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Fluminense, Samorin, homofobia e Marielle: Igor Julião abre o jogo ao L!

Com perfil diferente dos outros jogadores de futebol, lateral ainda comentou temas como desigualdade social, oportunidades no time e a situação política do Flu

Igor Julião - Coletiva Fluminense
imagem camera(Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C.)
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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 22/12/2018
14:57
Atualizado em 24/12/2018
06:00

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Completamente distante do perfil normal do "boleiro", o lateral-direito Igor Julião surpreende quem não o conhece ao falar sobre temas como desigualdade social, preconceitos e a intolerância no futebol. Em seu apartamento, na Barra da Tijuca, o jogador e sua esposa, Carol, colecionam várias referências à pintora mexicana Frida Kahlo e o atleta não tem medo de expor o que pensa: fez questão de vestir, nos dois turnos, uma camisa com a foto da vereadora assassinada Marielle Franco. Em conversa com o LANCE!, ele falou sobre o interesse por filosofia, as divergências nas eleições e a situação política e econômica do Tricolor.

- Sou um privilegiado pelo salário que ganho e a profissão que tenho. Sei disso. É estranho as pessoas reagirem mal a uma mulher negra, que saiu da favela, brigando pelas coisas que brigava, batendo de frente, a luta pelo feminismo e pelas classes, como era a Marielle. Vesti a camisa pois acho que representa muitas mulheres do nosso país. A luta que ela estava comprando era enorme e eu me identifico. Muita gente achou um absurdo. O Brasil é um país livre para quem quer vestir o que quiser. Na época da eleição estava um clima muito hostil. Foi surreal no que o país se transformou. Vou continuar falando sobre desigualdade, que é algo gritante. Talvez seja o maior problema que temos. Se hoje tenho o privilégio de ter essa exposição por causa do futebol, de ter um salário maior do que 90% da população, vou usar isso para falar. Almejo um país melhor, menos desigual nas classes sociais, em gênero.

A forma sincera como fala de assuntos tratados como polêmicos é o que difere Julião do restante dos jogadores. Mas seu posicionamento incomoda uma parcela mais conservadora. Se a homofobia ainda é vista como um tabu por muitas vertentes no futebol e na sociedade, o atleta critica o comportamento preconceituoso. Para ele, a "resistência" encontrada vai além dos clubes.

- Não acho que seja o clube em si, mas tudo isso que envolve o meio faz com que a pessoa tenha medo de se assumir. Deu uma repercussão grande quando falei que sou contra a homofobia no futebol. Homofobia no nosso país é crime. Só falei que sou contra isso. É um absurdo me xingarem. Tem a resistência em todos os lugares, inclusive nas famílias. Tenho familiares que tem frases preconceituosas, a nossa sociedade é assim. Mas não acho que seja o clube em si, mas tudo que envolve. Isso faz com que a pessoa não possa se assumir - disse. 

- Joguei duas temporadas na Major League Soccer (EUA) e é uma liga que luta bastante. Inúmeras vezes cheguei nos estádios e tinham bandeiras LGBTs, faziam campanhas de combate à violência contra a mulher. A MLS tem uma voz ativa. Vemos na Europa clubes com essa iniciativa. Acho que deveria ser feito. É uma coisa triste. O clube tem uma exposição grande, seria interessante - completou.

Pedro Abad - Presidente do Fluminense
Pedro Abad é o atual presidente do Fluminense (Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C.)

O Fluminense vive atualmente um cenário de instabilidade e indefinições. Na última quinta-feira, o presidente Pedro Abad admitiu a vontade de antecipar as eleições do clube para tentar melhorar o clima instaurado. Isso se reflete dentro de campo, atrasando o planejamento do futebol de 2019, por exemplo. 

