazo de 12, 24 meses, algo assim. Comemorávamos todo mês pago, mas não sabíamos se no próximo conseguiríamos pagar. Assim começou a necessidade de trabalhar o Profut.

Comecei a frequentar Brasília. Existia um projeto chamado ProForte, para resolver o problema das dívidas tributárias dos clubes brasileiros. Estavam todos na mesma situação que nós, talvez não tão grave. Dinheiro de apropriação indébita, coisa que você recolhe do imposto de renda do empregado, do jogador, e não repassa ao Governo. Ou seja, roubo. Havia este projeto que propunha pagar essa dívida com investimento nos esportes amadores. Quando isso foi divulgado, a imprensa mais consciente começou a bater com toda razão. Era uma pouca vergonha. Como iria provar a formação de atletas? Passei a minha vida em um banco de desenvolvimento. Para fazer a comprovação e execução física e financeira dessa formação teria que quase criar um banco dentro do Ministério do Esporte. Algo totalmente irreal. Eu e outros presidentes percebemos que o negócio não iria para frente. Foi então que começamos a trabalhar em uma Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte e, então, surgiram as ideias de contrapartidas. Precisávamos alongar o prazo dessas dívidas, se não fizéssemos isso, o Governo não receberia. Para o clube merecer isso, teria que se adequar, ter práticas gerenciais modernas, reduzir endividamento, se comprometer a não ter déficit anual, adaptar estatuto para evitar reeleições permanentes. Isso teve reação dos clubes que achavam que não precisavam daquilo, mas foi a maneira que encontramos para ter credibilidade, inclusive junto à imprensa, para postular as coisas. Na época, o Bom Senso F.C., que era muito criticado, mas sou testemunha que foi fundamental para aprovarmos um ProFut decente. Pena que acabou, é o tipo do movimento que hoje, seria super necessário. Me ajudaram muito, eu os ajudei muito. O ProFut demorou dois anos e meio para ser aprovado. Virou medida provisória, não saiu exatamente como queríamos, queríamos ainda mais rigoroso, Por outro lado, uma grande maioria e a CBF queriam fazer um "me engana que eu gosto". Tentamos incluir no Projeto, e nesse caso o relator e deputado Otávio Leite foi fundamental, medidas para melhorar a governança da CBF e das federações e não conseguimos.

'Havíamos perdido completamente a competência de formação da década de 80. Não éramos referência no Rio e, apesar das pressões, havia gente que queria acabar com o departamento de base quando chegamos, apostamos pesado nisso,um investimento que você faz e colhe cinco, dez anos depois.'

Se não tivesse conquistado a Copa do Brasil ee 2013, o saneamento poderia ter sido comprometido? A pressão por títulos poderia mudar as convicções da diretoria se não houvesse aquela conquista?

Mudar convicção de jeito nenhum. Isso não teria acontecido. Tínhamos consciência de que não tinha outro caminho. O clube que está em situação ruim hoje também não tem outro caminho. É preciso ser responsável. É claro que ter um título da Copa do Brasil, no meio do caminho, é bom. Primeiro porque nós somos torcedores, todos gostamos. E isso dá uma satisfação à torcida, que poderia aliviar certa pressão. Contudo, todos tinham a consciência, inclusive a torcida, que tínhamos um time aguerrido, com jogadores em boa fase, como o Elias, o Brocador, o Paulinho, mas não era o time dos sonhos. Nós quase caímos para a segunda divisão. O torneio mata-mata tem essas vantagem. Nós eliminamos o Cruzeiro naquela Copa, que era disparado o melhor clube do Brasil. Passamos, pegamos Botafogo, Goiás e Athletico na final. Isso foi muito bom. Mas, assim como tivemos a felicidade de ganhar a Copa do Brasil em 2013, tivemos a infelicidade de não ganhar em 2017, perder nos pênaltis, de não ganhar a Sul-Americana de 2017, em 2014 quase fomos para a final (da Copa do Brasil), naquele lamentável jogo contra o Atlético-MG.

Esse tipo de coisa acontece. Tenho certeza que a torcida sempre viu isso. Sempre tive um rebote muito bom da torcida do Flamengo. Até porque a credibilidade do clube fala muito de perto com o torcedor. Ele quer ganhar os jogos, mas também não quer que o seu clube achincalhado, que digam que o seu clube é mal pagador. Ninguém gosta disso. A torcida comprou nossa briga desde o início, pois viu que estávamos falando sério, que deixamos de ser esse tipo de clube e, ainda que no campo, as coisas não estavam acontecendo como gostaríamos,  sabiam que era uma etapa sendo cumprida.

