Caso Ninho: Fla pleiteia por redução da pensão para menos que um salário mínimo. MPRJ e DPRJ rebatem
Clube usa entendimento do STJ como argumento para anular decisão que deferiu em liminar pensão de R$ 10 mil às famílias das vítimas
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Ao recorrer em segunda instância após em primeiro grau ter sido determinado o valor de R$ 10 mil como pensão às famílias das vítimas da tragédia no Ninho do Urubu, o Flamengo peticionou por uma reforma da decisão para que o valor seja reduzido a dois terços do salário mínimo (atualmente, está em R$ 1.045, o que em dois terços seria quase R$ 696). O caso corre na 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), com relatoria da desembargadora Sirley Abreu Biondi, e deve ir a julgamento colegiado até abril.
O LANCE! teve acesso aos documentos do caso. Em seu recurso, o Flamengo colocou que caso a pensão não seja derrubada na totalidade, “que a mesma seja reformada para que se reduza o valor arbitrado para 2/3 do salário-mínimo, bem como que tal verba não seja deferida às famílias que já firmaram acordo com o clube”. “É certo que o valor arbitrado pela decisão agravada não é sequer razoável e não encontra amparo legal”, argumentou o Rubro-Negro em trecho. Nos pedidos finais do agravo de instrumento, entretanto, este ponto não é descrito pelo clube.
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O Flamengo citou em seus argumentos que o juiz de primeira instância “desconsiderou ter o Flamengo já firmado acordo com algumas das famílias das vítimas, que deram quitação ao clube, bem como que, voluntariamente, em relação àquelas vítimas ou familiares que ainda não firmaram acordo com o Flamengo, este já adianta mensalmente o montante de R$ 5 mil reais”. Seguiu o clube dizendo que “tal valor é bastante superior ao que os atletas recebiam como ajuda de custo, ou seja, R$ 300 e ao que poderiam prover aos seus pais à época”.
Uma linha do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, também foi citada pelo Flamengo ao argumentar: “Neste ponto, cabe esclarecer que o valor atualmente pago pelo Flamengo é bem superior àquele aplicado pelo STJ, que tem entendimento no sentido de que, em caso de óbito de menor que não exercia atividade remunerada, a indenização fixada a título de pensão mensal deve corresponder a 2/3 do salário mínimo desde a data do óbito, até 25 anos e, a partir daí, a 1/3 do piso salarial até a data em que a vítima completaria 65 anos”. No mérito do recurso, o clube reiterou dizendo que “caso ultrapassada a nulidade da decisão, a determinação de pagamento de pensão seja limitada apenas às vítimas ou suas famílias que não fizeram acordo”.
ENTIDADES CONTRA REDUÇÃO A DOIS TERÇOS
Ministério Público rebate, e Defensoria Pública diz ser ‘risível a pretensão’
Nos últimos três dias, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), autores da Ação Civil Pública que originou a pensão de R$ 10 mil em primeira instância, por liminar, pelo juiz Arthur Eduardo Magalhães Ferreira, da 1ª Vara Cível do TJRJ, rebateram o recurso do Flamengo em segundo grau. Ambas as instituições argumentaram para que a redução da pensão para dois terços do salário mínimo não seja aceita.
Ao argumentar, a DPRJ afirmou que chega a ser “risível a pretensão recursal de fixação de pensão mensal equivalente a 2/3 do salário mínimo, sob a alegação de que os jovens não trabalhavam”. “A morte dos jovens lhes ceifou a possibilidade de formalização de contrato profissional e percepção de salários, sendo este o motivo da exigibilidade da pensão fixada”, declarou. Seguiu dizendo a entidade: "Quanto ao fato de que o valor arbitrado é supostamente superior ao que os atletas recebiam, pretendendo o agravante a fixação de valor correspondente a 2/3 do salário mínimo, também não prospera a pretensão recursal. Inicialmente, verifica-se que ao proferir a decisão agravada o juiz a quo levou em conta o fato de que as vítimas eram jovens, em início de carreira, e não auferiam renda compatível com a dos atletas profissionais, frisando que não havia elementos para fixar os alimentos de forma definitiva".
