Luiz Gomes: Flamengo tem que deixar a frieza de lado na tragédia do Ninho
O que se questiona é a insensibilidade, a forma como o incêndio no CT vem sendo tratado nos gabinetes da Gávea após um ano do episódio que vitimou dez garotos da base<br>
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Ao premiar, com dinheiro do próprio bolso, porteiros, vigias, faxineiros, funcionários do departamento de futebol do Flamengo que ficaram fora da premiação oficial do clube pelas conquistas do ano passado, o técnico Jorge Jesus fez, tão somente, aquilo que sua consciência lhe mandou fazer.
Não é primeira vez que Jesus age assim - há notícias de que fez o mesmo ao ganhar títulos em Portugal. E não há indício algum de que seu gesto tenha sido uma forma de angariar simpatias, de reafirmar sua liderança, uma dessas demagogias de ocasião tão comum por aqui. Sua recomendação, ao contrário, era manter o assunto internamente, sem fazer alarde. Mesmo porque, popularidade é o que não lhe falta.
O que chama a atenção são os anos luz de distância entre o comportamento do treinador e a postura que a diretoria do Flamengo tem adotado em casos recentes. Inclusive nessa questão de premiações, quando, é bom lembrar, as regras foram mudadas no meio do caminho, às vésperas da decisão do Mundial contra o Liverpool, o jogo mais importante do rubro-negro nos últimos 30 anos, por pouco não deflagrando uma crise.
Mas a situação mais constrangedora é a que envolve, um ano depois, as famílias das vítimas do incêndio no Ninho do Urubu. E não se trata de uma questão financeira, que fique claro. É fato que, assumindo suas responsabilidades como deve ser, o clube ofereceu valores indenizatórios bem acima dos padrões brasileiros. Como é fato que do outro lado, como sempre acontece nesses processos, há advogados que se preocupam muito mais com a fatia do bolo que irão receber e defensores públicos em busca de alguns minutos de fama.
O que se questiona aqui é a frieza, a insensibilidade, a forma como o tema vem sendo tratado desde o início nos gabinetes da Gávea. O longo silêncio dos primeiros dias que se seguiram à tragédia, as entrevistas coletivas que se tornaram pronunciamentos, um modelo tipicamente autoritário, já eram um sinal do que viria pela frente. O que foi agravado nos últimos dias com a gravação de um vídeo exibido pela Fla TV, em que se colocou sobre os ombros das famílias dos 10 mortos todo o peso da falta de um acordo, e na recusa do presidente Rodolfo Landim e seus diretores de comparecerem à audiência da CPI sobre o assunto instaurada na Assembleia Legislativa do Rio.
Homenagens como a do último sábado, no Maracanã, com balões, bandeiras e camisas especiais, consolam, são válidas, mas não resolvem. Tratar o assunto com transparência e humanidade, muito além das ações de marketing, de números, cifras e filigranas jurídicas, sem esconder-se por detrás do escudo do segredo de Justiça em que corre o processo, obviamente também não significaria a absolvição do clube. Mas é certo que reduziria os prejuízos morais, o volume das críticas - as fundamentadas e as irracionais como o grito de "time assassino" da torcida do Fluminense no último confronto entre os dois times.
O fato é que a competência administrativa na gestão do futebol, que foi capaz de colocar o Flamengo no patamar diferenciado em que está hoje, tem sido inversamente proporcional à capacidade dos dirigentes rubro-negros em lidar com situações que são financeiras, sim, mas emocionais e humanas antes e acima de tudo. Já passou da hora do tal sangue frio que tem movido negociações bem sucedidas para contratar, vender e manter jogadores ganhe um pouco mais de calor quando lidar com outras faces da moeda.
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