Luiz Gomes: ‘Com finanças em dia, é apenas o começo para o Flamengo’
Há frustração, é verdade. Mas em um cenário dominado pelo amadorismo, em que o emocional se impõe sempre sobre a razão, o Fla tem tudo para manter hegemonia
O que representa a campanha do Flamengo neste Mundial? Que me perdoem os zoadores das torcidas rivais, mas perder o título para o Liverpool em nada apaga o brilho do que o Rubro-Negro conquistou nessa temporada. A derrota de ontem no Qatar talvez não escreva esse time na história do futebol mundial e certamente vai deixar um vazio na sala de troféus da sede da Gávea. Isso tudo é gera um clima de frustração, é verdade. Mas o que realmente vai ficar como um marco é o caminho que foi seguido pelo clube até chegar à decisão do Mundial. E isso é algo que deve servir para todo o futebol brasileiro. Pode representar uma mudança efetiva de mentalidade.
Antes de mais nada vale uma comparação histórica. O Flamengo dos anos 80, que conquistou contra o mesmo Liverpool seu título mundial, em 1981, tem muito a ver com o Flamengo de hoje. E não se trata aqui de discutir qual o melhor time. Aquele era o Flamengo da FAF (Frente Ampla pelo Flamengo), um grupo político liderado por Marcio Braga, então ainda um pouco conhecido tabelião, que assumiu o clube com práticas modernizantes e democratizantes até aquele momento inéditas no futebol brasileiro. Foi o início de uma pequena revolução da gestão esportiva no Brasil – muito do que se fez ali foi copiado por outros clubes -, transformada em resultados dentro de campo pelo brilho da geração de Zico, Junior, Adílio, Leandro, Andrade, Nunes e outros talentos que vestiam e sabiam honrar o manto rubro-negro.
O Flamengo de hoje também assumiu esse papel de vanguarda. Outra vez, uma frente ampla, que embora não tenha assumido esse nome, conseguiu reunir distintas correntes políticas para reerguer o clube quando o fundo do poço parecia muito próximo de ser alcançado após a desastrosa e irrelevante gestão da ex-nadadora Patricia Amorim. Sim, a conquista Brasileirão e da Libertadores e a chegada ao Qatar começaram a ser construídas em 2013 com a chegada à presidência de Eduardo Bandeira de Mello. E foi longe da bola, na decisão de reestruturar o clube, de acertar a dívida de não gastar mais do que recebia, de criar mecanismos internos que evitassem atos irresponsáveis e lesivos da cartolagem de ocasião.
Não foi um caminho fácil, atravessou-se um mar de tormentas para chegar até aqui. Os títulos demoraram a aparecer, a história do cheirinho virou um prato cheio para a gozação dos torcedores rivais. E em cada mau resultado em campo pairou a ameaça de ceder, de reverter o processo de saneamento financeiro abrindo o cofre para investir acima dos limites a fim de acalmar a justa ansiedade do torcedor. Mas, felizmente, resistiu-se. E à hora certa, com negociações cirúrgicas, precisas como foram as que levaram à chegada de Rafinha, Filipe Luiz, Gérson, Pablo Mari e, principalmente Jorge Jesus, conseguiu-se estender para os gramados o sucesso administrativo.
A lição está aí para quem quiser aprender. A austeridade gerou um círculo virtuoso: finanças em dia, dinheiro para gastar, contratações ousadas, bons resultados, aumento da arrecadação nos estádios com sucessivas quebras de recordes (são do Flamengo os dez maiores públicos da temporada), mais receitas, mais equilíbrio das contas e mais capacidade para investir novamente, tornando-se ainda mais forte. Em um cenário dominado pelo amadorismo, em que o emocional se impõe sempre sobre a razão, o Rubro-Negro carioca tem tudo para manter a hegemonia de 2019 por um longo período. O Flamengo já tem vaga assegurada no Mundial de 2021, o primeiro da Fifa nos novos moldes, com 24 clubes participantes. Tudo indica que não vai parar por aí.