Em áudios e vídeos, líder do grupo de apostadores detalha esquema de manipulação; lucro chega a R$ 700 mil em rodada, diz MP-GO
Reportagem do 'Fantástico' mostra como apostadores articulam com jogadores aliciados os lances da rodada. Bruno Lopez, chefe do grupo, detalha em depoimentos o quanto gastou com aliciamento de atletas
A Operação Penalidade Máxima vem trazendo novos desdobramentos em torno da investigação do Ministério Público de Goiás (MP-GO) sobre um esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro visando lucros em apostas. Em reportagem divulgada pelo programa "Fantástico", da "Rede Globo", na noite deste domingo (14), foram divulgados vídeos exclusivos obtidos durante a operação.
Entre os vídeos encontrados, há um momento no qual um dos apostadores celebra uma jogada combinada.
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- Moraes, você é brabo!
O lateral Moraes, que atuava no Juventude em 2022, foi um dos que aceitaram fazer parte do esquema de manipulação. Posteriormente, ele fez acordo com o MP-GO e admitiu que se envolveu no esquema de jogos das Séries A e B do Brasileirão de 2022 e em Estaduais deste ano.
De acordo com os promotores, o grupo de apostadores investigado tinha como líder Bruno Lopez, que se apresentava como empresário de jogadores. Os suspeitos são divididos entre os apostadores, que aliciavam atletas para forjar lances no decorrer dos jogos e faziam apostas nos sites, e financiadores. Eles tinham a missão de fornecer dinheiro e pagar os jogadores aliciados.
- O que nós percebemos é que os apostadores se uniam aos jogadores aliciados pra tentar manipular as apostas para garantir um ganho elevado, um volume elevado. Um ganho financeiro mesmo e que foge da sorte inerente ao jogo. Os jogos manipulados eram eventos encomendados e você busca lucrar em cima disso - afirmou o promotor Fernando Cesconetto, do MP de Goiás.
O esquema projetava se estender a diversas competições.
- Eu tô com contato no Campeonato Mineiro, tô com contato no Campeonato Paranaense, tô com contato no Campeonato Paulista - diz Thiago Chambó, um dos articuladores do esquema, em material recolhido pelo MP-GO.
Em um depoimento divulgado pela reportagem, Bruno Lopez disse que teria gasto R$ 400 mil entre apostas e aliciamento de jogadores nas três últimas rodadas da Série B do Brasileiro. No entanto, o promotor do MP-GO afirmou que o esquema leva a valores mais altos.
- Nós temos elementos aqui que, em apenas uma rodada, o lucro que os apostadores tiveram foi de R$ 700 mil - afirmou Cesconetto.
No depoimento, o lateral Moraes ainda detalhou como foi o contato o apostador Vitor Yamazaki.
- Mano, você vai querer fazer? Eu tenho um dinheiro bom, a gente vai pagar R$ 30 mil, a gente vai te mandar R$ 5 mil antes do jogo e depois manda o restante, se der certo - disse.
De acordo com o depoimento de Bruno Lopez, responsável por chefiar o esquema, os valores mudavam conforme a divisão.
- É muito relativo. Eu falei para eles, depende muito. É uma aposta que você faz. Casada com time grande, aí você coloca lá R$ 500, R$ 1 mil. Agora, se for time pequeno lá, a casa deixa colocar R$ 200, R$ 300...
O promotor do MP-GO afirmou que houve frustração na antepenúltima rodada da Série A, quando se esperava que o lucro fosse alto.
- Na antepenúltima rodada da Série A do Campeonato Brasileiro, foram múltiplas apostas realizadas. E se esperava num dos grupos receber um lucro de R$ 2 milhões por essas apostas - revelou.
Também foram divulgados áudios direcionados a Eduardo Bauermann, defensor do Santos. Ele teria recebido R$ 50 mil adiantados para levar um cartão amarelo em uma partida, que acabou não recebendo. Para se acertar com os apostadores, ainda segundo a investigação, o zagueiro ficou de ser expulso contra o Botafogo. Ele até recebeu o vermelho, mas depois do apito final, o que pelas regras dos sites de apostas não é contabilizado.