Assim como foi o trabalho nas divisões de base, certo?

Agora que o Flamengo está colhendo os frutos do que foi plantado em 2013. Pode ter certeza que a base do Flamengo é uma máquina de fazer dinheiro. Temos jogadores de seleção em todas categorias, ganhamos duas Copinhas em 2016 e 2018. Ganhar Copinha não é uma coisa trivial. O Palmeiras não tem Mundial e nem Copinha. Ganhamos Copa do Brasil Sub-17, com um time com caxumba, agora ganhamos os Brasileiros Sub-20 e Sub-17. E o mais importante é estar formando jogadores excepcionais, seja para o time titular, seja para vender e reforçar o time principal, o que é importante também.

A venda do Paquetá, que gerou algumas críticas a sua gestão. Pode esclarecer essa questão?

Em outras palavras, disseram que eu estava roubando. Disseram ser muito estranho vender por um valor abaixo da multa. Hoje, ninguém duvida que foi... O Paquetá, se não me engano, tinha uma multa de 50 milhões de euros. Com justa razão, ele e a família estavam querendo sair para jogar na Europa, fazer a independência financeira. Isso mexe com a cabeça de um garoto. Conseguimos dar tranquilidade a ele, fechamos a venda e jogamos com ele até o final de 2018. A partir do momento em que foi vendido, o rendimento melhorou. Foram 35 milhões de reais mais os upsides, fáceis de conseguir, o que provavelmente levará o valor aos 45 milhões de euros. Na época recebi a abertura de um pedido de informações do Conselho Deliberativo sobre a venda do Paquetá. Era uma coisa de um ridículo total, confundindo direitos federativos com direitos econômicos e outras coisas. É uma peça que guardei até para mostrar aos meus filhos como se usa crase e outros. Padrão Rodrigo Dunshee. Fizemos um levantamento na Fifa que, de todas as transações, 96% são por valores abaixo da multa. Ninguém vende pela multa, e o Paquetá quase foi.

'Existe uma distância natural por conta do que aconteceu, mas não vivo pensando nisso. É bola para frente. Voltei para a arquibancada e estou muito feliz, onde sempre foi meu lugar. Fiquei seis anos no camarote por questões de segurança', sobre relação com membros da atual direção do Fla.

De alguma forma, ainda participa da política do clube?

Não, só na arquibancada. Acompanho de longe, tenho amigos que estão lá. Se acontecer algo grave, que precisem de mim, sabem que podem me chamar. Tirando as vezes que fui à Gávea retirar ingressos como sócio-torcedor, que é jogo rápido, só fui à Sede acho que quatro vezes. Fui a uma sessão dos Grandes Beneméritos em que o Jorge Rodrigues me pediu para ser padrinho dele em uma homenagem que ele receberia. Não poderia negar pois é um grande amigo. Entrei mudo e saí calado. Fui na sessão que julgaria o Arthur Butter, que foi suspenso, fui na sessão que me julgou, na missa de sétimo dia do Gilberto Freitas Magalhães, que era meu vice-presidente de Secretaria, responsável pela mudança do Estatuto e pela Lei de Responsabilidade Fiscal Rubro-Negra. Uma perda irreparável. E fui também no lançamento do livro do Helal. Só isso.

Após esses títulos, esperava que houvesse uma citação a você por parte da atual diretoria? Um reconhecimento do que foi feito?

Sinceramente, nem penso nisso. Quero que o Flamengo ganhe os títulos. O trabalho do Jorge Jesus está sendo fantástico, as contratações deste ano, algumas delas mapeadas ainda pelo scout na minha gestão, cheguei até a assinar contrato porque achei que deveria colaborar naquele momento de transição, foram extremamente acertadas. Oito de nove reforços são titulares. O trabalho do Jesus é revolucionário, vai marcar época no Flamengo e no futebol brasileiro, mas isso tudo são conclusões de um torcedor. Sempre fui e não tem problema nenhum. Sou torcedor do Flamengo com muito orgulho, continuo sendo sócio-torcedor e Anjo da Guarda.

A receita vinda do sócio-torcedor foi fundamental na sua gestão. Como você vê a evolução do programa?