- Quando falo sobre política, consigo ver mais a situação do país. É difícil analisar o contexto do clube, porque não faço ideia o que se passa lá dentro. É triste o Fluminense estar em uma situação dessa. Torço para que o clube esteja mais unido e não tenha esse racha todo. Hoje temos um centro de treinamento mais afastado, mas mesmo assim acaba respingando. Fica uma coisa chata. Todas as vezes que o Abad conversou com os jogadores, ele foi muito claro e pareceu honesto. Tirando isso, não sei os danos que pode causar ao clube situações como o impeachment. Torço apenas para uma união para que possamos voltar aos tempos de glória, que é o que o clube merece.

OPORTUNIDADES DE ATUAR

A chance de voltar a vestir a camisa do Fluminense caiu no colo de Igor Julião, que vinha apenas treinando com o elenco. Com as lesões de Gilberto e Léo, o lateral-direito saiu dos cerca de cinco meses apenas treinando para ser considerado hoje o primeiro reserva da posição.

- No fundo eu esperava. Por mais que as coisas não estivessem acontecendo como eu queria, eu tinha a esperança de ser relacionado. Agora preciso colocar novas metas, como ser titular. Tenho uma meta de dar um título internacional para o Fluminense e participar disso, acho que o clube merece. Nada estava tão ruim como parecia ser quando eu não ia para os jogos e agora nada é tão bom também. É colocar o pé no chão, manter a regularidade e seguir. Preciso pensar passo a passo para chegar ao título internacional - disse.

O Flu lutou até a última rodada contra o rebaixamento, mas se salvou após vencer o América-MG por 1 a 0 no Maracanã. Antes disso, ficou oito jogos sem vencer ou marcar gols e viu os problemas externos interferirem no rendimento em campo. Julião destacou o principal fator que ajudou o grupo a superar as dificuldades: a união.

- Somos muito unidos mesmo. Acho que é o grupo mais unido que já estive desde que subi para o profissional, tinha amizade, carinho um pelo outro. Já passei por alguns momentos no futebol que, quando fazíamos essa conversa de grupo, era sempre uma conversa chata. Mas essa era real, a gente realmente sentia e se fechava. As dificuldades que passamos no fim do ano e a forma como terminamos, foi muito pela força e amizade que tínhamos. Isso nos sustentou.

'Ficávamos mal por ver o estádio cheio, torcedor apoiando e não conseguíamos o resultado. Sem aquela torcida no último jogo, seria diferente'

Com os resultados ruins, a torcida criticou a equipe e cantou que era um "time sem vergonha". Porém, encheu o estádio na última rodada para apoiar até o final o tricolor.

- A torcida é motivada por amor e eu entendo isso. Entendo também como um problema a pessoa que ganha um salário mínimo pagar 100 reais em um ingresso, às vezes sai meia noite do estádio e o time dele não joga bem. Tem todo direito de vaiar e falar o que quiser. É o momento dele. Sem hipocrisia, a torcida fez toda diferença, ainda mais no último jogo. Viemos de uma derrota contra o Athletico-PR e eles protestaram com toda razão. Mas chegar no estádio e colocar aquele público, cantar o jogo inteiro, fizeram toda diferença, chega a arrepiar.

- Ficávamos mal por ver o estádio cheio, torcedor apoiando e não conseguíamos o resultado. Sem aquela torcida no último jogo, que inflamou depois da defesa do Júlio César, seria diferente. Terminei a partida com câimbra, todos os jogadores mortos e sem força, mas eles cantaram e apoiaram. Foi surreal para nós. Acho natural o público baixo. Na posição que estávamos e com o futebol que apresentamos em algumas partidas, eu também não iria. Era uma sequência sem vencer. Por isso surpreendeu o clima no último jogo. Ninguém paga um salário exorbitante para passar raiva no estádio - falou.

VEJA OUTRAS RESPOSTAS:

LANCE!: Muita gente questiona o projeto do Flu Samorin. Você que viveu aquela realidade, como avalia essa iniciativa do Fluminense? Como foi ficar nesse projeto?


