Thiago Maia já gravou vídeo como torcedor, já cantou como torcedor enquanto estava no banco e, em sua apresentação, repetiu o gesto. A paixão do volante pelo Flamengo tornou-se um combustível para que hoje esteja no clube e fortaleça o grupo que tem como principal objetivo a defesa da Libertadores. Aliás, às 21h30 (de Brasília) desta quarta-feira, deve ser titular na vaga do suspenso Willian Arão, na estreia diante do Junior Barranquilla.
Antes de embarcar para a Colômbia, Thiago Maia recebeu a reportagem do LANCE! no CT rubro-negro e abriu o jogo sobre o vídeo gravado enquanto estava no Lille, memes que viralizaram durante e negociação para retornar ao país, experiência com Jorge Jesus e Marcelo Bielsa e a trajetória na França.
As primeiras impressões quanto ao Fla também foram abordadas. Aos 22 anos, o camisa 33 já se sente parte da "família".
- Antes de vir, conversei com alguns jogadores que já tinham jogado comigo. O Rodrigo Caio costumava falar mais, cobrava se eu iria acertar logo. O Gustavo Henrique também... Mas eu realmente não tinha certeza, mesmo já em casa, à espera. Falavam que a estrutura é europeia, treinador excelente, o grupo também, e que todo mundo se ajuda... Não à toa foi campeão de tudo ano passado. Quis vir para fazer parte dessa família. Só tenho a crescer.
Já com três jogos pelo Flamengo, Thiago Maia foi contundente ao responder acerca do que mais lhe chamou a atenção no grupo de Jorge Jesus.
- O nosso time não tem ego. O Piris (da Motta) e o (Willian) Arão, que são da mesma posição que eu, por exemplo, são os que mais me ajudam nos treinamentos. Eles me falam como o Mister gosta de jogar, como na construção de três (na saída de bola). Há muitos clubes por aí que os concorrentes da posição deixam o outro fazer por si, ou até o contrário. Aqui é totalmente diferente. O Diego e o Everton Ribeiro também colaboraram muito, mas a forma que o Piris e o Arão me ajudaram chamou muito a minha atenção. Então eu pensei: é por isso que esse time conquistou o que conquistou em 2019. (O projeto) Vai ser eterno e dará certo novamente. Só tenho a agradecer a todo o carinho e recepção dos jogadores e da comissão técnica.
Confira o restante da entrevista na íntegra:
Pronto para estrear na Libertadores pelo Flamengo?
- A minha expectativa é grande. Estou feliz de ter a possibilidade de estrear na Libertadores pelo Flamengo, defendendo o título de atual campeão. É uma honra muito grande.
Como estava a ansiedade até, enfim, fechar com o Flamengo?
- Foi diferente e emocionante, para mim e minha família, quando deu tudo certo. Vocês acompanharam toda a negociação, até os memes que gerou. Fico feliz de estar realizando esse sonho, fazer parte dessa família, da história do clube, ainda mais por conquistar um título (Taça Guanabara) na estreia, o que nunca tinha acontecido comigo. Você conquistar como jogador é diferente do que como torcedor. É muito melhor.
'Nosso time não tem ego. Piris e Arão são os que mais me ajudam'
Você acompanhava os memes sobre a sua pressa de vir ao Rio?
- Cada dia que passava, e não tinha o acerto, colocavam um meme, ainda mais no Twitter. Eu acompanhava muito. Ainda mais quando o Pedro fez escala para ir ao Brasil e viajou antes de mim, aumentando os memes. Levei na esportiva, até respondi alguns torcedores. Essa interação faz parte, é bacana.
E o famoso vídeo comemorando o título da Taça Rio de 2019, sobre o Vasco?
- Aquele vídeo não foi nem indireta para vir ou cavar a volta ao Brasil. Foi uma aposta que eu fiz com o Thiago Mendes e o Luiz Araújo, que lá estavam. Eu falei: "Mano, se o Flamengo for campeão, vou gravar o vídeo, mostrar vocês e não estou nem aí!".
Então foi combinado antes...
- Já tinha combinado. Tínhamos acabado de jogar, até perdemos, mas nem estava ligando (risos). Até depois, eles (Thiago Mendes e Luiz Araújo) se complicaram um pouco, já que tinham jogado no São Paulo, mas deixei do jeito que está e ficou. Casou muito bem com a torcida, começou aquela falação de "vem ou não vem". Infelizmente não deu para vir no ano passado, mas tudo acontece no tempo que deve ser.