Para falar a verdade, quem se relaciona com o Flamengo neste ponto do sócio-torcedor são os meus filhos. Eles que compram ingresso, eu nem tenho a senha. Só entro com o cartão de crédito. Eventualmente, eles dizem que eu tenho que ir retirar o ingresso e eu vou com eles. Então, não sou a pessoa mais indicada para fazer críticas. O programa está evoluindo financeiramente bem, chegará  um ponto onde será preciso pensar em outras coisas pois o tamanho do Maracanã limita, de certa maneira, a quantidade de sócios do clube. Tem algumas pessoas lá dentro em quem eu confio, outras não. De uma maneira geral, olhando de 2013 a 2019, o programa foi um sucesso pois não existia e hoje é a segunda principal fonte de receita do clube. Só perde para a televisão.


O Flamengo fez um investimento superior a R$ 200 milhões no futebol este ano. Tendo em vista a situação que o clube foi entregue em sua gestão, como o senhor vê estes números? Há mecanismos de segurança?

Conseguimos aprovar o que chamamos de Lei de Responsabilidade Fiscal Rubro-Negra em 2015. Uma mudança no estatuto que tem certas salva-guardas para impedir, vamos dizer assim, delinquências gerenciais. Se acontecer de ter apropriação indébita de novo, uma gestão temerária, o dirigente responde como pessoa física e pode sofrer processo de impeachment. Nesse ponto particular conseguimos com que o Flamengo avançasse bastante. É claro que isso não resolve tudo, assim como criamos a salva-guarda no estatuto, pode ser retirada com a maioria. Em relação às finanças deste ano, sei que terá um aumento do endividamento, mas não vejo isso com preocupação. Acho que uma das coisas que o Flamengo tivesse, além de caixa, foi crédito. Antigamente era um problema sério, hoje o Flamengo tem amplas condições de conseguir crédito e, ainda que tenha aumento do endividamento este, desde que isso seja tratado de maneira responsável para que nos anos posteriores volte a diminuir, não vejo problema. Não estou acompanhando diretamente nos Conselhos, mas tem pessoas da minha confiança no Conselho Fiscal, no Conselho de Administração e Deliberativo. É uma questão para se ficar de olho, porém nunca vou fazer o que fizeram comigo de, toda vez que tínhamos uma operação de crédito, ficava aquele oba-oba, dizendo que era um absurdo. E quando íamos aprovar as contas ia lá um ilustre conselheiro, que hoje é vice-presidente de Planejamento do clube (Artur Rocha), e dizia que maquiávamos os balanços, que as contas estavam todas erradas. Isso, realmente, nós não faremos. Até porque temos um nome a zelar.

'Reinier é um excelente jogador. Torço para que ele fique no Flamengo por muito tempo, renovou agora até 2024. A multa parece que diminuiu. Tem muito potencial, torço sempre para que eles fiquem. Foi assim com o Vini, com oPaquetá.'

No início do ano aconteceu o incêndio no Ninho do Urubu. O senhor, como ex-presidente, foi inicialmente indiciado, depois o Ministério Público recuou. O que o senhor tem a dizer sobre esse acontecimento e os seus desdobramentos?

Não gostaria de entrar em detalhes do processo até em respeito ao trabalho do Ministério Público, da Justiça. Acho que não seria correto. O que digo sempre é que tenho confiança na Justiça, os elementos que foram trazidos à tona, pelo relatória da delegacia me dão tranquilidade que tudo que está ali demonstra facilmente que não há culpa nenhuma de minha parte, mas isso, para mim, é secundário em relação à perda dos meninos. Foi a maior tragédia da história do clube, disparado. Para mim foi motivo de muita tristeza, eu conhecia boa parte deles. Em dezembro, estava botando medalhas nos pescoços deles, quando ganharam o Sub-15. A base sempre foi o meu xodó, sempre tive muito cuidado e carinho com tudo que envolvia a base.

Ciente do patamar que o clube está hoje, o que o futuro reserva ao Flamengo?