Igor Julião: Foi muito importante para mim. Voltei outro jogador e outra pessoa. Evoluí muito. Tenho certeza que os garotos que foram comigo evoluíram o dobro. Já tinha tido uma experiência internacional, mas para muitos deles era a primeira. É surreal, muito bacana. O presidente Pedro Abad fez uma visita para nós lá e fiz um pedido para que fosse mais divulgado. O que aprendemos lá é muito grande e precisa ter mais visibilidade. Pelo momento conturbado do clube, ele falou que deu uma diminuída, mas sabia da importância. O torcedor acaba envolvendo política nisso, mas é muito importante. Garotos que nunca tinham morado fora do Brasil ou sozinhos passarem por isso é bom. Recebíamos treinamento com técnicos com cursos da Uefa, completamente diferente. Não teríamos esse crescimento jogando 10 anos no Brasil. Vivemos intensamente.

Vimos o Marcos Junior, por exemplo, dizendo que é melhor o Abad sair e o Marlon afirmando que essa confusão só prejudica, que todos precisam começar a pensar mais no Flu. Você vai mais para qual lado? Como é sua relação com o presidente?

Conversamos poucas vezes. Acho que o conheci no Flu Samorin, quando ele nos visitou. Na época o projeto estava sendo muito questionado e nós sabíamos na importância. Ele sempre pareceu muito honesto. Acho que o clube precisa estar junto nesse momento. Política é sempre difícil. Sempre tem ego envolvido, briga de poder, mas torço para que o cube se junte.

Te assustou a repercussão da foto de você pegando o metro depois do último jogo do ano?

Assustou. Fico chateado de repercutir tanto pelo simples fato de ter pego um transporte público. Queria que tivesse sido exposto o fato de muitos jogadores não terem levado a família. Foi um dos motivos de não ter levado meu carro também. É ruim isso. É um transporte acessível, me ligava até em casa em 20 minutos. Foi algo íntimo meu. Saí de uma pressão surreal no jogo, queria me descolar daquele momento do Igor Julião jogador e relembrar 10 anos atrás, quando eu ia com a minha mãe de trem para o Maracanã. Era algo mais meu.

De onde surgiu esse interesse pelos assuntos mais profundos, fugindo do perfil de jogador, e a leitura?

Uma coisa liga a outra. Fui criado com meu pai, principalmente, me levando a museus aqui no Rio de Janeiro. Por eu ser atleta, consegui estudar em colégios que meus pais não teriam condições de pagar, pois eu era bolsista. Então tive uma educação boa, felizmente. Fiz viagens internacionais com a base do Fluminense, algo que não teria como fazer. Tenho uma gratidão. Acho que o mundo foi conspirando a meu favor. Fui fazendo coisas que de onde eu saí, com o salário do meu pai, eu não poderia. Uma coisa vai puxando a outra. Meu interesse desde sempre por história e museu me transformou em quem sou hoje.

Você considera difícil estar no futebol e ter um pensamento tão diferente da maioria? Como foi visto na época da eleição.

De forma alguma. Eu levo de boa. Gosto de conversar sobre tudo e tenho assuntos ótimos com quem tem um perfil diferente do meu. Não só no futebol, é difícil encontrar pessoas que tem interesse em arte, por exemplo. No nosso país não é muito acessível, mas deveria ser, a cultura de forma geral. Tenho amizade muito forte com alguns jogadores desde pequeno e que não tem o meu perfil. É tranquilo.

O futebol também é um assunto que te interessa fora de campo? Costuma ler sobre ou assistir outras partidas? Ou é daqueles jogadores que não acompanham muito?

