“Futebol é coisa de menino. Menina deve brincar de boneca e de casinha”; “Seu namorado/ marido deixa você ir ao estádio?”; “Você gosta de futebol, mesmo? Então fala aí a regra do impedimento!”. Essas e muitas outras frases são ouvidas por muitas meninas e mulheres que apresentem interesse pelo “esporte de macho”. O que pouco se sabe é que as mulheres estão presentes no futebol desde o início da prática do esporte.
Foi em Laranjeiras, no início do século XX, onde surgiu o termo “Torcedoras”. As mulheres, que assistiam aos seus pais, maridos ou filhos, em seus jogos, torciam as luvas e lenços a cada momento de tensão. O escritor Coelho Neto, pai de Preguinho e Mano, ex-jogadores do Fluminense, em uma crônica de jogo as descreveu desta forma, consagrando o termo torcedoras. Também no início do século passado, Dona Alice, mãe de Mário Neves, um dos fundadores do Atlético MG, criou, de maneira informal, a primeira torcida organizada que se tem relatos. Dona Alice levou bandeirinhas e distribuiu para as esposas, mães e filhas dos jogadores do Galo, nas cores do Alvinegro. A primeira torcida organizada, não oficial, no Brasil, foi formada por mulheres. Já na década de 1920, foi em São Paulo, que aconteceu a primeira partida de futebol entre mulheres. Tremembé e Cantareira, se enfrentaram na zona norte Paulista.
Atualmente, as mulheres voltam a ter destaque nas arquibancadas e também nos campos, mas sofrem os efeitos de uma sociedade machista e misógina que julga, objetifica e desqualifica uma mulher que queira sair da beira do fogão. Na luta pelo direito de torcer e ser respeitada nas arquibancadas e fora delas, alguns grupos de mulheres se unem e torcem juntas pelo time de coração.
Para a jornalista Martha Esteves, a presença feminina nos estádios é importante:
— Eu acho essa participação feminina no estádio muito importante, desde sempre eu acho que tem que ter mesmo. (...) Hoje tem muito mais mulheres, tanto trabalhando no futebol, como nas arquibancada. O público feminino é muito maior. Existem pesquisas sobre isso, o público feminino aumentou. (...) Acho importante pois isso deixa a frequência mais calma. A mulher no estádio pode ajudar a diminuir a violência.
Em 2006, foi criada a primeira torcida organizada oficial exclusivamente feminina, a Torcida Flu Mulher. Com 150 associadas, a torcida foi criada com objetivo de aumentar o número de mulheres nos estádios e diminuir o preconceito com as torcedoras. Apesar de ter sido bem recebida pela diretoria do clube, a torcida ainda é vista com preconceito nos estádios. Conheça mais da Flu Mulher em nossa entrevista exclusiva.
Camila Carelli, repórter da Rádio Globo e CBN apoia as iniciativas de mobilização feminina nos estádios e garante “o estádio de futebol é um programa feminino”:
— A mulher tem interesse pelo futebol e acho que essas torcidas e manifestações mostram o quanto o futebol pode ser e é um programa feminino. E que os clubes tem que entender isso de uma vez por todas. Então é bacana você ver que é uma mobilização toda feita por mulheres e que eu posso ter um programa com as minhas amigas de ir ao estádio ver os jogos do meu time.
Três anos após a criação da primeira torcida organizada feminina. No Sul do Brasil, nascia a Força Feminina Colorada (FFC). O movimento surgiu de uma comunidade do Orkut, partindo do princípio que a maioria das meninas não tinham companhia para ir aos jogos, e por isso não iam. A criação da torcida, foi uma solução encontrada para o problema recorrente em todo país, fazendo com que torcidas e movimentos foram criados partindo do mesmo princípio. Mesmo com muitas dificuldades no início e sofrendo com o machismo, a Força Feminina Colorada se mantém firme nos estádios e leva o nome da torcida para ações fora dele. Crianças e mulheres em situação de violência, são beneficiadas com as ações sociais do grupo. Conheça mais da FFC!
Para Camila Carelli a presença de movimentos e torcidas femininas é importante para incentivar ainda mais mulheres a irem aos estádios:
— Eu acho muito bom que a gente tenha essa representatividade já dentro do estádio, principalmente, para mostrar que o estádio de futebol é um programa feminino e por ter essa oportunidade das mulheres irem cada vez mais aos estádios independente do homem, de família e de namorado. Ir por vontade própria. Essa vontade já existe, eu tenho certeza absoluta disso, existem milhões de mulheres que tem vontade de ir ao estádio e talvez algumas não tenham a coragem de tomar a iniciativa, de alguma maneira não se sentem representada ou se sentiam intimidadas e essas torcidas minimizam isso.
Em 2016, após o lançamento da linha de uniformes do Atlético MG, pela Dryworld, uma carta estoura pelas redes sociais: as mulheres do Galo não gostaram nem um pouco da forma como foram representadas no evento. Enquanto os homens exibiam os uniformes de jogo, as mulheres desfilaram seminuas, de biquínis, ou apenas com a camisa alvinegra e lingeries. A carta, assinada por 20 mulheres, deu início a um movimento que, hoje, já reúne cerca de 40 mulheres para ir aos jogos do Galo, a Grupa. As atleticanas tem objetivo de trazer ainda mais o público feminino aos estádios e torná-lo um local mais inclusivo. Para fazer dar certo, as meninas se encontram antes dos jogos e vão embora juntas, por conta daquele problema recorrente da falta de companhia, que atinge a muitas torcedoras. Veja a entrevista exclusiva com a Grupa na íntegra.
Como as torcidas são reflexos da nossa sociedade, a relação de amor e ódio entre os movimentos femininos e outras torcidas pôde ser notado. Alguns torcedores, vão achar as iniciativas desnecessárias, outros, vão dizer que o lugar da mulher não é ali, mas as mulheres dessas torcidas, as que são encorajadas a fazer o que gostam aprovam e incentivam ainda mais movimentos e mulheres para que a arquibancada seja ainda mais feminina.
Lugar de mulher também é na arquibancada!