Essa questão da hegemonia é colocada, geralmente, de maneira maliciosa. Como se fosse uma ameaça ao futebol brasileiro. Isso eu não concordo. O futebol brasileiro tem tudo para continuar sendo competitivo. Falam também da Espanholização por conta das cotas de televisão. Hoje, as cotas são distribuídas quase de forma igualitária, tirando o pay-per-view. O pay-per-view é bilheteria remota. Você paga para ir ao Maracanã, você paga para assistir ao jogo na televisão. Fora isso, as cotas de televisão são distribuídas 40% igualmente, 30% por exposição e 30% por mérito. Quem ganhar, ganha mais. O Flamengo, por ter 40 milhões de torcedores, tem uma capacidade de geração própria que era mal explorada no passado e agora está sendo bem explorada. Os outros clubes têm vantagens também. O Palmeiras tem um patrocinador sem igual. Quando a Crefisa entrou no Palmeiras e passou a contratar um monte de jogadores não lembro de ninguém falar em Espanholização, nem quando o Fluminense tinha a Unimed. Ganhou dois títulos e todo jogador que o Flamengo sonhava em contratar o Fluminense ia lá e contratava primeiro. Quando eu estava chegando no Flamengo, até o nosso lateral-direito reserva, o Wellington Silva, o Fluminense contratou. E ninguém reclamava. Acho muito cedo para falar em hegemonia, Espanholização.

O senhor foi candidato a deputado federal em 2018, pela Rede, mas acabou não sendo eleito. A política é um caminho que ainda deseja seguir?


A matéria da Época estava correta. Um outro site pegou esta matéria e colocou um título sensacionalista: "Presidente quer aproveitar título da Libertadores para se lançar prefeito." Eu não falei isso. Sou filiado a um partido político e acho que as pessoas devem se interessar mais por política, participar mais, para que pessoas de moral duvidosa, inescrupulosas tomem conta deste espaço. Não necessariamente você precisa se candidatar para isso, você pode participar. Tinha saído na Coluna do Ancelmo (Góis, do O Globo), uma notinha sugerindo que eu poderia participar de um grupo, à semelhança do que aconteceu no Flamengo, para tentar salvar a cidade do Rio de Janeiro. O que falei na época é que gostei da ideia. Se for à frente, um grupo for criado para tentar virar o jogo na administração municipal, podem contar comigo. Não necessariamente eu preciso ser o cabeça, mas acho que seria uma excelente tentativa de solução para o Rio. Gostaria de participar deste grupo, mas não imponho nada que eu tenha que ser candidato, acho que é uma coisa para ser discutido, inclusive envolvendo outros partidos. Não precisa ser o meu partido.

Sinceramente, nunca fui filiado a partido nenhum, nunca tive militância política, e entrei nessa por causa da Marina Silva. É uma pessoa que eu conheci quando eu era do BNDES e ela era Ministra, sempre fui admirador e eleitor dela. Em 2010 votei nela, em 2014 votei nela e fiquei tentado a declarar meu voto. Eu já era presidente do Flamengo, todos já me conheciam, eu pensei em declarar o voto, mas achei melhor não misturar as coisas. Chegou 2018 e já eram meus últimos meses como presidente do Flamengo, não podia ser reeleito e, ainda que meu candidato (Ricardo Lomba) ganhasse, eu não participaria da administração. Já tinha falado isso publicamente. Então era a hora de declarar meu voto, fui falar com a Marina e falei: "Pode contar comigo na sua candidatura, vou te dar o apoio público. O que posso fazer para te ajudar?" Então ela disse que, para ajudar, você tem que se filiar à Rede se ser candidato a alguma coisa. Então tudo bem, me filiei e cheguei até ser cogitado para ser vice-presidente dela, tanto que minha candidatura a deputado federal começou muito tarde. Acabou sendo o Eduardo Jorge (Partido Verde), que é ótimo. Se a Rede não fizesse o acordo com o PV, eu seria o vice. Como fiquei nesse banco de reservas até o último momento, virei candidato a deputado federal muito tarde. Muitos amigos meus só souberam que fui candidato quando saiu o resultado e viram meu nome. Foi uma experiência que não me arrependo. Tentei ajudar a Marina e, daqui para frente, realmente não sei. Meu íntimo diz para não ser, seguindo o que fiz na minha vida inteira.

Acha que o resultado de campo do Flamengo nos últimos anos de sua gestão pesou na votação para deputado federal?

Se tivesse conquistado os títulos eu ia adorar como torcedor, mas acho que não tem a ver uma coisa com a outra. Eu fiz questão de não me associar ao Flamengo. Era ano eleitoral no clube e levei muita porrada, o TRE fez uma batida no clube para procurar meu material de campanha na sede. Passaram  meio dia lá, reviraram tudo, armários, arquivos, e não acharam absolutamente nada. Eu nem estava lá. Na hora de ir embora, um deles pediu para voltar na sala da presidência tirar um retrato com a bandeira.