Chegou a ficar frustrado por não ter acertado antes?
- Neste ano, foi mais intensa a procura (do Flamengo). Ano passado era mais falação, algo de boca. Desta vez foi diferente, fiquei muito mais ansioso, principalmente por já ter me declarado torcedor do Mengão. Daí, quando as pessoas (dirigentes do Lille) avisaram que estava tudo certo e que eu poderia ficar em casa fiquei mais doido ainda, foi a pior coisa (risos).
Quais as suas avaliações das atuações até aqui?
- Eu sempre me baseio por uma entrevista do Cristiano Ronaldo em que ele fala que "se você não pensar que é o melhor naquilo que faz, não há autoestima". Estou chegando agora, me adaptando, lógico que posso dar muito mais, mas no caminho certo.
E o que você fez com a camisa da estreia pelo Flamengo?
- Está guardada. Vou fazer um quadro, assim como com as que fui campeão. Isso será eterno, mostrarei para os meus filhos, netos... Deixarei bem guardada lá na minha cidade, Boa Vista (RR).
Você já chegou ao Fla ciente de que faria a mesma função que vem fazendo o Arão?
- Eu fazia muito isso no Lille, a construção com três. Mas, lá, o treinador gostava que eu saísse pelo lado esquerdo, e não pelo meio, como é feito aqui no Flamengo para facilitar a armação. Já cheguei sabendo que faria essa função e o estilo de jogo do Jesus, pois tinha trabalhado com outros seis portugueses e me informei. Me falaram que, se abraçar a ideia dele (Jesus), dá certo, e o que ele gosta e não gosta, então isso me ajudou muito na adaptação.
E quais são coisas que ele gosta e não gosta que chamaram a sua atenção?
- Ele gosta que o jogador esteja bem focado na hora da instrução. O Jesus prefere que a gente erre com o que ele pediu do que erre com o que não pediu. Isso durante o treino. Se errarmos a execução com a instrução dele, não tem problema. Agora se o erro vier através de algo que não foi pedido, principalmente sem a bola, ele fica chateado.
Jesus cobra muita intensidade? É bem diferente do que você se deparou na França?
- A intensidade na França é mais baseada no porte físico. Aqui, o futebol é mais na técnica e um pouco na força. Mas, aos poucos, o futebol brasileiro está mudando. A intensidade que é vista nos nossos jogos é a mesma com que treinamos, principalmente sem a bola. Ele cobra muito o fechamento dos espaços e a cobertura do parceiro mais próximo. Eu sempre falo: quando um deixa de correr, todos são prejudicados lá na defesa. Quando todos estão se dedicando, tudo se caminha bem nos jogos. Isso complica muito para os adversários. Por exemplo: contra o Independiente (Del Valle), que foi muito ousado no Maracanã e tocava a bola com calma, seguimos pressionando, pressionando, até que uma hora os gols saíram.
Ainda sobre esta finalíssima da Recopa Sul-Americana: como foi entrar na fogueira? Lembra do que Jesus falou?
- Quando Jesus treina a equipe que vai iniciar, também treina a que vai para o banco. A gente nunca quer que um parceiro seja expulso. O Arão trabalha forte, tem um caráter maravilhoso... Infelizmente aconteceu. Jesus pediu para eu que fizesse o que vinha fazendo nos treinos. No primeiro lance, dei uma embolada, mas depois fui pegando o ritmo. Rafinha, Filipe Luís e até o Gerson foram me passando confiança, avisando para chutar para frente se não desse para sair jogando. Fui me sentindo mais leve com o decorrer da partida e tudo fluiu.
'Quando todos estão se dedicando, tudo se caminha bem. Isso complica muito para os nossos adversários'
O que o Jesus costuma treinar nos dias de jogos?
- Quando dá, costuma trabalhar bola parada, ajustar posicionamento. Quando o jogo é às 17h, costumamos fazer um trabalho na academia. Na Europa, isso é bem comum... Acordar cedo para alguma atividade leve, nem que seja para caminhar, fazer bicicleta ou alongamento.