Tenho meus ídolos no futebol. O Pep Guardiola é um deles. Já li o livro, assisti a série que produziram, se o Manchester City está jogando eu assisto para tentar aprender algumas coisas. Não sou o cara que fica vendo futebol o dia inteiro, mas, se tem grandes jogos, faço questão de ver. Não pensava em trabalhar com futebol depois da carreira, acho estressante demais, mas não descarto a possibilidade de estudar e poder ajudar. Não o profissional talvez, mas trabalhar com a juventude em uma categoria de base.

Alguns torcedores pediam a demissão do Marcelo Oliveira quase todo jogo. Como foi a relação dos jogadores com ele? A demissão foi por problemas internos ou apenas por resultados?

O futebol brasileiro tem disso e é muito estranho. É claro que é por resultado. Chega um momento que, não importa o que você faz, o resultado não vem. Ele tentava, conversava com o grupo, motivava, mas as vitórias não vieram. No Brasil, quando faz uma mudança dessa e acaba tendo o resultado esperado, mas de forma alguma ele perdeu o grupo. Ele sempre deixava claro o carinho pelo elenco. Tentamos de todas as formas, mas não acontecia.

Júlio César, Gum e Digão eram os maiores líderes do grupo? Qual é a importância do Gum?

O Gum tem essa liderança. A presença dele já é importante. O time com e sem ele em campo já era diferente. Esses três eram os líderes e nos puxavam, mas esse grupo era tão unido que um jogador que nem ia ao jogo poderia levantar a mão e dávamos oportunidade. Todos tinham voz ativa. Isso fez a diferença.

Fluminense x America-MG
Equipe comemora gol na última rodada (Foto: Divulgação/Fluminense)

Como vê seu rendimento dentro de campo? Correspondeu com aquilo que você gostaria?

Gostei bastante. Não estava tendo um ritmo de jogo. Acho que fui bem quando precisaram de mim. Quando subi, fiquei marcado pelo apoio ofensivo, mas fui criticado pela parte defensiva. Dessa vez consegui ser elogiado por isso. Acho que os empréstimos me ajudaram muito. Talvez eu não tenha tido tanto destaque na frente, mas atrás foi bom. É procurar mais ainda a evolução. Tendo um trabalho bom e um planejamento com a equipe, espero que eu possa ser titular, sim. Se o Fluminense ficar com o Gilberto, vai ser uma concorrência ótima. Antes de ele se machucar, falei que era o melhor do Brasil. Já nos enfrentamos na base. Ter a oportunidade de disputar uma vaga com ele vai ser bom e aumentar o nível. Torço para que ele fique.

Você acha que as questões financeiras atrapalharam de fato os jogadores em algum momento? Foi algo que o próprio Marcelo Oliveira deu a entender.

É um elenco jovem, mas posso falar por mim. Eu já tinha problemas demais na parte profissional por não ter perspectiva de jogar. Precisava me preocupar primeiro em ser relacionado. Mas claro que atrapalha alguns de forma diferente, uns mais outros menos. Alguns ganham salários maiores. De certa forma atrapalha, mas não posso falar pelo grupo. Eu tinha um foco de pelo menos ser relacionado, então isso ficou em segundo plano.

O Fluminense anunciou o Fernando Diniz. Acha que será uma boa escolha? Como é a adaptação aos diversos esquemas dos treinadores?

Acompanhei pouco, mas sei do estilo de jogo dele. Tenho poucas referências, mas espero que dê os objetivos que tanto almejo ao clube de ganhar títulos. Sou um cara otimista, só imagino coisas boas. No Brasil mudamos pouca tática. Acredito que têm a impressão que o jogador não vai entender ou conseguir captar. Acho um preconceito que não faz sentido. Jogamos com o Marcelo Oliviera no 3-5-2 e depois no 4-4-2 e mantivemos uma regularidade, bem taticamente. Muitos treinadores não tentam fazer isso. Acho que vai ser importante o trabalho do Fernando e bacana. Vemos na Europa o Guardiola inovar e os jogadores entendem isso. O brasileiro tem também essa qualidade. Se vem um treinador com essas ideias, acho bom.

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