'Acho que tive uma boa votação, considerando que a Rede não fez coligação, não tivemos dinheiro e estrutura e eu decidi não usar o Flamengo para nada. Não deixei nem colocar as cores do clube, nem panfletar no Maracanã', Bandeira sobre sua candidatura a deputado em 2018

Você foi uma das vozes fortes para a criação da Primeira Liga. Na sua visão, o que impediu o sucesso e a continuidade do torneio? Acredita que o problema do calendário no futebol brasileiro, será resolvido em breve? 

A Primeira Liga foi uma tentativa de encontrar uma alternativa para os campeonatos estaduais. Os clubes de São Paulo não entraram. Tivemos alguns problemas na federação do Rio, o Campeonato Carioca é um produto totalmente defasado, desmoralizado. Outros clubes de estados estavam com o mesmo problema e nós criamos a Primeira Liga com este objetivo. Encontrar uma alternativa para os estaduais. Acho que teve seu mérito no início,mas, depois,a própria Primeira Liga teve problemas internos, começou a se parecer com uma federação. Ai eu senti que não ia acontecer uma coisa muito boa naquele momento. Foi uma experiência que valeu a pena. Fizemos dois campeonatos, no primeiro tivemos uma briga boa. Fomos ameaçados de sermos excluídos das competições internacionais se insistíssemos com aquela "insubordinação", que a Conmebol iria fazer isso ou aquilo e nós bancando. 

Quando foi marcada a partida de abertura da primeira edição da Primeira Liga, entre Atlético-MG e Flamengo no Mineirão, e fomos a Belo Horizonte. Uma coisa interessante foi que eu estava almoçando com o presidente do Atlético-MG, do Cruzeiro e do América e tocou o telefone. Era o Ministro do Esporte, o deputado George Hilton. Ele me ligou, disse que estavam perguntando a ele o que achava da Primeira Liga e me perguntou o que eu achava que ele deveria falar. Falei que seria melhor ele pegar um avião para Belo Horizonte para assistirmos o jogo e depois darmos uma entrevista juntos. Ele pegou o avião e foi. Demos a entrevista e no dia seguinte todas portas se abriram, chamaram para conversar, não havia mais essa questão de punição. Esse tipo de coisa, se houver vontade política dos clubes e do Governo, pode ser resolvida.

E vê vontade dos clubes em se organizar e bater de frente com a CBF?

Sinceramente, não. Deveriam ter, mas acho que não. Por isso que acho importante movimentos como o Bom Senso F.C., que congrega os jogadores e atletas que não são ouvidos. Na governança do futebol brasileiro, qual o papel dos atletas? É zero. É menor ainda do que as dos clubes. E nisso você pode colocar os dirigentes profissionais, os treinadores, os atores que são todos negligenciados na governança do futebol. A imprensa tem um papel importante nisso, como alguns jornalistas foram importantes para o ProFut ser aprovado, essa mudança de governança passa muito pelo o que vocês escrevem.

'Boa parte da dívida do clube era tributária e foi escalonada em 20 anos. Está sendo paga religiosamente e isso deu um alívio muito grande', avaliou Bandeira sobre a importância do Profut.

Foi aprovado o projeto de clube-empresa na Câmara e agora está no Senado. O que senhor pensa desta possibilidade? O que pensa sobre a diferença de modelos de clubes europeus (com donos) e no Brasil? 

Ainda não vi os detalhes desse último projeto que foi aprovado. Tenho medo que esse tipo de coisa seja discutida de maneira apressada e acabe por levar distorções. Existe outro Projeto no Senado, que eu já tinha lido na época e gostei. Esse recém aprovado na Câmara, tenho que examinar mais em detalhes. Como vai ao Senado, espero que os senadores tenham o bom senso de cortejar os dois e examinar o que deve ir para frente e o que não deve. Logo a primeira notícia que saiu era algo absurdo, que os clubes que não aceitassem virar empresas pagariam impostos como assim fossem. Então, isso realmente acho um absurdo. Não passou assim, mas vi uma entrevista do Pedro Trengouse dizendo que não passou assim, mas, no futuro, é o que terão que fazer.

Dá para bater o Liverpool, como em 81?

Primeiro tem que passar pela semifinal. O Liverpool é, de longe, quem pratica o melhor futebol do mundo, então será difícil. Mas não é impossível. Quem sabe, em 81 o Liverpool também era um timaço, campeão equivalente da Champions League e metemos 3 a 0 que ficou marcado na história.

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