A DPRJ elencou os pedidos do Flamengo. Diz o trecho sobre as alegações do clube: "(i) não houve requerimento de pagamento de pensão mensal aos autores, sendo a decisão extra petita; (ii) desconsiderou-se a existência de acordo em relação a algumas famílias, que já recebem mensalmente o montante de R$5.000,00; (iii) o valor fixado na decisão não é razoável e não tem amparo legal, devendo ser minorado para 2/3 do salário mínimo; (iv) a ordem de apresentação de contratos assinados entre o clube e seus jogadores profissionais e de base viola a cláusula de sigilo, que atingirá quem não é parte nessa ação nem será por ela afetado; (v) que o valor da indenização eventualmente devido somente será fixado por ocasião da liquidação de sentença, quando será realizada a quantificação de eventuais indenizações individuais".
Já o MPRJ, em seus argumentos, afirma que "em seu recurso, contudo, o Flamengo pretende que o valor do pagamento das pensões seja reduzido para 2/3 do salário mínimo. Tal pretensão diz respeito à análise do mérito da ação principal com relação ao valor justo de indenização pelos danos patrimoniais a ser pago a título de lucros cessantes. (...) A pretensão do Flamengo de pagamento de valores irrisórios não se justifica juridicamente".
Seguiu o MPRJ: "Tal análise das circunstâncias concretas do caso e da situação especial daqueles jovens atletas é fundamental por conta do lamentável equívoco jurídico do Flamengo de desvalorizar-lhes a capacidade após suas mortes. Equivocadamente, o réu tem alegado que os jovens adolescentes mortos não se tornariam atletas profissionais e que o valor a ser pago a título de pensionamento deve ser apenas e tão-somente o correspondente a dois terços do salário mínimo".
Lembrou o MPRJ em seus argumentos que "os dez jovens atletas mortos já tinham currículos impressionantes para adolescentes ainda sem idade para a assinatura de um contrato profissional, como amplamente divulgado pelos principais veículos da imprensa nacional e internacional após o incêndio no CT George Helal". A entidade elencou os currículos das vítimas fatais do incêndio do dia 8 de fevereiro de 2019:
"• Arthur Vinicius Silva – Zagueiro, natural de Volta Redonda, Menino do Ninho desde 2017, com período de convocação para treinos pela Seleção Brasileira Sub-15 em 2018;
• Athila Paixão – Atacante, natural de Lagarto, Sergipe, Menino do Ninho desde abril de 2018, foi destaque na Copa Zico de 2018;
• Bernardo Pisetta – Goleiro, natural de Indaial, Santa Catarina, Menino do Ninho desde agosto de 2018, ex-Guarani de Brusque, ex-Trieste e ex-Athletico Paranaense, onde foi campeão estadual e goleiro menos vazado da competição;
• Christian Esmério – Goleiro, natural do Rio de Janeiro, regularmente convocado para a Seleção Brasileira nas categorias de base Sub-15 e Sub-17 e destaque na Copa Nike Sub-15 de 2018, em que defendeu pênaltis na semifinal e na final ajudando o Flamengo a ser campeão da competição;
• Gedson Santos, o “Gedinho” – Meia, natural de Itararé, São Paulo, Menino do Ninho a partir de 2019, ex-Trieste e Athletico Paranaense, onde foi Campeão Sub-15 da Taça Curitiba em 2017;
• Jorge Eduardo – Volante, natural de Além Paraíba, Minas Gerais, Menino do Ninho desde 2016, era o Capitão da Equipe Sub-15 do Flamengo, Campeão Estadual Sub-15 e Campeão da Copa Nike em 2018;
• Pablo Henrique – Zagueiro, natural de Oliveira, Minas Gerais, Menino do Ninho desde agosto de 2018, ex-Atlético Mineiro e Escolinha da Inter de Milão no Brasil;
• Rykelmo Viana, “Bolívia” – Volante, natural de Limeira, São Paulo, Menino do Ninho desde 2016, era o Capitão da Equipe Sub-17 do Flamengo, ex-Portuguesa Santista, Campeão Estadual em 2018;
• Samuel Thomas Rosa – Lateral-Direito, natural de São João de Meriti, Campeão Estadual Sub-15, Campeão da Copa Nike e Vice-Campeão da Copa Votorantim;
• Vitor Isaías – Atacante, natural de Florianópolis, Santa Catarina, Menino do Ninho desde agosto de 2018, ex-Figueirense, Trieste e Athletico Paranaense, tendo sido Campeão e Artilheiro da Copa Catarinense Sub-11 em 2014 e Artilheiro do Torneio ES-CUP em 2018."