- Mano, você vai me pagar tudo. Eu te pedi. Eu confiei em você, mano. E você me desonrou de novo, mano - diz um dos integrantes do grupo ao atleta do Peixe.
Em vídeo obtido pelo MP-GO, um participante não identificado aparece enviando uma mensagem ameaçando Bauermann. As imagens mostram o homem pegando uma arma e direcionando balas para Bauermann e a sua família.
- Falar pra ele aqui, fio. Essa aqui é pra você. Essa aqui é pra sua irmã. É, "v****". Aqui com "nós" é só assim. Venha! - enfatizou.
Até o momento, 13 jogos foram denunciados pelo MP à Justiça: oito da Série A, um da Série B, dois jogos do Campeonato Paulista e dois do Campeonato Gaúcho. O Ministro da Justiça, Flávio Dino, deu aval para a Polícia Federal abrir inquérito e ajudar na investigação. No momento, o Governo Federal prepara uma Medida Provisória para regulamentar apostas esportivas.
Os sites de apostas são considerados vítimas pelo ministério público. Jogadores foram afastados dos clubes que defendiam. Atualmente, quatro fizeram acordo e cooperam com o MP-GO para se tornarem testemunhas do processo: Kevin Lomónaco (que atuava no RB Bragantino), Moraes (lateral que pertence ao Atlético-GO e agora atua no Aparecidense-GO), Jarro Pedroso (atacante do Inter-SM) e Nikolas Farias (volante do Novo Hamburgo).
Os dois primeiros receberam dinheiro para receber cartão amarelo e os outros dois teriam de cometer um pênalti em uma partida.
Nikolas Farias inicialmente disse que recebeu propostas mas que não faria.
- Na verdade, ele entrou em contato comigo mesmo. E pediu para eu fazer o pênalti. Só que ele estava insistindo e eu falei que não ia fazer - disse.
Porém, em uma imagem obtida pelo "Fantástico", a promotoria traz o pênalti cometido pelo volante na partida entre o Noia e o Bento Gonçalves e uma mensagem de Nikolas a um apostador.
- Aqui é papo de homem. Se eu falei que vou fazer, eu vou fazer. É isso aí. Eu sabia que iria entrar no jogo, então, não tinha erro - disse.
Nikolas, posteriormente, afirmou.
- A cada vez que eu negava, ele ia "então faça isso, faz aquilo". Até que aceitei o do pênalti.
Citado na reportagem, Thiago Chambó se manifestou ao "Fantástico" por meio de sua defesa. O acusado afirma que "as informações apresentadas na denúncia não têm robustez para incriminar o seu cliente porque inexistem indícios de qualquer ilegalidade.".
Os advogados de Romário Hugo dos Santos, apontado como outro integrante do esquema, lamentaram que " ele esteja sendo submetido a julgamento da opinião pública antes que possa apresentar sua defesa na Justiça". A defesa de Bruno Lopez afirmou, em nota ao "G1", que "as acusações serão respondidas no momento oportuno".
Os representantes de Eduardo Bauermann negam a participação do zagueiro em qualquer irregularidade. Segundo eles, tudo ficará provado no decorrer do processo.
ENTENDA O CASO
A investigação sobre suspeita de manipulação de resultados teve início em novembro do ano passado. O mandatário do Vila Nova, Jorge Hugo Bravo, descobriu que jogadores do clube vinham sendo aliciados por um grupo de apostadores antes da partida contra o Sport pela Série B. O dirigente juntou provas da tentativa de manipulação e procurou os promotores que combatem o crime organizado no estado.
Oficial da Polícia Militar, Jorge Hugo Bravo descobriu que o atleta Marcos Vinícius Alves Barreira, apelidado de Romário, tinha sido aliciado. Como o jogador não foi escalado, tentou induzir algum companheiro de time a levar um cartão vermelho ou cometer um pênalti no seu lugar. O valor combinado, segundo depoimento de Romário, era de R$ 150 mil, com uma "entrada" de R$ 10 mil, conforme vídeo de seu depoimento divulgado no "Fantástico".
O MP-GO continuará a investigar as partidas e não descarta que houve manipulação de resultados em outras partidas de futebol. A Operação Penalidade Máxima está em sua segunda fase.