Fala um pouco mais a respeito de sua trajetória na França
- Eu senti um pouco, o que é normal para um jogador que começa praticamente do zero em outro país. Você tem que aprender a língua, a cultura, fazer novas amizades... Para mim e para a minha mãe, que se mudou junto comigo, foi muito difícil. Ficamos cerca de três meses em um hotel, o que dificultou um pouco para mim. Depois, quando peguei uma casa, foi melhor. Me adaptei depois de seis, sete meses, até em questão do clima, muito frio, e da língua. Desenrolava com os meninos. Se não ia na pronúncia, ia na mímica.
Entre 2017 e 2019, Thiago Maia realizou 68 jogos pelo Lille
O quanto a saída do Bielsa dificultou a sua sequência no Lille?
- O Bielsa pediu a minha contratação. Com ele, jogava bastante. Tive que respeitar o treinador que chegou depois, ele gostou de outro jogador e tinha outra filosofia, mas segui lutando no dia a dia. Não ocorreu como queria, tive que ir em busca do meu espaço e espero que aqui dê mais certo do que lá (risos).
E os métodos de Bielsa? Como é trabalhar com o "El Loco"?
- Ele respira e vive futebol 24 horas por dia. Morava no clube. É um cara muito exigente nos treinos, queria tirar muito do jogador. Lógico que tem atleta que não está acostumado a essa postura e acaba não entendendo a forma dele de extrair o melhor de cada um. Ele é mais direto, sincerão. Aprendi muito com ele.
Dá para traçar uma comparação entre Jesus e Bielsa quanto ao tratamento com os jogadores?
- Acho que o Mister é mais aberto. Não cheguei a conversar muito com o Bielsa, mas vi que ele também é chegado a um churrasco, para unir o grupo, participava, interagia, por exemplo. Mas o Mister é mais cabeça aberta, só que é tão exigente quanto o Bielsa dentro de campo. Fora, é um amigo. Aos poucos, acredito que vá se soltando ainda mais. Porém se der muito liberdade para jogador também é complicado (risos).
E quem foram os jogadores mais difíceis que você marcou por lá?
- Neymar e Mbappé, que são os caras que lideram o Francês, foram os mais difíceis que marquei, sem dúvida. Um tem o bom passe com as duas pernas, que é o Neymar, e o outro, velocidade e explosão, que é o Mbappé. Aliás, acho que Mbappé versus Bruno Henrique dava um pega legal (risos).
Você sente que a imprensa francesa pega pesado com as críticas a Neymar?
- Fiquei confinado com o Neymar uns 35 dias durante as Olimpíadas (2016). Aquilo tudo que as pessoas vendem e falam dele... Acho que pessoas deveriam conhecer o Neymar Júnior, o cara fora de campo, o ser humano. Lógico que, às vezes, o mundo cai em cima dele, e o cara fica maluco. Mas dentro de campo não há o que falar, já que sempre aparece e puxa a responsabilidade para si. O que ele faz fora, a vida pessoal, não tem que afetar na visão sobre o futebol dele, e acredito que imprensa lá bate muito nisso. Hoje, vejo o Neymar voltando a ter a confiança habitual nos jogos.
Já havia jogado com Bruno Henrique e Gabigol no Santos? O quanto acha que eles evoluíram no Flamengo?
- O Gabriel sempre foi goleador. Se tem a oportunidade, vai fazer mesmo, não está nem aí. O Bruno Henrique é a mesma coisa e, aqui, está sendo feliz e abraçado de uma forma que, acredito eu, nem ele esperava. Não é à toa que essa dupla dinâmica que assusta os adversários virou ídolo. O Gabigol tem faro do gol e o Bruno, a velocidade. Eles amadureceram muito. No Santos, tínhamos o Ricardo (Oliveira) e o Renato e, agora, no Flamengo, eles são as nossas referências. Fico feliz de ver essas evoluções.
Para finalizar: sente que o seu pai (Joel), flamenguista fanático, está mais exigente, agora que você está no clube de coração da família?
- Ele corneta bastante, né? Depois do jogo contra o Del Valle, cobrou que eu tinha entrado no sono e que tinha que estar mais ligado (risos). Mas faz parte... ele cobra e elogia no momento certo e está muito feliz de viver isso comigo. É muito gratificante.