Desde o dia 4 de novembro do ano passado que o juiz em primeira instância determinou, em liminar, que o valor da pensão deveria ser de R$ 10 mil, até a decisão do mérito ser proferida. O Flamengo recorreu, mas não conseguiu efeito suspensivo e aguarda julgamento dos desembargadores em segunda instância. Enquanto o mérito do recurso em segundo grau não é resolvido, a tramitação em primeiro grau é paralisada. Até que isto seja definido, o Flamengo seguirá pagando o valor de R$ 10 mil por mês a título de pensão para cada família das vítimas da tragédia, caso não suba o caso para os tribunais superiores em Brasília.
O LANCE! entrou em contato com o Flamengo questionando o ponto pleiteado para redução da pensão a dois terços do mínimo. Inicialmente, por assessoria, o clube informou que não iria se manifestar por ser um processo em andamento, como de praxe de acordo com a política interna. Posteriormente, Antonio Panza, diretor jurídico do Fla, falou com a reportagem e afirmou que a questão dos dois terços não é um pedido do clube, e sim uma argumentação. Ao ser questionado sobre o fato do MPRJ e da DPRJ terem rebatido esta questão, colocando como se tivesse sido um pedido do clube, Panza afirmou que trata-se de praxe as entidades rebaterem até as argumentações nas ações.
No último dia 1º, a "Fla TV", canal oficial do clube no Youtube, divulgou um vídeo de aproximadamente 30 minutos com os dirigentes do Flamengo respondendo questões pré-gravadas sobre os valores dos acordos com as famílias das vítimas do incêndio. Um dos pontos levantados foi a questão da interrogação da torcida. Há muitos comentários em que o clube gasta dinheiro somente com os jogadores e não procura indenizar as famílias das vítimas. O vice-presidente geral e de procuradoria geral do Flamengo, Rodrigo Dunshee, negou esta postura do clube na oportunidade.
– Eu tenho notado que essa é uma indagação que incomoda o torcedor rubro-negro. Mas isso é mais uma mentira. É uma picuinha de adversários ou de parte da mídia. O Flamengo fez uma oferta de pagamento altíssima. E essa oferta está à disposição de quem queira fazer o acordo. Não há nenhuma ordem judicial para que o Flamengo pague nenhum valor nesse momento. O único valor que o Flamengo tem que pagar são os R$ 10 mil por mês, e estamos pagando. Então, algumas pessoas olham a questão sob o aspecto do copo vazio. Quando se tem de olhar o comportamento do Flamengo nesses 11 meses por outro ângulo. O Flamengo se colocou totalmente à disposição das famílias, o Flamengo ofereceu valores bem altos comparados ao que se paga no Brasil, o Flamengo está à disposição para fazer esses pagamentos no dia seguinte que as famílias quiserem, o Flamengo não está se recusando a fazer os acordos. Então, a torcida tem de ter consciência de que o Flamengo não está se furtando da sua responsabilidade – afirmou.
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